10 - vulnerável

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Já faz uma semana que eu estou presa no hospital. Não exatamente uma prisioneira, mas uma enfermeira que não tem o direito de sair desse hospital.

Nenhum sinal de Daryl até agora, e quando eu tento tocar no assunto com Dawn, ela dá um jeito de desviar este assunto das conversas comigo. Não é como se ela fosse minha amiga, longe disso, mas nós temos conversas profundas quando ela bebe gin, mas Daryl nunca é o foco do assunto porque ela ignora. Eu penso que Daryl pode estar morto, ou talvez não queira vir atrás de mim, até porque, querendo ou não, eu nem era importante para ele. Tudo que eu sinto é agonia, apesar de ter uma cama para dormir, comida para me alimentar e paredes para me proteger, isso não adianta de nada, porque eu não me sinto segura. Eu tenho que ser honesta, sinto falta da segurança que Daryl passava, e de todos aqueles da prisão, não posso esconder isso, e nem tem como.

Eu encaro minhas mãos, o sangue pinga no piso branco, e eu limpo o suor da minha testa com as costas da mão, onde não tem tanto sangue. A respiração pesada, e o nervosismo lentamente saindo de mim. Apesar de não ter perdido meu paciente, minhas mãos tremem um pouco.
— ei, Ayla! — a voz feminina me chama do lado de fora do meu quarto. Eu me levanto, caminhando até a porta, as botas de couro branco que são para higiene fazem um barulho desagradável no mármore branco.
O trinco fica coberto de vermelho, eu nem consegui lavar as mãos antes de virem me atormentar de novo. Esse é o verdadeiro significado de não ter um segundo de paz? Porque se for, é realmente um peso enorme nas costas.

Eu abro a porta, e posso ver Dawn me encarando, o cabelo preso em um coque e o colete de policial sobre seu peito, como sempre.
— oi? — eu respondo, a voz cansada e a respiração ainda pesada.
— eu sei que você acabou de salvar uma vida, mas você pode tomar um banho rápido e ir até minha sala? — ela pergunta, e eu suspiro.
— claro. — eu respondo. Dando um sorriso falso. Me esforço ao máximo para parecer grata por literalmente me prenderem aqui, no quinto andar de um hospital. O medo de me matarem ali, agora, me faz responder tudo com educação e sempre fazer o que querem. Sim, eu me arrependo de á alguns dias atrás, ter pensado na morte como se não fosse nada.

— tudo bem. — ela assente e sai da minha porta. Eu a fecho, encaro o trinco que era prata, mas agora está vermelho por alguns segundos antes de decidir ir de uma vez tomar um banho.

[...]

Eu caminho pelos corredores cobertos e brancos e não muito silenciosos, procurando pela sala de Dawn. Faz uma semana, mas eu ainda me perco quando vou procurar pela sala dela. No caminho, vejo muitas dos pacientes daqui sendo tratados da pior forma possível pelos policiais, e me deixa em choque como Dawn pode deixar isso acontecer. Eu finalmente encontro Kaio, que com certeza sabe onde é a sala Dawn.
— ei, Kaio, onde é a sala da Dawn? — eu pergunto e olho em volta.
— corredor três, a última porta. — ele responde, curto e seco, sem ao menos olhar nos seus olhos.
— ok — eu digo, suavemente, tentando tirar dele aquele rosto sério e sombrio, mas não adianta. Eu me viro e caminha até o corredor três, logo me seguida indo até a porta da sala de Dawn, e assim que estou diante dela, bato na porta três vezes.
— entre. — ela diz, e eu abro a porta e entro.
— por que me chamou? — eu pergunto assim que entro e vejo o suor na testa dela enquanto ela pedala naquela bicicleta. Nunca entendi o porquê dessa bicicleta, já que uma bicicleta que ande por aí normalmente, é e sempre foi, muito melhor do que algo que você pedala, e não chega a lugar nenhum. Eu me viro de costas para ela, vendo o que tem em cima da mesa dela, até que vejo um chocolate. É o mesmo chocolate que encontrei naquela casa com Daryl, o meu favorito. Strike. Daryl vem mais uma vez à minha mente, e eu suspiro baixinho, balançando o pacote de chocolate em minha mão, e acabo dando um meio sorriso. Como Daryl não gosta disso?
— como... — ela suspira, está cansada. — Como era o seu... — Ela para de falar mais uma vez. — Pode ficar com o chocolate. — Ela diz, rápido, e ofega. — Como era o seu melhor amigo? — ela pergunta. Eu me viro rapidamente, esperança brilha em meus olhos agora. E eu guardo o chocolate no bolso.
— ele... — Eu tento me acalmar. Será que ela vai atrás dele? Talvez traga-o para cá? Ou talvez acabe com ele de vez por achar que ele é uma ameaça? Eu me pergunto, mas tento não criar nem paranóias, nem expectativas. Mesmo que seja quase impossível. — Ele tinha o cabelo castanho claro... — Eu apoio as costas na mesa, encarando-a. — Olhos azuis, um azul forte. Ombros largos... — Eu continuo, e ela para de pedalar, pegando uma garrafa de água ao lado, sem descer da bicicleta.
— só isso? Que tipo de roupa ele estava usando? — ela pergunta, e eu rapidamente me  lembro, já que não saiu da minha cabeça nem por um segundo.
— uma calça cinza, uma camisa de botões preta, sapatos escuros e... — Eu me aproxima dela com um passo. — Um colete, com asas costuradas atrás, asas brancas. — eu termino, e ela assente, descendo da bicicleta que não serve nem para levar alguém a algum lugar. Desculpe-me, mas eu obviamente tenho algo contra esse tipo de bicicleta.

— tudo bem. — ela diz, e se aproxima de mim, largando a garrafa em cima da mesa. — Ayla, você tem sido boa para nós, já nos ajudou bastante, e eu tenho que retribuir, retribuir mais além de só te dar comida e proteção. — ela diz, claramente querendo me dizer que eu deveria agradecer ela de joelhos todos os dias por mês dar comida e me prender em um hospital. Ela se senta na poltrona de cor bordô. — Podemos tentar ir atrás dele e trazê-lo para você. — ela diz, e suspira. — Ele seria bom para nós assim como você? — ela pergunta, passando um pequeno pano na testa e no pescoço.
— sim. Ele é forte, corajoso. — eu digo, e ela assente mais uma vez. Eu sei que Daryl não aceitaria, mas preciso tentar.
— tudo bem. — ela sorri. — O doutor Jonny precisa de ajuda com o Logan, você pode ajudar? — ela pergunta. O Logan mais uma vez, sério? Me controlo para não revirar os olhos.
— sim. — eu respondo.
— ok. Nós vamos achar seu amigo se ele ainda estiver por aí. — ela diz, e se levanta.

Quando chego em meu quarto novamente, me sento na cama e encaro o chocolate. Daryl odiaria comer isso. Abro o pacote, tirando um pedaço e me inundando com o sabor delicioso que o doce tem, fecho os olhos e saboreio. Daryl definitivamente é estranho por não gostar disso, e eu tiro mais um pedaço.

É, a segurança é como uma praga, te faz sentir desesperada quando não tem segurança. É confuso, e eu me confundo no meio dessa sensação que já é comum desde os meus quatorze anos, em que eu parei de me sentir segura com minha família. Inexperiente nisso, inexperiente em sentir segurança. Talvez isso tenha sido o ponto de começo para estar sendo tão terrível estar longe da sensação de segurança depois de alguns longos meses segura. As lembranças dos meus amigos, que se tornaram minha família, ainda correm em minha mente, todas as madrugadas. Isso me faz ainda mais vulnerável, e não tem como melhorar isso, ou pelo menos, se tem, eu não faço ideia de como.

[...]

Eu me sento na cama assim que acordo. Tiro o walkie-talkie que peguei escondido e caminho até o banheiro do quarto, me trancando lá. Eu venho tentando encontrar Daryl, mas acho que está muito distante, fora de alcance, mas continuo tentando. Está já é a quinta vez que chamo Daryl no walkie-talkie, mas nunca tenho uma resposta. Eu encaro o pacote de chocolate em minha mão, suspiro, e decido tentar mais uma vez.
— sorvete de creme...? — eu aguardo. O silêncio me decepcionando de novo. Eu me lembro de Daryl ter um walkie-talkie, mas isso não significa nada. Silêncio, apenas silêncio, o que não me surpreenderia vindo de Daryl, já que ele é um oceano de silêncio, mas de qualquer forma, decepção é tudo o que me resta. Tudo o que eu escuto é o chiado do outro lado, e eu suspiro. — Repito. Sorvete de creme? — eu tento mais uma vez, mas continua tudo em silêncio.
— que droga. — murmuro, sem apertar o pequeno botão que mostra minha voz. Aperto o pacote do chocolate e jogo no lixo do banheiro. Larga o walkie-talkie entre minhas pernas e ponho as mãos na testa, decepcionada. A dúvida de que eu nunca mais vou encontrar Daryl ou qualquer pessoa que conheça me deixa com raiva. Eu acreditava que de algum jeito, aquele chocolate me traria sorte, mas pelo jeito, não.

— Ayla? — uma palavra. Só uma palavra. Uma chance, só uma chance. E a sorte. Um sorriso, talvez dois. Meu coração acelera, é uma sensação nova. O que é isso?
Sorvete de creme.

°•°•

Blue Letter - Daryl Dixon Onde histórias criam vida. Descubra agora