Irmãos

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Uma hora ela teria que sair do carro.

Tahira sabia disso, mas mesmo assim não fez nenhum movimento para abrir a porta. Continuou encarando a limosine parada do outro lado da rua, tamborilando com as pontas dos dedos no volante, inquieta.

Havia concordado com aquilo, então não existia uma forma digna de fugir. No fim, teria que engolir todas as suas inseguranças e enfrentar o tão temido encontro.

— É só um almoço. — Sussurrou para si, não precisava fazer daquilo uma caminhada no corredor da morte.

Com uma respiração profunda, saiu da caminhonete e caminhou — lentamente — até a porta da frente. Porém, antes que pudesse alcançar a maçaneta, ela se abriu. Um Kaik aparentemente aterrorizado a segurou pelo braço.

— Pensei que não fosse vir. — A arrastou para dentro. — Ele não fala nada, só fica me encarando com aqueles olhos sinistros. — Murmurou as palavras entredentes, com receio de ser ouvido pela visita abandonada na sala. — Os gatos ficam andando em volta dele como se o cara fosse sei lá, um parque de diversões.

— Vocês têm olhos iguais. — Não pode deixar a oportunidade de alfinetá-lo passar em branco.

— Eu sei. — Kaik a empurrou para a cozinha e fechou a porta. — São parecidos com os do nosso pai.

E só então ela percebeu que o desespero do irmão não era apenas por ter sido largado sozinho para socializar com uma visita indesejada, mas existia um medo sombrio refletido em cada um dos seus gestos: o fato de segurar seu braço quando ele odiava qualquer tipo de toque, a palidez de sua pele acentuando pelas tatuagens, as mãos que tremiam levemente.

Tahira sentiu a necessidade de tranquiliza-lo, entretanto, não sabia como, pois, ela também estava completamente abalada.

Seja firme. Ordenou-se.

— É só um almoço, isso deve levar o quê, umas duas horas?

— Ele já está aqui faz uma.

— Okay, temos alguém pontual na família.

— E silencioso. — Kaik recostou-se na pia, cruzando os braços na frente do peito, em uma postura de autoproteção. — Ele não fica puxando assunto, ou faz perguntas idiotas, sabe? Não age como alguém normal.

— Pode ser tímido, é uma situação estranha pra todo mundo.

— Não, sinto como se ele esperasse por mim, entende? — seu timbre diminuiu a um sussurro conspiratório. — Como se estivesse me dando um tempo pra me acostumar com a presença dele e falar algo.

— Isso é bom. — Tahira tentou amenizar.

— Isso é bizarro pra caralho. — Encarou a irmã. — E em certo nível, me lembra você.

— Não faço isso! — defendeu-se.

— Faz, quando acha que vou surtar e cometer suicídio ou alguma merda dessa, e tudo fica sério demais.

Ela não sabia o que fazer com aquela declaração, para falar a verdade, nunca havia pensado na imagem que o irmão pudesse ter dela. Talvez de uma mulher irritante, expansiva e controladora, mas jamais paciente a esse ponto. Bem, fazendo uma retrospectiva de todas as conversas que já tiveram na vida, pode ser que tenha sido meio mole nas fases difíceis.

— É só um almoço, vamos sentar, comer, conversar sobre amenidades e depois cada um vai para o seu lado.

— Ele vai nos deixar em paz?

— Você quer que ele nos deixe em paz? — a pergunta era tanto para si quanto para Kaik.

— Não sei. — Deu de ombros, era para ser um gesto despretensioso, no entanto, o pesar em suas feições não permitiu. — Às vezes acho que gostaria de conhecê-lo, mas aí tenho medo de toda merda que vem junto com o pacote e... — Deixou a frase morrer.

COLEGA DE QUARTOOnde histórias criam vida. Descubra agora