— Você deveria ter batido.
As palavras foram ditas em um tom tão baixo, que ele não teria ouvido se não estivesse tão consciente de tudo sobre Tahira.
— Como?
— Você deveria ter batido! — repetiu, bem mais parecida com a problemática que conhecia.
Agradeceu internamente, a Tahira hesitante e acanhada o deixava nervoso além da conta.
— É o meu quarto. — Rebateu, também dando voz ao próprio temperamento. — Você deveria ter trancado a porta.
— Só eu estava em casa. — Apesar do rosto vermelho, suas palavras eram bem firmes. — Além do mais, suas aulas terminam tarde às quartas.
— Então a culpa é minha? — sentia vontade de rir, não podia acreditar que, aquela mulher teimosa, estava virando a situação para não assumir a própria responsabilidade nos fatos, ou ter que se desculpar.
— Exatamente, perdedor! — concordou com o ar imperioso que sempre o irritava.
O embaraço agora esquecido, Kalu se empertigou com a cara de pau dela.
— Não deveria fazer essas indecências com a porta aberta já que mora com outras cinco pessoas.
— Indecências? Quantos anos tem? 70? — sorriu com deboche.
Então ele percebeu o que ela estava fazendo, e quase se chutou mentalmente por ter demorado tanto, ou não ter previsto esse movimento na primeira frase.
— Você está se sentindo vulnerável. — Afirmou, vitorioso.
— O quê?
O tom surpreso o teria convencido se Kalu não tivesse percebido sua postura defensiva — os braços cruzados na frente do corpo em sinal de proteção, as pernas separadas como se esperasse por um golpe.
— Está constrangida com toda essa situação, isso faz com que se sinta vulnerável, — analisá-la trouxe uma estranha segurança, acalmando-o. — Então escolheu me atacar porque se sente mais confortável nessa posição.
— Que idiotice! — fez menção de se afastar dele — Não vou ficar aqui ouvindo essa merda.
— Ei, ei! — ele acompanhou seus movimentos, só que com as mãos levantadas em sinal de rendição, como se estivesse na presença de um touro furioso. — Estamos no mesmo barco, pra mim também é muito complicado, na verdade, gostaria de estar em qualquer outro lugar ao invés de ter essa conversa.
— Ótimo!
— Tahira, — queria arrancar os próprios cabelos, porém suprimiu o impulso insano. — Por que tem que ser sempre tão problemática?
— Foda-se! — ela cuspiu, em um rompante começou a marchar em direção contrária ao apartamento.
Se Kalu tivesse visto só raiva e teimosia na sua expressão não teria ido atrás dela, mas a mágoa refletida nos olhos verdes o afetou o bastante para correr o risco.
A alcançou instantes depois, a rua não estava cheia, pois já estava anoitecendo e, sendo uma segunda-feira, os bares não estavam lotados de alunos festeiros.
— Tahira, espera! — imprudentemente, segurou seu braço para fazê-la parar, entretanto, recebeu em troca um tapa tão forte na cara que o desequilibrou e fez cair de bunda no chão.
— Não me toca. — Ela vociferou ao fuzilá-lo com os olhos.
— Tudo bem, — novamente, levantou as mãos em sinal de rendição, sentia o lado esquerdo do rosto latejando. — Só me escute.
— Já ouvi o bastante.
— Ok, se deseja um pedido de desculpa, o têm. — Considerou levantar, mas tudo nela gritava que qualquer passo falso que tomasse podia terminar em outra agressão, então era melhor manter a "vantagem". — Sinto muito! — não especificou sobre a que se referia, suas palavras anteriores ou o flagra, porém, se isso pudesse acalmá-la, poderia ser por tudo. — Só quero resolver essa situação, dividimos o mesmo quarto e não podemos continuar nos evitando, é desgastante demais.
Ela não concordou, mas ainda estava ali, então já era um começo.
— Vamos encarar os fatos como dois adultos, entrando num consenso de nunca mais tocar no assunto. — Tahira relaxou levemente, demonstrando levar suas palavras em consideração pelo menos — A partir de agora vou bater sempre, e você vai trancar a porta.
A loira demorou uma eternidade para responder — ou assim lhe pareceu — e quando o fez foi com total arrogância:
— Aceito suas desculpas!
Não era a concordância que queria, mas ele era esperto o bastante para não perder uma batalha por conta do ego. Aceitaria o que viesse desde que aquele inferno chegasse ao fim — uma parte de si salientou que nem tudo estaria resolvido, já que a loira tinha o poder inconveniente de mexer com sua libido de forma inapropriada, no entanto, a ignorou.
— Também vamos entrar em um acordo de dividir o espaço da pia do banheiro, meio a meio, melhor, só é permitido escovas de dentes. — Provocou, bem sabendo a resposta que viria. — Nada dessas coisas de mulher espalhadas por todo lado.
Tinha que dissipar aquela tensão de alguma forma, por mais que fosse o tipo pacifista, e literalmente corresse de briga se tivesse oportunidade, os confrontos com ela agiam de forma estranha no seu sistema — tudo era pior. Não sabia exatamente o motivo, mas fazia sua barriga doer de apreensão, e no geral, o deixava inquieto.
— Não force a barra, Kaluanã. — A loira rosnou, mas ofereceu ajuda para que se levantasse.
Kalu aceitou a mão oferecida com alívio, a tempestade tinha sido dolorosa, porém, havia passado.
— Sabe... — começou alguns minutos depois, quando estavam perto de casa. — Iara, uma amiga minha, vai fazer uma social na sexta para comemorar o aniversário, todo mundo vai, até mesmo Nathaniel, então se quiser ir com a gente... — deixou o resto da oferta no ar, cruzou as mãos atrás da cabeça, rezando para o gesto não transparecer nervosismo.
— Ela é sua amiga, ou vocês são...? — ela também não terminou a frase.
Kalu entendeu o que ela estava perguntando, e não compreendeu a relevância, no entanto, respondeu de qualquer forma.
— Ah, não! — riu, ainda sem jeito. — Iara é só minha amiga mesmo, nos conhecemos desde criança.
— Entendi. — Foi tudo que ela disse.
Preocupado de que Tahira pudesse recusar por se sentir deslocada na festa, Kalu percebeu seu terceiro erro do dia bem antes das palavras deixarem seus lábios.
— Se quiser levar alguém como acompanhante não tem problema. — Sugeriu de forma casual.
Parecia que um quilo de areia tinha descido por sua garganta até a barriga, deixando um gosto amargo na boca que nem a nicotina do cigarro tiraria. Só de invocar a imagem do esquisitão, algo estranho se apertava em volta do seu coração, e uma aversão inexplicável o dominava.
— Tudo bem, não tenho mais nada planejado mesmo. — Ela enfim respondeu com um sorriso de canto.
Que em nada ajudou no seu inferno particular.
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COLEGA DE QUARTO
RomansaKaluanã tinha a vida perfeita que todo preguiçoso sonhava: era professor universitário aos 21 anos, dividia seu apartamento com outros cinco amigos e mantinha uma rotina banal. Até que seu melhor amigo decide ir morar com a namorada. Agora, Kalu tem...