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Estar na oficina dos Hobbs era como estar em casa. Eu gostava da minha vida no exército, mas se fosse parar pra pensar, quase nada de bom saiu disso. Eu conheci Deckard, mas fora isso, nada de bom tinha acontecido.

— Boas notícias. — Deckard se aproxima da gente e eu tiro minha atenção dos carros. — Achei roupas. — Joga uma mochila pra Hattie. — Também achei algo pra você. Parece ser do jeito que gosta. Apertadinho. — Deckard debochou, jogando uma regata para Hobbs.

Deckard também tinha trocado de roupa e eu sabia se estava imaginando coisas ou ele estava mesmo usando um casaco. Eu poderia jurar que estava mais de 40 graus lá fora.

— Não quer colocar outro casaco? Está 10 graus lá fora — Hobbs alfinetou, porém Deckard pareceu deixar de lado.

— Vamos ao que interessa. — Deckard revirou os olhos e parecia até mesmo impaciente. O que não deixava esse homem sem paciência? — Vocês têm armas?

— Ah, nós temos armas — Hobbs disse com um sorrisinho.

Os dois andaram na frente enquanto Hattie e eu nos trocamos. Eu estava usando uma calça jogger verde escura, uma regata preta e os mesmos coturnos de antes. No meu pescoço o crucifixo, o cordão com pingente de cadeado e a minha placa militar estavam visíveis para qualquer um ver.

Eu estava me sentindo exposta de regata, não de um jeito totalmente ruim, afinal eu era musculosa em um nível não gigantesco como Hobbs, porém tinha minhas definições. Eu me sentia exposta porque cada uma das pessoas ali conseguia ver os hematomas na minha pele, alguns cortes já cicatrizando e arranhões. Eu não coloquei um casaco pra cobrir porque eu ainda tinha um juízo, diferente de Deckard.

Nós andamos atrás dos carecas, Hattie e eu nos apoiamos no capô de uma caminhonete velha. Deckard estava no nosso meio, olhando Hobbs abrir uma espécie de guarda roupa, mostrando varias armas medievais. Eram literalmente pedaços de madeira.

— Mamãe, cadê as nossas armas? — Hobbs perguntou para a Mama Hobbs que estava ali.

— Joguei fora — Ela diz abanando a mão.

— Muito nobre, Sra. Hobbs — Deckard disse e se virou pra Hattie e eu. — Estamos no mato — Sussurrou.

— É, nós percebemos — Hattie e eu sussurramos de volta.

Nós três trocamos olhares idênticos que diziam "Estamos ferrados".

— Essas armas mataram toda minha família — Mama Hobbs explicou. — Então vamos lutar. Vamos lutar com isso... — Ela levantou o punho fechado. — E com isso! — Bateu os dedos no peito acima do coração. — Porque homem que é homem não precisa de armas.

Eu poderia lembrá-la que eu e Hattie somos mulheres? Ou seria muita falta de educação?

— Certo. Vamos pra guerra com as armas do vovô — Hobbs disse, me fazendo ter que segurar o riso. — Entendi. Mas vamos precisar de mais. — Hobbs falou, as mãos na cintura.

Muito mais. Completei em pensamento.

— Não venceremos essa batalha — Hattie disse, totalmente pessimista. Eu não queria dizer nada, mas concordava com ela.

— Homem que é homem, não precisa de armas. E as da Etheon precisam de chips de ativação — Deckard começou a dizer, a ideia começando a crescer. Ele se virou pra mim, de repente animado demais. — Ainda tem aquela luva?

— Quer hackear o sistema deles? — Hattie perguntou, olhando para o irmão.

— Vai equilibrar o jogo. — Hobbs disse.

— Ganharíamos bastante tempo — Deckard disse, olhando pra mim enquanto colocava a mão em minha cintura.

— Desligaremos as armas deles — Hobbs concordou.

— Deixa comigo — Apertei o braço de Deckard antes de sair, Hattie em meu encalço.

Nós voltamos pra oficina e eu puxei um computador velho enquanto Hattie pegava a luva.

— Então, você já viu se é verdade? — Hattie começou e eu a olhei confusa. — O que a Sra. Hobbs disse, sobre você estar grávida.

— Você sabe que é impossível — Balancei a cabeça, pegando o chip que ela me estendeu.

— E você sabe que não é. Existe gravidez silenciosa. Minha mãe não sabia que estava grávida de mim até os 7 meses — Hattie explicou, puxando uma cadeira e sentando ao meu lado.

— Heather, vai logo ao ponto — Eu praticamente rosnei e ela sorriu. Ela tinha como passatempo favorito atormentar a minha vida.

— Eu quero saber o que vai fazer se estiver grávida — Ela apoiou o cotovelo na mesa, a mão sendo usada pra apoiar o queixo enquanto ela me olhava.

— Não me olha assim, me dá arrepios — Eu resmunguei, os olhos e dedos focados no computador.

— Assim como? — O sorrisinho de Hattie aumentou.

— Como se estivesse esperando a primeira oportunidade de falar o que pensa. Diz logo de uma vez — A olhei feio antes de voltar minha atenção pra tela do computador.

— Eu só acho que você deveria ficar feliz, porque você sempre me disse o quanto queria ser mãe. — Hattie falou, tirando a mão do queixo e se encostando na cadeira, cruzando os braços enquanto me olhava com o sorrisinho atrevido dos Shaw.

— O que quer que eu diga? — Minha voz saiu cansada e a pergunta foi besta, porque eu sabia exatamente o que ela queria que eu dissesse.

— Deckard sempre quis ser pai, mas isso você já sabia — Ela bocejou, as pernas se levantando para ficar cruzadas encima da mesa. — Se realmente estiver, o que vai falar pra ele?

— Eu não posso pensar em apenas sobreviver hoje? — Perguntei, olhando pra ela e a vendo de olhos fechados.

— Pode, claro. Mas também tem que pensar na possibilidade de que não é só você vivendo aí — Ela apontou pra minha barriga. — E se eu não for a madrinha, eu te expulso da minha vida com um chute na bunda. — Ela ameaçou, se permitindo descansar enquanto eu voltava a hackear.

Eu não queria pensar que eu realmente estava gerando uma vida. Eu sempre quis ser mãe e a vontade só tinha aumentado quando vi Mia grávida, construindo sua família com Brian e sendo feliz. Eu queria aquilo pra mim. Eu ansiava pelo momento em que eu seria feliz.

Que eu teria uma casa de madeira branca em um campo, com uma varanda e cadeiras de balanço. O dia em que eu sentaria em uma cadeira com uma xícara de chá na mão, assistindo o sol se pôr no horizonte enquanto eu fazia carinho na minha barriga de grávida. Deckard sairia da casa, se sentaria ao meu lado, e nós iríamos conversar sobre quando nosso bebê nasceria.

Só que nos meus sonhos, eu não tinha um vírus mortal dentro de mim. Não tinha uma empresa multibilionaria querendo a cabeça das pessoas que eu amo e eu com certeza não corria risco de morte. Eu não sabia se estava preparada para encarar a realidade dos fatos.

Eu podia estar grávida. Podia estar gerando uma vida aqui dentro. Um pedacinho do que eu e Deckard sentíamos um pelo outro. Eu também podia perde-lo hoje, nada impedia. Uma vida que mal tinha conhecido o mundo sendo morta pelo meu egoísmo de querer salvar o mundo.

Eu estava decidida.

Eu sobreviveria hoje, para amanhã, eu viver.

E então, eu saberia se estava mesmo esperando um filho.

Laços - Deckard Shaw (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora