04 - família

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Eu posso ouvir o som da porta destrancando, e então me levanto. Minha visão fica embaçada por um momento, faz um dia que eu não como e nem bebo um único gole de água. Eu dou passos para trás, pois não sei o que vai estar atrás daquela porta, mas eu logo descubro. Ele está com raiva, e eu posso ver isso no olhar que ele direciona para mim.

— o que você fez, Ayla? — Phillip zomba, fechando a porta, e eu dou mais alguns passos largos para trás.  — Nós poderíamos ter vencido, juntos. O que deu em você? — ele pergunta.
— o que fez com eles? — eu pergunto, preocupada.
— nada. Por enquanto. — ele caminha até mim.
— deixe eles em paz, Phillip. — eu tento, mas sei que não vai adiantar de nada. As pessoas da prisão, não esperaram para seguir meu plano, entraram e mataram mais do povo do Governador, e agora, isso só vai piorar.
— o que deu em você? — ele pergunta mais uma vez. — Eu te protegi, te dei comida, água. Eu salvei você. Salvei sua irmã. — ele lembra, parando um tanto quanto longe. Eu me lembro da minha irmã, me pergunto onde ela está agora, já que sumiu a dois dias e o governador não me deixou ir atrás dela. Tento não me importar com ela, mas não importa o quanto ela fosse babaca comigo antes de sumir, não consigo não me preocupar.
— você mata pessoas porque quer, não porque precisa. — eu digo, o cenho franzido, meu pulmão se enchendo de uma raiva ardente, a raiva que Phillip aumentou em dez vezes depois de falar sobre minha irmã.
— nós dois sabemos que Michonne já estaria morta se a filha que ela matou fosse a sua. E se não tivesse sido morta por você, teria sido por mim. — ele diz, a raiva estampada em seu rosto.
— você não mataria ninguém por outra pessoa. Tudo o que você faz, é pensando em si mesmo, sempre foi. — eu respondo. Ele tira de uma bolsa uma garrafa de água, abre-a e bebe metade. Eu não consigo não sentir vontade, faz um dia que não bebo um único gole, e então desvio o olhar, para tentar saciar a vontade, e ele tira mais alguma coisa de sua bolsa. Ele joga a garrafa e uma barra de chocolate que eu costumava sempre comer em minha direção, e eu agarro a garrafa na mesma hora. A água está pela metade da garrafa, mas eu ainda não a bebo.
— eu vou matar todos eles, vou voltar aqui e contar para você em detalhes, para você sentir a culpa, e depois, vou matar você também. — ele diz, e sai da sala. O peso da morte de todos eles agora está em minha mente, mas de qualquer forma, isso não foi minha culpa. Ou pelo menos é o que eu deveria achar, mas não consigo. Sinto culpa. Eu poderia ter feito melhor, e vencido, mas não consegui, e agora isso está minha mente.

Eu abro a garrafa com pressa assim que o barulho da porta trancando volta. A água é como uma divindade agora, e eu engulo cada gole como se fosse a última vez, e pode realmente ser. A água acaba, e eu ainda estou com sede. Jogo a garrafa e a tampa longe, e me sento no chão mais uma vez, esperando ser salva, mas no fundo, minhas esperanças estão indo embora, sendo levadas com o tempo que eu me culpo estando presa ali.

°•°•

Eu já perdi as contas. Não sei que horas são, e não estou mais dormindo, então não sei quantos dias se passaram, mas talvez dois. Em um momento, a porta se abriu e duas garrafas de água foram jogadas para dentro, uma delas cheia, e a outra pela metade. Uma das garrafas ainda está pela metade, mas a outra já está vazia. A água não enche meu estômago. Eu estou com fome, e provavelmente se tomar mais um pouco de água, vou acabar vomitando. Talvez mais um dia? Ou talvez dois? Eu não sei se aguentaria. Eu não sei quanto tempo faz, mas a minha preocupação com as pessoas que estão lá fora, é grande. Talvez o Governador tenha matado todos, e agora está voltando para me matar, ou talvez as pessoas da prisão tenham ganhado, mas se tiverem ganhado, não há motivo para que venham me salvar, afinal, eu acho que nem reconheceram ou perceberam que eu falava a verdade. Eu apenas.. Bom, espero a morte? Talvez eu devesse...

O som da porta sendo destrancada, ou talvez, arrombada, enche meus ouvidos, me tirando dos meus pensamentos. Eu me remexo no chão, levantando a cabeça. São eles. Eu fico surpresa, de qualquer forma, não imaginei que eles seriam minha salvação. O alívio toma conta do meu corpo no exato momento em que a silhueta de um rosto conhecido aparece bem na minha frente.
— meu Deus. — Rick diz quando me vê, e caminha até mim. Eu estou salva. Estou, não é?
Eu posso ver Daryl entrando na sala.
— Rick, ela está aqui? — ele entra perguntando enquanto olha para o lado de fora e só depois me vê. — Nós temos que ir. — ele diz, depois de um segundo me encarando como se tentasse descobrir o que eu estava sentindo.
— você consegue andar? — Ele pergunta se virando para mim.
Eu não consigo responder nada além de um resmungo balançando a cabeça de um lado a para o outro.
— droga.. — Rick parece pensar no que fazer.
— não temos tempo, os zumbis.. — Daryl se aproxima e joga um de meus braços sobre o ombro dele.
— Michonne, ajude o Daryl, eu vou na frente. — Rick diz e Michonne vai até mim, pega meu outro braço e joga por cima do seu ombro. Michonne segura minha cintura enquanto Daryl mantém as mão livre em minhas costas, me dando apoio. Eu sinto cansaço, as pernas moles, mas sei que tenho que conseguir. Achando forças de onde não tenho, eu apoio meus pés sobre o chão, conseguindo dar alguns passos, mas só alguns.
— Rick, ela precisa comer. — Michonne diz para Rick que anda na frente, guiando Daryl e Michonne.
Daryl tira de uma bolsa de pano que carrega em seu pescoço uma barra de proteínas.
— Michonne. — ele alerta, e Michonne pega da sua mão a barra. Michonne abre a barra e entrega em minhas mãos. Meus dedos estão fracos, mas eu envolvo a mão na barra e a seguro, levando-a até a boca enquanto Michonne volta a sua mão para meu corpo, me mantendo firme. Eu sinto sono, por algum motivo, mas sei que se eu dormir, talvez não volte a acordar. Meus olhos se fecham por.um momento, mas a sensação de não ter nada em meu estômago me mantém acordada. Eu tiro uma mordida da barra de proteínas, mesmo sabendo que não seria o suficiente. Continuo comendo, tentando acabar com a minha fome, a fome que parece não acabar, tentando não continuar fraca, tentando não atrasar eles.

Blue Letter - Daryl Dixon Onde histórias criam vida. Descubra agora