Faculdade Mental

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Para o especialista comportamental, psicólogo e professor Robert L. Leahy, nós estamos vivendo na Era da Ansiedade e em poucos anos esse sentimento irá ultrapassar os índices de depressão. A posteriori, a ansiedade não se resume somente ao estresse dos traumas vividos, como foi o caso citado da personagem Ellie. Ela também pode vir acompanhada de pressentimentos ruins e expectativas que nunca se realizaram na prática. Mas grande parte desses sintomas advém do mesmo lugar — as amígdalas cerebrais —, um grupo de neurônios localizados nas partes profundas do lobo temporal capaz de regular o armazenamento da nossas memórias, recordações e emoções.

É possível afirmar que uma emoção acontece em milésimos de segundo e em apenas um único segundo somos capazes de reconhecê-la. Dessa forma, pense nas amígdalas como se fossem botões de controle. São elas que liberam adrenalina e noradrelina, os neurotransmissores responsáveis por manter aceso o nosso estado de alerta, preparando-nos para lutar ou fugir de potenciais perigos. Sob medida, esse mecanismo de luta e fuga é importante para enfrentarmos situações que requerem cuidado e atenção, como viagens, palestras ou encontros inesperados. No entanto, quando a adrenalina e noradrelina são produzidas em excesso, elas podem nos fazer perder o controle.

— E o Oscar? — Giulia me escreveu de madrugada.

— Você acha que o tapa foi real? — Perguntei.

— Tenho certeza. Já saiu nas páginas de fofoca do Instagram e tudo.

— Como esperado.

É normal que o nosso estado de humor se altere a curto, médio e longo prazo e uma emoção passe por cima da outra, dependendo do grau de sua intensidade. A raiva pode sobrepujar o medo. A felicidade em demasia torna ambientes hostis em lugares seguros. O nojo freia o agradável. E o ciclo se repete, não necessariamente na mesma ordem. 

Eu já presenciei brigas no colégio entre adolescentes tímidos enfrentando  valentões, após chegarem no limite de suas paciências, e casais idealizando conto de fadas. Quando me apaixonei pela primeira vez, ao quatorze anos de idade, o mundo para mim era um lugar perfeito e idílico, longe da insegurança que assombrava a cidade.

Na Psicologia, a alteração no estado de humor é ligado à dinâmica das emoções e à interação complexa entre as diferentes soma dos hormônios. Giulia e eu chamamos esse fenômeno de "Flutuação Emocional", uma abordagem valida que nos ajudou a descrever assuntos específicos para os quais os psicólogos não têm clareza.

Um exemplo notável da Flutuação Emocional é visto na série de jogos eletrônicos Max Payne, onde a dor do protagonista, um policial de Nova York que perdeu a esposa para o crime, é trocada constantemente pelo ódio. Nesse aspecto, os elementos visuais e o ambiente perturbador do jogo, ainda que tragam nojo, não evocam medo desmedido em Max, pois a sua raiva é maior do que todas as outras emoções.

Do ponto de vista neurológico, a Flutuação Emocional está associada as alterações nas atividades e conexões neurais. As mudanças nos níveis de neurotransmissores, como serotonina e noradrenalina, acontecem. Dessa forma as áreas primordiais do cérebro, o córtex pré-frontal e as amígdalas, podem desregular o nosso humor em poucos segundos.

No Oscar de 2022, quando Will Smith subiu no palco e deu um tapa no rosto de Chris Rock, após o comediante fazer uma brincadeira de mau gosto sobre a falta de cabelos de Jada Smith, o ator acabou demostrando o retrato do juízo de valor humano, quando nossos comportamentos estão em descontrole. Em momentos de grande estresse, as amígdalas entram em seus maiores períodos de atividade neural, sobrecarregando o sistema nervoso simpático e descarregando bombas de cortisol e adrenalina pelo corpo. Esse é o momento onde devemos trabalhar a mente para não sermos surpreendidos por nós mesmos.

No entanto, precisamos aceitar que as emoções negativas também são partes do jogo. Elas foram importantes para que Riley (Divertida Mente) superasse os desafios de viver uma nova vida, ajudaram Ellie (The Last of Us) a se colocar no lugar de Abby e instruíram Max (Max Payne) em seu processo de investigação. Porém, quem não organiza as emoções deixa-se ser acometido pela fragilidade mental.

Podemos dizer que a fragilidade mental geralmente se manifesta a partir dos componentes emocionais, passando pelos cognitivos e finalizando seu trabalho na parte comportamental e fisiológica. Nos cais emocionais, o indivíduo sente medo, insegurança, antecipação do futuro e pensamento catastrófico, aumentando o período de vigilância. Do ponto de vista fisiológico, a ansiedade pode causar taquicardia, aumento da respiração e até insônia crônica. As atitudes compensatórias mais comuns apresentadas por pessoas ansiosas, por exemplo; comportamentos de fuga e esquiva, nascem de situações consideradas normais dentro da sociedade, mas que são encaradas como ameaçadoras pelo cérebro. Dessa forma, até mesmo um seminário escolar é capaz de tirar a paz de um ansioso.

Eu me lembro que, certa vez, quando cursava o terceiro semestre da faculdade de Engenharia Mecânica, nossa turma teve que apresentar um dos poucos seminários de exatas. Era uma feira de ciências que aconteceu no térreo para exibir as boas invenções dos alunos. A apresentação do meu grupo ocorreu assertivamente. Nós fizemos um protótipo de um volante para jogos eletrônicos com materiais recicláveis, que foi o bastante para passarmos sem recuperação. Entretanto, uma colega de turma travou no momento mais crítico e não conseguiu desenvolver o raciocínio que tinha estudado. As mãos dela tremiam e as pupilas dos seus olhos cresceram, como se estivesse dentro de um filme de terror. O responsável por gerir o nosso trabalho passou dias a espera do resultado, deduzindo que receberíamos uma nota baixa da banca, o que não aconteceu e o seu medo se mostrou ilógico.

Não precisei me perguntar o que se passava na cabeça deles para que um simples seminário se tornasse um monstro. Bárbara havia trancado o curso de Direito justamente para escapar das temidas apresentações. Ela tinha dificuldades em se comunicar e se recusava a fazer as recepções dos calouros. Ao se matricular em um curso de exatas, tornava-se óbvio que estava tentando correr do seu medo. Já Arthur, por ser um perfeccionista por natureza, culpava-se  por todos os pormenores que surgiam em seu caminho. A resposta para entendê-los estava entrelaçada nas memórias da minha infância. Em boa parte do ensino fundamental eu também sofri com uma timidez avassaladora que me transformava em um ser primitivo. Quando os professores pediam que eu lesse os textos em voz alta, o meu coração pulsava mais forte e mais veloz do que nunca. Aquele medo de ser observado, o erro em deduzir que as pessoas julgariam tudo que eu dissesse gerava uma ansiedade que carreguei por longos anos. É porque quem sofre de ansiedade tem a sensação que a sua mente opera vinte e quatro horas por dia, não oferecendo descanso em situações de lazer e em ocasiões que deveriam ser de relaxamento. Embora os momentos de felicidade e entusiasmo aconteçam, as preocupações ultrapassam os sentimentos positivos, dificultando a vivência do 'aqui e agora'. Então é preciso utilizar estratégias para sair das armadilhas mentais. Armadilhas que, muitas vezes, nem mesmo a adição de remédios ansiolíticos e antidepressivos são capazes de controlar. Mas dominar a própria mente é essencial. Devemos questionar os pensamentos intrusivos, enxergar as crenças distorcidas e limitantes, visando enfraquecer o medo por meio da busca de evidências concretas, para depois tentar solucionar os problemas. Partindo desse pressuposto, Giulia e eu fomos atrás de pesquisas que nos dessem um norte sobre o assunto e todas as respostas que encontramos está contido neste livro.

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