Bússola

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— A hereditariedade... — Isabelle mudou de assunto, com sutileza. — O quanto ela influencia o nosso humor?

— Você gosta de genética? — Perguntei.

— Sim. Eu estive estudando nos últimos meses e sei a resposta, mas gostaria de saber a sua opinião.

— Quase metade das nossas emoções é carregada de fatores genéticos. Nesse caso, a genética é predominante.

O artigo "Happiness is a Stochastic Phenomenon" de Auke Tellegen, David Lykken, publicado na Journal of Personality and Social Psychology, em 1996, sugere que aproximadamente cinquenta por cento do nosso nível de felicidade advém de fatores genéticos. Para chegarem a essa conclusão, os autores analisaram gêmeos univitelinos e bivitelinos, e descobriram que condições socioeconômicas ou educacionais tinham uma influência substancialmente menor sobre nossas emoções. 

Os pontos principais do estudo de Lykken e Tellegen giraram em torno, tanto dos gêmeos idênticos, quanto dos fraternos, o que permitiu separar os efeitos genéticos dos ambientais. Os resultados indicaram que a variância na felicidade era muito mais alta entre os gêmeos idênticos, sugerindo uma forte influência genética. Por outro lado, os aspectos ambientais tiveram uma contribuição menor na mudança do bem-estar.

Nesse sentido, fica evidente que o nível de felicidade de uma pessoa não é um ponto único. Em estudos longitudinais, muitas pessoas apresentaram diferenças significativas na forma como respondiam a acontecimentos em suas vidas, incluindo casamento e divórcio. Apesar de estudos em amostras menores, o ponto estável de satisfação de vida ter sido visto como uma linha reta sem curvas, para a maioria dos participantes houve alterações consideráveis ao longo do tempo, a partir do seu ponto estável hedônico.

No começo, eu não quis delimitar esse tema, por não ser especialista em genética, no entanto Giulia acabou me convencendo que seria importante descrever quais os mecanismos por trás da felicidade podem ser manipulados. Em primeiro lugar, é possível dizer que se o nosso nível de felicidade fosse constante, experiências que normalmente nos proporcionam prazer se tornariam comuns e repetitivas. Imagine, por exemplo, que alguém gosta muito de uma determinada música. A pessoa ouve essa música todos os dias e com tempo não sente mais a mesma emoção que antes. Nesse caso, é normal a busca por novas músicas, enquanto a antiga é deixada de lado. Agora pense em um mundo sem habituação, onde escutar uma música favorita incontáveis vezes produz o mesmo prazer e as mesmas sinapses no cérebro — é lógico deduzir que não haveria tanta necessidade de escutar outras canções.

Ao comer um bolo que amamos, a tendência é que o segundo pedaço não seja tão saboroso quanto o primeiro, e o terceiro também não terá o mesmo retorno de felicidade quanto o anterior. Você também odiará se comer bolo todos os dias. Na verdade, qualquer refeição, por mais saborosa que seja, torna-se entediante se não houver moderação. Isso faz sentido para nós, do ponto de vista biológico, afinal, existem outras comidas, e passar a vida inteira  provando apenas um sabor é um verdadeiro desperdício de paladar. De uma forma prática, é a insatisfação que nos faz querer ter novos sonhos e metas. Ela nos ajuda a subir de cargo quando há desinteresse pela antiga função em um emprego, funciona como um motivador para sairmos da zona de conforto e nos move em direção aos desafios.

— Então a tristeza não é necessariamente boa — disse Isabelle — mas ela é fundamental.

— Pensar desse jeito parece menos estranho? — Perguntei, retoricamente.

— A minha irmã me disse que tenho uma tendência para a melancolia e preciso entender melhor essas emoções.

— Ela só está tentando fazê-la não se sentir culpada.

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