Ansiedade

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Giulia e eu sempre tivemos gostos parecidos, opiniões semelhantes e o mesmo toque de ironia como forma de sair de situações complicadas. Somos introvertidos por natureza e gostamos de pensar sobre tudo e todos. Em outras palavras, ela é o mais próximo do que eu chamo de "a versão oposta de".

Acreditar que existe uma versão igual de nós por aí, mas de um gênero diferente, não é absurdo. É relativamente comum que pessoas de sexos opostos compartilhem os mesmos ideais. Assim como mencionei no capítulo anterior, as múltiplas personalidades e interesses independem dos gêneros e as pesquisas comportamentais, em geral, estudam o ser humano em si, não especificamente homem e mulher.

— Vovó foi internada ontem — disse Giulia, após o primeiro confinamento. — Os médicos não trouxeram notícias agradáveis.

— Vai ficar tudo bem — lamentei não escrever palavras melhores.

— Espero que sim. E você... como está?

— Não sinto nenhum cheiro faz três dias, mas estou bem.

Termos a companhia um do outro ajudou-nos a entender melhor o nosso mundo interno. A minha amiga deixou evidente os próprios sentimentos. Em outras palavras, nós conseguimos compartilhar os momentos bons e ruins, sem sofrermos demasiadamente.

Não tivemos dificuldades em nos acostumar com a quarentena. Giulia nunca foi muito de sair, nem eu, então ficar em casa parecia algo corriqueiro. Porém, aos poucos percebemos que não estávamos lidando apenas com o isolamento social, e sim contra um inimigo invisível que queria atravessar as portas das nossas casas e roubar a nossa sorte.

A pandemia da Covid-19 provocou uma avalanche de distúrbios psicológicos no mundo. A incidência entre jovens dobrou, com um a cada cinco adolescentes apresentando sinais agravantes. O consumo exagerado de notícias, o medo da morte e da perda de entes queridos foram as principais razões para virarmos a chave e abrirmos a porta de um sótão muito mais escuro e sombrio do que o anterior.

Quando as mensagens vindas da Itália trouxeram o primeiro balanço, contando cada vítima, muitos anotaram a nova e terrível realidade. A sensação era de terror, como se fosse questão de tempo para perdemos algum de nossos familiares também. E isso aconteceu com uma frequência que eu jamais desejaria, se tivesse algum poder sobre o destino. Mas eu nunca escolhi moldar o futuro.

Infelizmente o meu pai morreu dois anos depois da pandemia começar. Preso pela maldita doença, vi sua saúde deteriorar a um ponto irreversível para medicina. Giulia também passou pelo luto. A sua avó Vera acabou não resistindo, após vinte dias na UTI. Quando a fase crítica da pandemia passou, nós nos reencontramos. Ela estava melancólica. Recordo perfeitamente das primeiras perguntas que lhe fiz. Tentei evitar falar sobre tristeza, e mais uma vez acabamos chegando no arcabouço do sentido da vida.

— Estou desenvolvendo um artigo sobre transtorno de estresse pós-traumático — disse Giulia, empolgada —, mas não sei por onde começar.

— Celeste... — afirmei.

— Putz!

— Você não pensou nisso, não é?

Giulia precisava colher amostras e identificar pessoas que desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático ao longo do tempo, se almejasse desenvolver um artigo de sucesso. Depois deveria mitigar os gatilhos que despertassem nelas as memórias ruins, uma tarefa mais complicada do que aparentava ser.

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