Verdade

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Isso que dá ficar comprando briga que não é minha. Kalu pensou com desânimo.

Estava sentado na bancada da cozinha de Iara, esperando Tahira achar algo útil dentro da geladeira, que pudesse diminuir o inchaço em seu rosto. A princípio, achou que tivesse quebrado o nariz, mas não havia chegado a tanto. Porém, agora, havia um hematoma arroxeado no local que parecia crescer mais a cada segundo que passava.

— Bem, isso deve resolver por enquanto. — A loira se aproximou dele, sem pedir permissão, segurou seu queixo com uma das mãos para levantar seu rosto e pressionou um saco de ervilha congelada contra o ferimento. — Sua amiga não tem uma bolsa térmica, e o gelo já acabou.

Depois que Tahira, literalmente, nocauteou Marcos, seus amigos ficaram meio alvoroçados com toda a situação, no entanto — como a mandona que era — não demorou muito tempo para que ela controlasse toda a cena.

Douglas foi incumbido de se virar para arrastar o amigo desacordado para fora da festa, e Kalu foi levado até a cozinha para cuidar dos seus "machucados".

Após deixar uma caixa de primeiros socorros, Iara, Caio e até mesmo Samara — que a propósito, cursava medicina — foram dispensados dos cuidados, acabando por voltarem para a sala a contragosto. Vez ou outra algum deles voltava a perambular pelo cômodo, usado como pretexto as bebidas no freezer, comida ou qualquer outra coisa, mas Kaluanã desconfiava, bastava um olhar mais severo de Tahira para que mudassem de ideia, saindo do recinto com o rabo entre as pernas.

— Vai ficar dolorido por uns dias. — Apesar da irritação em sua voz, seu toque era surpreendentemente gentil.

Kalu estava sentado na cadeira com as pernas abertas com Tahira entre elas. Mesmo com o saco de comida congelada no meio do rosto, ainda conseguia ver perfeitamente seu rosto: a expressão de concentração, a ruga de preocupação entre as sobrancelhas loiras, o bico quase imperceptível nos lábios, o que demonstrava seu estado de espírito.

Kaluanã queria tocá-la, desesperadamente. Só precisava inclinar o corpo para cima e sua boca atrevida estaria ao seu alcance.

Não seria difícil. Uma voz sussurrou em sua consciência, estavam tão malditamente próximos.

— Pensei que fosse trazer seu namorado. — Sua voz saiu rouca.

Lembrar do esquisitão o trouxe de volta a sensatez, aquele era só um dos vários motivos pelo qual deveria manter distância dela.

— Namorado?

— Sim, o cara das tatuagens no rosto, — a óbvia confusão refletida nas feições de Tahira fez com que se sentisse desconfortável. — Te vi com ele no Luxúriahashi um dia desses. — Tentou dar de ombros, casual.

— Está falando do Kaik? — perguntou aturdida.

Kaik, que espécie de nome ridículo era esse? Bem, levando em consideração o resto da obra, Kalu considerou que não podia esperar algo muito melhor.

E então, Tahira começou a rir. Não, começou a gargalhar, e se antes estava se sentindo apenas embaraçado, agora só queria sumir dali como o idiota que parecia ser.

— Meu namorado? — questionou entre os arquejos, passou a mão nos olhos para dispersar as lágrimas do riso. — Acha que ele faz meu tipo?

Não precisava ser um grande gênio para entender que havia errado na conclusão inicial, então sobrava a possibilidade de serem parentes ou amigos, de qualquer forma, ainda não gostava do sujeito, afinal, ele não parecia muito preocupado pelo bem-estar da loira.

— Não conheço seu tipo. — Blindou seu tom em indiferença para disfarçar, pois sentia o completo oposto.

— Não é o tipo do Kaik! — o olhar malicioso que Tahira lhe lançou deixou bem claro que tinha percebido seu constrangimento com a situação, pior, que estava muito satisfeita em usar aquilo para provocá-lo.

COLEGA DE QUARTOOnde histórias criam vida. Descubra agora