Decisão

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Kalu estava completamente despreparado para aguentar as consequências das decisões que tomou, melhor dizendo, não havia planejado aquela consequência em especial ao montar o plano de ação para resolver o "problema Tahira". Não levou seus próprios sentimentos em consideração e agora estava pagando caro por isso.

Kaluanã pensou que a atitude distante de Tahira se limitaria a festa do Daniel, afinal, levar Sheyla como acompanhante tinha pego todo mundo de surpresa — em uma escala de reações, sendo Samuel o mais indiferente e Iara, sendo Iara. Mas não imaginou que Tahira fosse lhe dar um gelo que já se arrastava por quase três semanas.

De primeira, estranhou quando ela passou a chegar em casa muito tarde, e parou de reclamar das coisas — algo realmente preocupante em se tratando dela. Porém, convenceu-se que, por conta das provas do fim de semestre, a loira devia estar mais focada nos estudos e, por isso, não interagia com ele, ou com os rapazes — até mesmo Nicholas e Kaleb, deixaram de lado as distrações para se enfiarem no meio dos livros.

E então, a segunda semana veio.

As provas passaram, e até Kalu acabou sendo envolvido em uma onda exaustiva de trabalho, já que, diferente dos alunos, era a semana seguinte as provas que representava o verdadeiro inferno para um professor: dezenas de correções a fazer, trabalhos e notas para lançar, apresentações finais para assistir e choramingo de pontos extras para gerenciar. Para um preguiçoso crônico como ele, aquilo era um pesadelo, mas ainda assim, sentia o incômodo do afastamento dela.

O entendimento de que estava sendo evitado permaneceu ali no fundo da sua mente, por mais que ignorasse e voltasse seus pensamentos para a quantidade absurda de tarefas, reparava que Tahira tratava os outros com a naturalidade de sempre. Não tinha o menor problema de discutir com Samuel por coisas bobas, ajudar Kaleb e Nicholas em qualquer empreitada, ou perder tempo cozinhando com Nathaniel.

O que só tornava gritante a diferença de tratamento que vinha recebendo.

Desejava no seu íntimo conversar com ela, entretanto, o que exatamente diria? Que não deveriam ter se beijado? Pedir desculpa por ter entrado em pânico e engrenar numa relação — ou seja lá o que aquilo fosse — com outra menina? Que sentiu a falta dela, e da convivência que costumavam ter?

Nenhuma dessas opções lhe parecia boa o bastante, na verdade, o fato delas passarem por sua cabeça já era muito complicado.

— Um chocolate por seus pensamentos. — Sheyla disse ao seu lado, voltavam para a casa da professora depois de jantarem no Luxúriahashi Ramen.

A noite estava fresca, e a rua surpreendentemente vazia para um sábado à noite. Kaluanã soltou a mão dela para que pudesse acender o cigarro que tinha nos lábios.

— Não estou pensando em nada. — Mentiu, dando uma tragada profunda, a mulher ruborizou e desviou o olhar dos dele quando a encarou.

Foi impossível para Kalu não fazer certas comparações: diferente de Tahira, Sheyla não se importava com seu hábito de fumar, mas ele suspeitava, isso tinha mais a ver com o fato de a professora preferir não o contrariar, que sua tolerância ao cigarro — o que de certa forma deveria agradá-lo, entretanto, não fazia. Além disso, apesar de ambos fazerem parte do corpo docente da faculdade, não tinham muito sobre o que conversar, afinal, ele era um professor de física, e ela, assuntos relacionados a história e literatura. Na maior parte do tempo, a loira respondia com monossílabas ou acenos de cabeça.

Porém, sem dúvidas, o pior eram os beijos.

Se uma palavra pudesse resumir tudo, seria constrangimento. A timidez excessiva de Sheyla sempre fazia com que se sentisse um tarado avançando o sinal, pois por mais recatado que fosse o contato, ela ficava muito nervosa e atrapalhada, o que acabava lhe contagiando, e a ação se transformava em algo desajeitado, confuso e embaraçoso — nada prazeroso.

— Duvido muito. — Sheyla devolveu, num gesto aflito, empurrou os óculos que haviam deslizado para a ponta do nariz. — Aposto que está pensando nela.

— Nela? — perguntou, voltando-se para encarar o rosto vermelho da professora, estranhando mais a tagarelice, que o significado das palavras em si.

— Não sou burra, Kalu. — Não parecia irritada ao pronunciar as palavras. — Vi a forma como olhava pra Tahira no dia da festa. — O fitou com intensidade, como se pudesse decifrar sua alma da mesma forma que fazia com os livros, algo tão inesperado vindo dela, que o deixou no mínimo inquieto. — E está tudo bem, não sou uma má perdedora.

— Sheyla...

— Deixe-me terminar. — pediu gentilmente. — Te quis desde o primeiro momento que o vi entrando na universidade, e com a relação de trabalho para nos aproximar, a curiosidade se transformou em... fascínio. — Disparou as palavras rapidamente, num só fôlego, seus dedos brincavam nervosamente um com o outro. — Provavelmente tenha sido esse sentimento que me fez fechar os olhos para todos os sinais, você nunca esteve atraído por mim ou absurdamente interessado, como acontecia nas minhas fantasias.

Ele deveria negar, mas as palavras de Iara voltaram a sua mente fazendo com que a culpa pesasse sobre sua cabeça, realmente não nutria um interesse genuíno pela professora, só a estava usando — e isso não era justo com nenhum dos dois.

— Sempre soube que minhas expectativas eram bem altas, quando não foram cumpridas só me enganei com a desculpa de ser o esperado. — Deu uma risada sem humor, tentando esconder o desalento. — Entende? Não tenho muita experiência nessas coisas, então não era um grande problema. — Seus olhos melancólicos encontram os castanhos. — Até que vi a forma como olhava para ela.

Kalu abaixou a cabeça, concentrando-se na nicotina entrando em seus pulmões, rezando para conseguir fazer suas mãos pararem de tremer. Não era só culpa, sentia-se miserável, o pior dos vermes por magoar uma mulher como Sheyla.

— Sinto-me como se o meu shipp favorito tivesse ficado junto, tornando canon todas as fanfic que li e escrevi. — Kaluanã não entendeu as referências, mas não a interrompeu. — Só que não foi como o esperado, não me parece algo certo, apenas decepcionante.

— Desculpa.

— Está tudo bem, ainda gosto de você e te acho fascinante, mas algumas pessoas simplesmente não são feitas para ficarem juntas. — Deu um pequeno sorriso.

Jogando o cigarro fora, Kalu se aproximou dela para fazer a única coisa que podia; a abraçou com delicadeza.

— Você é incrível. — disse quando Sheyla correspondeu com carinho.

— Eu sei, e só para que saiba, nas minhas histórias teríamos filhos lindos e inteligentes, então é isso que está perdendo.

A brincadeira o fez sorrir, deixando seu coração um pouco mais leve. Os olhos dela ainda refletiam tristeza, mas agora também tinha uma pitada de humor e resignação.

Estava acabado.

Kalu pensou sobre todas as possibilidades que estava perdendo com aquele término, sua vida pacífica e harmoniosa ao lado de alguém descomplicado, muito diferente do relacionamento da mãe e do pai, um plano que nutria desde a adolescência.

Entretanto, por algum motivo — que jurou, não tinha nada a ver com umamulher problemática —, não conseguiu lamentar por isso.

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