Perspectiva

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Giulia e eu combinamos de ir em uma loja de roupas e depois iríamos ao banco. Eu cheguei na casa dela por volta das 14h de sábado. Porém, naquele dia, não fizemos nem uma coisa, nem outra, porque uma chuva torrencial caiu e atrapalhou nossos planos. Então acabamos fazendo uma diversão caseira. Nós assistimos o filme "Um Sonho de Liberdade" (1994), que conta a história de Andy, um banqueiro bem-sucedido, injustamente condenado pelas mortes de sua esposa e de seu amante, e jogamos Night in the Woods até às 18.

Sentei no sofá, a TV estava ligada, mostrando os personagens Mae Borowski, Beatrice Santello e Greggory Lee. A sala era pequena, mas quente, com luzes verdes piscando e uma poltrona no meio. Nos embrulhamos nas cobertas e demos início a história:

Em Possum Springs, o fechamento das minas de carvão local levou a uma estagnação econômica, onde Mae descobre que um de seus velhos amigos desapareceu misteriosamente. Dessa forma, ela passa a explorar o lugar, mas começa a ter sonhos estranhos. No festival de outono "Harfest" da cidade, Mae testemunha um adolescente sendo sequestrado por uma figura misteriosa, que a garota acredita ser um fantasma. Porém, à medida que ela tenta desvendar o mistério, precisa lidar com sua saúde mental que vem piorando.

— Viu o fantasma? — Perguntei, enquanto controlava a protagonista.

— Ainda não — disse Giulia. — Mae está desconfortável.

— Daqui a pouco o Gregg nos faz rir.

— Espere! Olhe lá! É o fantasma! — minha amiga assumiu o controle, alterando a cena do jogo. De repente, seu gato saltou da poltrona e caiu dentro da bacia de pipoca em cima da mesa. Ela colocou ele no colo e lhe fez cócegas. Quando percebeu que Mini havia se sujado, riu e limpou o animal. Aquele foi um dos poucos momentos que senti uma felicidade genuína, em plena pandemia.

A pandemia trouxe não só a ameaça do vírus, mas também um impacto profundo na saúde mental das pessoas, algo que eu e Giulia estávamos começando a entender melhor.

Estudos apontam que a COVID-19 pode ter causado uma onda de depressão, e aqui não falo da depressão ligada ao luto, nem as sequelas físicas das doenças que o vírus provocou, mas sim ao fato dele ter percorrido as camadas mais internas do tecido cerebral, danificando consideravelmente as redes neurais.

Em novembro de 2023, Giulia e eu decidimos fazer uma pesquisa de campo voltada para a área comportamental, sobre os efeitos psicológicos da COVID-19. Nós entrevistamos pessoas de todos os estados do Brasil, dispostas a compartilharem sobre suas saúde psicológica. Infelizmente, os relatos que colhemos não foram animadores.

A pesquisa seguiu em formato qualitativo e quantitativo. Pedimos que os entrevistados descrevessem como estavam suas vidas financeiras e pessoais, quase três anos depois do primeiro confinamento, e se tinham contraído COVID-19 nesse tempo. Depois de colhermos todas as informações, dividimos os entrevistados em grupos de dois, separando aqueles que sofriam de depressão antes da pandemia aparecer, e os que nunca sofreram do transtorno mental.

— Estou me sentindo estranha. É como se tivesse faltando alguma coisa — disse Heloísa, no consultório —, faltando alguma coisa que me conectasse ao mundo.

— Pode me contar quando começou a ter essa sensação? — Perguntou Giulia.

— Eu não sei...

— Tente se lembrar.

Seguindo as pesquisas mais recentes sobre o assunto, Giulia e eu esperávamos que houvesse uma notável relação entre o aumento de depressão e a COVID-19, já que a maioria das pessoas que respondeu ter sido diagnosticada com depressão nos últimos anos, também respondeu que tinha perdido algum familiar para o coronavírus, ou teve graves sequelas por causa da doença. Até aí não havia nada de surpreendente. Ao contrário, é comum que o luto, somado ao agravamento de saúde, cause algum sofrimento nas pessoas.

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