Cuidado

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Tahira nunca tinha se acostumado com a cólica.

Desde os 11 anos, quando havia menstruado pela primeira vez, só teve o desprazer de sentir aquela dor na barriga, coluna e cabeça, três vezes — isso antes de completar 16 anos. No entanto, provavelmente ativado pelos efeitos colaterais da "pílula do dia seguinte", naquela manhã, ela acordou com um incômodo diferente que só havia piorado no decorrer do dia.

Além das contrações cruéis e irregulares, estava enjoada e cansada. Seu humor também não era dos melhores, por isso a chegada de Kalu a tirou do sério com tanta facilidade. Claro que para ele era uma coisa simples de se resolver, no fim das contas tratava-se de um homem.

Após grunhir e gemer por um tempo, Tahira acabou dormindo. Acordou com uma mão na sua testa.

— Que foi? — sussurrou ainda mal humorada.

— Trouxe algo pra você beber. — Kalu se virou para pegar uma caneca na mesa de cabeceira.

A preocupação nos olhos escuros era muito perceptível, acrescente a isso a leveza de suas ações, Tahira foi obrigada a refrear seu temperamento em resposta a delicadeza dele.

Com cuidado, Kalu a esperou levantar e recosta-se na cabeceira para lhe entregar a caneca fumegante com o que parecia ser chá. Ele não estava diferente daquela manhã, ainda usava jeans escuro e blusa social branca por fora da calça — com os botões fechados até o colarinho para esconder as tatuagens — que havia colocado para trabalhar. Mas sua postura era incomum, de tempos em tempos mudava o peso do pé, expressão desconcertada.

Tudo nele gritava embaraço.

— Iara disse que chá de orégano é bom pra isso. — Seu rosto adquiriu um rubor vivas. — Coloquei um pouco de mel, porque o gosto era bem ruim.

O complemento desesperado quase a fez sorrir. Tahira debateu consigo mesma se deveria prolongar aquela situação só para provocá-lo, afinal, além de engraçado era... doce. Decidindo pela maturidade, estendeu a mão para o copo sem falar uma palavra.

O chá estava quente e ligeiramente doce, aqueceu o caminho até seu estômago.

— Tem certeza que não quer ir ao médico?

— Não, vai passar. — O tranquilizou, ainda que tenha estremecido com uma contração. — É só um efeito colateral da 'pílula do dia seguinte'.

Depois de beber o último gole do chá — com o corpo um pouco mais quente — ela voltou a deitar. Kalu ficou parado por alguns instantes só a encarando, como se quisesse ter certeza que ela faria isso direito antes de sair do quarto.

A loira sorriu. Todo aquele contexto era um tanto estranho, e a deixava nervosa em certo nível. Ela era uma mulher forte e por definição sempre foi a protetora, nunca esteve em posição de ser cuidada, ou mimada. Não que Kaik não fosse capaz de tal coisa se realmente precisasse, mas sim porque nunca... quis. Nas vezes que sentiu coisas supérfluas como cólicas, resfriado ou até mesmo se machucou, apenas segurava a onda e passava por aquilo. Porém, tinha que admitir que ser cuidada, e saber que alguém se preocupava com ela ao ponto de preparar um chá era algo maravilhoso, que aqueceu seu coração de uma forma que não deveria — principalmente vindo de um P.A.

Com um sorriso no rosto, Tahira dormiu. Ainda na bruma do sono, sentiu mãos gentis colocarem algo quente na sua barriga e um roçar de lábios no seu rosto.

Dessa vez, ao acordar demorou um tempo para se situar. A maior parte da dor havia ido embora, sentiu uma coisa quente escorregar da sua barriga, quando estendeu a mão encontrou uma bolsa de água quente — agora morna. Fazendo uma retrospectiva dos acontecimentos, virou-se para o outro lado, e de imediato viu Kalu.

Ele estava sentado no chão, com as costas encostadas na cama. Se esticasse a mão, Tahira podia tocar seus cabelos — que estavam soltos e molhados, muito provavelmente por ter tomado banho há pouco tempo. Kaluanã mexia no notebook em seu colo, mas assim que sentiu seu movimento voltou-se para encará-la com um olhar avaliativo.

— Está melhor?

Ela apenas assentiu.

— Fome?

Tahira negou.

— Se não quiser comida, tudo bem, mas ficar o dia todo sem nada vai te fazer mal. — seu tom era ameno. — Trouxe outras coisas.

E como uma criança mostrando a outra seus pequenos tesouros, ele abriu uma sacola lotada de doces, biscoitos, besteiras e outras coisas que ela não comia fazia muito tempo.

— Preciso tomar um banho antes. — Sorriu. — Voltar a me sentir uma pessoa.

Meio receoso, ele concordou. Se arrastando até o banheiro, ela cozinhou debaixo da água escaldante por um tempo considerável.

No quarto, Kaluanã estava na mesma posição quando voltou. Indo até a cama, ela esticou as mãos para secar o cabelo, mas a ação fez algo estranho na sua barriga, com uma careta, desistiu da tarefa. Vendo isso, Kalu se levantou.

— Eu faço isso. — E com mãos habilidosas, a sentou na cama enquanto pegava a toalha.

Obedientemente, de uma forma que destoava completamente da sua personalidade, Tahira permitiu que ele secasse seus cabelos. Fechou os olhos, apoiando a testa na barriga dele, absorvendo seu calor e cheiro, algo como hortelã, tabaco e Kalu. Ele foi cuidadoso e metódico, os dedos longos entre os fios quase lhe fizeram cochilar.

Ao terminar, Kaluanã foi estender a toalha, mas logo retornou. Ela se recostou na cama para comer as coisas que ele havia trago.

— Ainda dói?

— Um pouco. — A loira deu de ombros.

Após hesitar por um momento, ele se aproximou e colocou a mão na testa dela. Tahira se segurou para não rir, sabia que deveria dizer a ele em algum momento que febre não era sintoma de cólica, mas não pode.

Ele parecia tão fofo e desajeitado fazendo aquilo.

— Quer assistir um filme?

Sua resposta foi chegar para o lado, sem precisar de mais incentivo, ele deitou na cama e posicionou o notebook em seu colo. Enquanto ele escolhia o que iria ser — parando para comentar a sinopse de um ou outro — ela comia. Acabaram por selecionar um filme trash de terror — um dos preferidos de Tahira.

Em certo momento — quando já havia acabado de comer e o filme já estava na metade — Tahira havia apoiado a cabeça no peito dele, ouvindo as batidas ritmadas do seu coração. Distraidamente, Kalu começou a fazer carinho no seu cabelo.

Deitada nos braços do garoto que gostava, ela se sentiu absurdamente protegida.

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