Com amor, todo alguém

Jarro

Parece que a todo momento eu sou como um recipiente cheio d'água apenas balançando sem transbordar uma gota. Que a todo momento eu sou a energia gravitacional empurrando todas as bordas para seu centro de massa, comprimindo todo seu volume antes que tudo desmorone. Me formando bolhas pelo aumento da pressão, excomungado a lei natural de que dois corpos não ocupam o mesmo ambiente. Parecem se haver tantos "eus" por aqui e ali, olhando pra esses olhos mortos de aura azul reprimida. 

Há tanto para se ver numa borda que prende este quadro tão vazio de esperança. Com seus olhos tão murchos e sua boca tão seca, formando um parênteses horizontal. Minha boca forma um parênteses horizontal. Meus olhos encaram estes olhos que, tão chumbo e palpáveis, enxergam minha rouquidão borbulhante. Que não piscam, não desviam. Apenas me encaram a alma sem pudor, imaginando e revelando toda a temperatura que tento abafar, que vou me explodir, mas que nunca possui uma contagem regressiva. 

Essa parede verde sinistra que vejo, que reflete minha água turva, a minha vida turva. Esse verde sensação toda minha vida está nessa parede verde. Essa mulher pálida. Esse meu corpo esguio. Essa pele pincelada. Minha voz tão muda. Eu sinto que esse silêncio tomou todo meu jarro, e agora há água para todos os lados. Não de uma maneira de que me explodi, mas como se agora eu ocupasse a tudo. Que tudo é azul. Que tudo é água parada, ocupando esse cômodo apertado, e as ruas, e os céus. E minhas vértebras. E embaixo de minhas unhas. E toda minha dor. 

Eu quero chorar vendo esse retrato. Por fim, choro nesse enorme azul inundado, inundada de mim mesma, sem saber se me saem as lágrimas. Nem se há alguma. Eu só continuo ocupando tudo. Sendo azul. Tendo minha vertigem oscular minha vida, osculando minhas pernas. Tendo minha vertigem remoendo meus peixes. E me afogando.