É obscuro saber que existe um usurpador da felicidade, além dos quais já temos conhecimento, principalmente em uma época onde a humanidade caminha em direção ao ostracismo da diversão. Nesse aspecto, acreditar que o coronavírus pode destruir alguns mecanismos da alegria e fazer das pessoas zumbis da apatia vai além dos métodos convencionais que a ciência comportamental trabalha.
Para muitos, mesmo sem sofrer mudanças químicas em seus cérebros, encontrar o sentido da vida já é, por si só, uma jornada complexa, que requer tempo, cuidado e esforço. Além disso, o nosso propósito não é um manual de instruções com começo, meio e fim. Ele é uma construção diária que precisa ser moldada para se transformar em uma grande fortaleza. Um bebê, por exemplo, quando está em fase de crescimento não sabe o que esperar do mundo. Seus pais, irmãos e amigos vão influenciá-lo na moldagem de sua base existencial, mas ele não nasce sabendo o que veio fazer aqui.
O questionamento filosófico a respeito do propósito e do significado da existência humana vem desde as civilizações mais remotas e até hoje não temos uma resposta exata para o problema. Uma quantidade incontável de tentativas para responder tal pergunta foi dada por diversas linhas do pensamento humano, como a filosofia e a religião, e ainda perdura nos mais renomados campos.
— Você acha que a terapia comportamental é a melhor escolha para pessoas que adquiriram depressão por causa da inflamação das redes neurais? — Perguntei.
— Até certo ponto, eu acredito na neuroplasticidade do cérebro — Giulia me encarou, com um semblante de incerteza.
— Sim, eu também acredito, mas...
Giulia e eu concordávamos com quase tudo, mas discordamos em um único ponto quando tivemos que fazer o primeiro relatório da nossa pesquisa. Como previ, ela defendeu a aplicação de sessões em pacientes que desenvolveram depressão — sem sinal da interferência de um agente estressor indireto —, mas somente com a terapia. Enquanto eu me inclinei a terapia, somada ao uso de remédios controlados. Isso pode soar estranho aos ouvidos dos mais naturalistas, porém tive que ser o mais sincero possível.
A terapia pode ser útil para pessoas que desenvolveram depressão devido à inflamação dos tecidos neurais causada pela COVID-19. No entanto, os processos inflamatórios têm um componente biológico significativo. Vejo, nesse caso, o transtorno mental assumindo características iguais às de pacientes que tiveram depressão após sofrerem um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Quando um Acidente Vascular Cerebral destrói o tecido do cérebro, essa destruição é geralmente irreversível. Durante um AVC, o fluxo sanguíneo de uma parte da cabeça é interrompido, resultando em morte celular por falta de oxigênio. As células neurais que morrem não podem ser regeneradas, e o tecido perdido não se recupera. Dessa forma, as alterações neurológicas impactam diretamente no funcionamento e na regulação do humor.
— O velho não quer comer — disse minha mãe, observando com pena o homem com quem ela se casou há anos.
— Tem fruta? — Perguntei.
— Só maçã.
— Ele está... chorando.
Antes da pandemia aparecer, o meu pai poderia ser considerado um homem feliz, determinado e com um humor irreverente. Gostava de fazer piadas e tinha um tempo muito bom para comentários sarcásticos. Não éramos muito próximos, mas sempre o admirei pela sua coragem e amor pela vida. Ele nunca se queixou de tristeza, nem parecia melancólico. No entanto, ficou com medo quando a COVID-19 começou a atravessar os oceanos e se instalou perto de nós. Alguns dias depois do meu olfato pifar e eu não sentir o cheiro nem da naftalina que minha mãe colocava no guarda-roupa, ele adoeceu e foi internado por uma semana. A partir dali começou uma sucessão de coisas que tiraram sua felicidade.
Após receber alta, o meu pai foi diagnosticado com hipertensão e Hidrocefalia de Pressão Normal, além de ter tido múltiplos pequenos AVCs que desregularam suas redes neurais e desbalanceou sua base neuroquímica, tornando-o dependente de nós. Desejar que ele fosse feliz era injusto, não por causa de suas limitações físicas, e sim devido às suas limitações mentais. A área do cérebro responsável pelas emoções acabou sendo prejudicada. Muitas vezes ele chorava sem motivo, ou sorria em ocasiões inoportunas. Programas de televisão não o empolgavam como antes e sua agressividade piorou.
Só existe sentido na vida se você é capaz de vivê-la. Então, se pensarmos na ideia que o propósito da nossa existência é moldado conforme vamos avançando, deveríamos pensar nele como uma construção de uma casa. Pense, é impossível construir uma casa se não tiver os materiais necessários para levantar a parede. Da mesma forma, é impossível que uma pessoa em estado vegetativo dê sentido para sua vida. Afinal, ela sequer pode raciocinar e sair do lugar.
Nesse aspecto, dar um sentido para vida é desenhar o próprio significado em cima de situações com as quais convivemos. É se relacionar com o mundo à nossa volta e demonstrar que o valorizamos e respeitamos. Essa ideia parece vir de dentro de nós, no âmago mais profundo. Algumas pessoas conseguem enxergar sentido na vida abraçando a natureza, por exemplo, porque as árvores evocam lembranças valiosas para elas. Outras encontram esse sentido na arte, na música... no cuidado com a família.
O propósito da vida é a força motriz por trás da motivação para levantar e viver. Talvez seja uma missão que deveríamos realizar no mundo, o momento onde tudo fica claro e o motivo de nossa existência seja impactar positivamente a vida de outras pessoas.
Frequentemente, o sentido da vida é associado com a busca pela felicidade. Alguns filósofos propuseram que a felicidade resultava da satisfação dos desejos, de uma vida simples, sem dores e preocupações; uma visão irreal e fantasiosa. É porque somos inclinados a procurar o prazer e fugir da dor. Isso nos direciona a buscar o que nos agrada, afastando-nos do que causa sofrimento. Porém, a realidade é diferente e nos coloca em contato com questões que nem sempre trazem bem-estar, levando-nos a experimentar emoções indesejáveis como a tristeza, a raiva e a frustração. Mas isso é parte essencial do processo da vida e aceitá-lo é importante para reconhecermos nosso propósito.
Na Filosofia Clássica, o sentido da vida esteve mais voltado para eudaimonia, — a ética da felicidade — uma espécie de doutrina que tem como meta a sabedoria prática para que o agir humano alcance o bem supremo.
Segundo a eudaimonia aristotélica, a excelência da ação humana possibilita a virtude por meio do que Aristóteles chamou de mediania. Ou seja, uma ação virtuosa se afasta dos vícios e promove a ação prudente capaz de levar à felicidade. Sócrates também descreveu, em suas falas nos diálogos platônicos, especialmente em A República, a ideia de que a virtude deve ser o maior fim das ações práticas para que se chegue a um estado de felicidade genuíno.
Aristóteles não julgava a felicidade como uma condição estática, mas sim uma constante ativa da alma. Assim, a felicidade perfeita só poderia ser encontrada na contemplação. Para os estóicos, aqueles que vivem livres de emoções, desejos e paixões, e seja indiferente perante ao próprio destino, alcançaria a paz de espírito. Na Europa, esse sentido se transferiu para o desejo da vida eterna, simbolizada pela ressurreição de Jesus e a união com Deus, procurada pelo homem desde o começo das civilizações. Da ciência para religião, da filosofia à psicologia, dos anseios de Marilyn Monroe a motivação de Stephen Hawking, fica claro que o sentido da vida parece estar ligado, em vez do corpo, a mente. Entretanto, seria possível encontrar a felicidade quando há bloqueio mental?
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Psicologia em Jogo
Ficção CientíficaNeste livro, os problemas do mundo moderno são abordados de uma forma leve e criativa. Os autores sugerem quais as melhores estratégias para conseguir superar os desafios, gerir o tempo e a saúde mental, e como ser emocionalmente inteligente. Ser fe...