Cavalheirismo

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Tahira deu outro gole na bebida — vodka misturada com energético barato — tentando disfarçar o desconforto por estar naquele lugar. Mais 10 minutos — prometeu para si mesma — e iria embora.

Assistir uma série acompanhada de vinho e pizza, parecia muito mais agradável que perder a sexta à noite em uma festa que não conhecia ninguém, melhor dizendo, quase ninguém. A sua frente, no meio da sala lotada de universitários alcoolizados, via Nicholas dançando de forma descompassada, acompanhando as letras de Haruka Kanata, do Asian Kung-Fu Generation, enquanto fazia Helena rir.

Contra sua vontade, Tahira acabou sorrindo suavemente. Desde que se mudou para a república havia tido pouco contato com Helena — que era prima de Nathaniel, descobriu recentemente — mas todas as vezes que a encontrou pelo campus da faculdade, ou no apartamento, a outra tinha sido completamente gentil. Tahira não era do tipo que apreciava a amabilidade, no entanto, sorrateiramente a morena ganhou sua lealdade. O mesmo podia ser dito sobre Nicholas, é claro, com ele a relação chegou com a sutileza de um elefante andando num campo de arroz — agressivo e inevitável.

Lentamente, o olhar da loira continuou passeando pelo ambiente até se prender em olhos preguiçosos, que a observavam do outro extremo da sala.

Kalu estava bonito — podia admitir para si mesma — seu cabelo solto passava levemente do colarinho da jaqueta camuflada verde que usava. Por baixo trazia uma camisa preta com gola V que dava todo um destaque para as tatuagens que subiam de forma sinuosa por seu pescoço. O jeans escuro e all star completavam o conjunto atraente.

Ao lado dele, Caio falava algo animadamente, enquanto se dividia entre o relato e devorar um pacote de batatas fritas.

De tempos em tempos, a aniversariante — Iara — parava com os dois. Uma loira curvilínea e inconstante, como um beija-flor, falava algo que às vezes aumentava a carranca de Kalu, outras o fazia rir — nada demais, um repuxar de lábios que era mais complacente que qualquer outra coisa. Claro, sempre com o namorado a tiracolo — um cara, no mínimo, incomum: alto, pálido, cabelos muito escuros, vestindo uma calça apertada e um cropped masculino que deixava sua barriga à mostra.

Incapaz de sustentar o olhar de Kalu por mais tempo, Tahira foi a primeira a desviar. Apesar de já terem se passado dias desde seu "flagra", a imagem ainda ardia na lembrança dela, com constrangimento e auto recriminação.

A "conversa" que tiveram melhorou as coisas, mas algo importante havia mudado. Não era só embaraço, agora existia aquela áurea de tensão, como se ambos estivessem na expectativa de um grande acontecimento, e toda pequena ação ganhasse um novo significado — o que lhe deixava apreensiva para um caralho.

Estavam caminhando para algo, e a única certeza que ela tinha era que não se tratava de uma calma amizade.

Aparentemente, outra pessoa também não estava se divertindo na social. Deparou-se com Nathaniel de braços cruzados e a expressão amarrada, fuzilado Tamara que conversava com um rapaz de sobrancelhas absurdamente grandes, corpo bem definido e um macacão collant verde — isso mesmo, um collant.

Nathan parecia estar preparado para cometer um homicídio, o que era bastante destoante da sua postura sempre contida. A preocupação fez com que Tahira se aproximasse.

— Se continuar encarando dessa forma, um dos dois vai acabar pegando fogo. — Colocou o copo vazio em uma das mesas, e revirou os olhos quando viu Kaleb arrastar um Daniel ruborizado para uma dança comicamente sensual. — Não seja um louco ciumento.

— Não temos absolutamente nada!

Tahira não comentou, apenas levantou uma sobrancelha perfeitamente delineada com deboche.

COLEGA DE QUARTOOnde histórias criam vida. Descubra agora