De paralaxe, os complexos estão interligados, tanto o complexo de inferioridade, quanto o complexo de poder. Dessa forma, as experiências se aglomeram positivamente ou negativamente. Quando sofremos muito, a tendência é nos tornarmos defensivos, evitando situações que tragam dor, pois achamos que não damos conta. Então criamos sentimentos e pensamentos negativos em relação a nós mesmos, desvalorizamos as nossas conquistas e podemos não perceber o nosso lado mais forte. Assim que as coisas começam a dar certo em sucessão, tendemos a superestimar nossas habilidades, aumentando a chance de cairmos no efeito de Dunning-Kruger, um viés cognitivo onde uma de suas raízes é nos acharmos especialistas em determinado assunto, mas, na verdade, somos leigos.
Nós precisamos notar quais gatilhos fortalecem ou enfraquecem a nossa perspectiva de vida, criando a euforia, do complexo de poder, e a ansiedade, do complexo de inferioridade. Mas como já vimos anteriormente, a ansiedade é uma função de proteção natural, que evita riscos desnecessários, principalmente em um mundo fluido, orquestrado pelas incertezas. Assim, se não podemos matá-la, o máximo que podemos fazer é mantê-la adormecida, aprendendo a lidar com o desconhecido, controlando o medo e gerindo o passado.
Porém, não devemos sofrer com ansiedade ao tentar dar conta de tudo sozinho. Nessa jornada, é importante contarmos com a ajuda de aliados. Cometemos um engano ao pensar que somos autossuficientes — nem os heróis são — erro que na mitologia grega seria o "pecado do herói", a "hybris", o excesso, e orgulho que nos cega, impedindo de vermos a trilha da derrota. Na vida real, deixar o orgulho para trás e entender que sem ajuda não chegaremos tão longe é determinante para a vitória. Os contos de fadas contemporâneos nos dizem isso. Quando lemos "O Senhor do Anéis", "Harry Potter" ou "Percy Jackson", vemos a importância de compreender que "heroísmo" não significa "individualismo".
No arquétipo do herói, ele sempre recebe ajuda dos coadjuvantes. Mas, muitas vezes, por arrogância, fazemos escolhas que geram estagnação e grandes perdas. Recusamos o chamado porque queremos ser o centro das atenções, o protagonista absoluto do nosso livro. Essa arrogância transforma a aventura em pesadelo. Aprisionado pelo orgulho, perdemos o poder da ação e nos transformamos no figurante.
O complexo de poder e o complexo de inferioridade nos impele ao futuro, incomoda sempre que estagnamos, gera ansiedade e temor. A síndrome do protagonista se apresenta como uma situação comum a sujeitos identificados pela necessidade de ocupar o primeiro plano no palco dos acontecimentos, alçados a uma condição para a qual não têm as habilidades necessárias.
— Abner não podia ser policial — disse Giulia. — Ele deveria ser reprovado nos testes psicológicos.
— Mas alguém o aprovou — afirmei.
— Segundo a esposa, não havia um diagnóstico anterior do estado de saúde dele que demonstrasse sintomas de psicose.
Geralmente, os personagens secundários servem como ajudantes do herói, pois não possuem a força para derrotar os vilões. Na vida real, a falta de habilidades pode definir se alguém será herói ou coadjuvante, ainda que não seja um fato concreto. Algumas condições de saúde e limitações podem impedir uma pessoa de servir a polícia, principalmente se comprometerem a capacidade de realizar as funções exigidas pela profissão de forma segura e eficaz. Sem os braços, é difícil ser um médico cirurgião, nadar em um rio para salvar a vida de alguém que está se afogando ou pilotar um avião.
A partir do momento que ignoramos nossas limitações e tentamos assumir o arquétipo do herói, perdemos o verdadeiro papel e corremos riscos de sair de cena. Não entendemos que é possível ser feliz sendo anônimo, talvez uma espécie diferente daquele herói que imaginamos, e que a síndrome do figurante ocorre justamente quando indivíduo se vê como uma vítima da sociedade. Mas o mundo está aí para mostrar que nenhuma limitação é sinônimo de derrota.
— Para ser um herói, é preciso mais do que encarnar o papel — disse Giulia —, é indispensável ser dotado de todas as suas virtudes.
— Sim — respondi.
— Você tem ideia do que acontece quando alguém tenta ser o que não é?
— Adoece.
Todos nós já sonhamos em algum momento da vida que éramos os protagonistas de uma grande ficção. Nela, podemos nos imaginar como salvadores de um reino perdido, centro do enredo de um romance, um agente secreto, um rei, um milionário, ator, entre outros. A maioria de nós, sonhadores, já imaginou o presente como uma peça, onde interpretamos personagens que podem ser parecidos conosco, ou da maneira que almejamos ser. Isso acontece nos recônditos de nosso consciente, um espaço que ninguém acessa. É um sentimento egoísta, uma forma do nosso cérebro suprir aquilo que a sociedade não nos deu.
Até certo ponto, é aceitável adotarmos comportamentos diferentes dos nossos repertórios ou costumes habituais para destacar aspectos da nossa própria personalidade. O problema surge quando queremos agradar, fingir, buscar fama e aprovação, apresentando um culto exagerado ao ego.
Atualmente, com o uso constante das redes sociais, a síndrome do protagonista se tornou uma epidemia psicológica. Estamos falando de uma abordagem, não de uma condição médica, que começou a ser discutida por especialistas, por exibir uma série de comportamentos disfuncionais. Hoje, é possível ver crianças e adolescentes virando noites, sentados por horas na frente de um computador, criando conteúdos na internet com o desejo de serem reconhecidas. Porém, uma vida fictícia que se desenvolve através das redes sociais, tem como consequência imediata o adoecimento mental.
É comum vermos influenciadores promovendo suas vidas como se fossem uma história em capítulos, relatando os lugares que já visitou, ou escrevendo sobre cada momento vivido. Não se estranhe com a autopromoção, em uma sociedade que evoluiu tecnologicamente. Na verdade, a exposição serve como um motivador da nossa espécie. O problema continua sendo o irreprimível desejo de ser notado e validado, a qualquer custo, que aumentou de forma significativa o número de jovens ansiosos e depressivos.
Especialistas em psicologia social defendem que as motivações humanas são ativadas quando nos sentimos avaliados por outras pessoas. Porém, a falsa segurança proporcionada pelas redes sociais permite que muitas pessoas se reinventem e, em casos extremos, apresentem versões distorcidas de si mesmo, podendo levá-las a sérios problemas psicológicos, como o transtorno de personalidade narcisista, complexo de inferioridade e o complexo de poder.
Para o psicólogo e escritor especialista nos efeitos sociais da tecnologia, Phil Reed, as fantasias levam a comportamentos que imitam aqueles vistos em transtornos de personalidade. Dessa maneira, a fuga para um mundo idílico causa danos ainda maiores em pessoas suscetíveis ao desenvolvimento de problemas psicológicos. Mas não penso que a exclusão das redes seja a resposta do problema. É possível dizer que o verdadeiro cerne não está no mecanismo da ação, e sim no manuseio. Para mim, a gestão eficiente, de todos os setores da vida, é a solução mais plausível. Gerir o seu tempo, seus pensamentos, suas tarefas, e até mesmo a sua alimentação é a chave para uma vida plena e feliz.
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Psicologia em Jogo
Ciencia FicciónNeste livro, os problemas do mundo moderno são abordados de uma forma leve e criativa. Os autores sugerem quais as melhores estratégias para conseguir superar os desafios, gerir o tempo e a saúde mental, e como ser emocionalmente inteligente. Ser fe...