Briga

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Kalu não deveria ficar remoendo, ou se irritar com a situação, afinal, foi ingenuidade sua pensar que Tahira seria razoável quando ofereceu a carona. Durante todo o trajeto ela nem mesmo lhe dirigiu um olhar — ficou encarando a janela — e pior que ele até tentou puxar assunto, mas na segunda resposta monossilábica que recebeu foi obrigado a desistir. Depois — quando chegaram em casa — ela se trancou no banheiro só para ignorá-lo. Agora, sentado na varanda da sala, fumando o segundo cigarro enquanto observava o movimento da rua, ele remoía.

Já passavam das duas da manhã, tarde demais para pedir algo por delivery e muito provavelmente, o pessoal não iria chegar tão cedo, logo sem distrações. A única alternativa que restava era tomar um banho para arrefecer a raiva e dormir. Havia feito sua parte ao dar o primeiro passo, não era sua culpa ter uma mulherzinha teimosa como colega de quarto.

Apagando o cigarro, entrou para dentro de casa. No quarto, fez todo um show para pegar o pijama nas gavetas e a toalha, bateu à porta do guarda-roupa com mais força do que era necessário, porém, Tahira continuou impassível — deitada mexendo no celular.

Será que está falando com Miguel? A voz do ciúme perturbou sua consciência.

Não, precisava ser objetivo, a briga entre os dois tinha sido feia, quase certo que ela estivesse falando com Iara, ou o esquisitão das tatuagens.

O simples pensamento azedou ainda mais seu humor.

Quando terminou e saiu do banheiro, o quarto estava silencioso. Acendeu o abajur da cabeceira para encontrar Tahira de cara virada para a parede, mas Kalu sabia que ela permanecia acordada — conhecia seu padrão de respiração ao dormir e não era aquele.

Irritado — por estar sempre tão consciente dela — puxou as cobertas, deitou e após um instante de hesitação, esticou-se para desligar a luz. Não ganharia nada ficando puto a noite toda, a culpa não era sua se as coisas estavam daquele jeito — garantiu para si mesmo pela milésima vez — a problemática nem tinha motivos para continuar tratando-o com frieza. Qual é, não é como se a tivesse atraído por ficar com Sheyla.

A quietude tomou conta do cômodo — um contraste gritante com o turbilhão dentro da sua cabeça. Quase um minuto depois Kaluanã voltou a se esticar para acender o abajur.

— Sabe de uma coisa, você é muito mal agradecida! — ele reclamou ao sentar na cama. — E sei que está fingindo dormir.

Tahira não se mexeu.

— Eu podia ter ido para a boate com o pessoal, mas te trouxe pra casa. — Continuou com os dentes trincados, sua vontade era sacudi-la. — E você continua me ignorando sabe-se lá por qual motivo! — levantou as mãos para os céus como se esperasse uma intervenção divina. — Não deveria me tratar dessa forma.

Só então ela virou-se para enfrentá-lo.

— Em primeiro lugar, desistiu do rolê para me trazer em casa porquê quis, não te pedi absolutamente nada, então não espere um agradecimento para afagar seu ego. — Apesar dos olhos verdes em chamas, seu tom era perturbadoramente controlado. — Segundo, estou te tratando como sempre fiz, nunca fomos amigos só dividimos o quarto.

— Sério? — sorriu com sarcasmo — Tahira, desde a festa do Kaleb não me dirige a palavra, toda vez que chego num lugar você sai. — E isso era o que mais lhe incomodava. — É verdade que não somos amigos, mas nossa convivência era melhor que isso.

— Que convivência? — ela riu, algo sem humor ou alegria, apenas um gesto mecânico. — Mal me conhece, idiota.

— Tem certeza? Agora mesmo estamos conversando e sei que está tremendo de raiva, mas insiste em fingir que está tudo bem. — Cuspiu as palavras. — Deve ser algo muito ruim, ou vergonhoso, para agir como uma covarde.

COLEGA DE QUARTOOnde histórias criam vida. Descubra agora