20 - não há mais volta

79 6 0
                                    

"O amor é o egoísmo duplicado."
- Machado de Assis

Ayla

Depois de uma, duas, ou umas sete explicações do que aconteceu com a minha perna para cada um do grupo, eu me sento em um sofá preto que está dentro de uma das salas da igreja. Eu encaro a parede cheia de desenhos de crianças, e dou um sorriso triste. Eram apenas crianças, e provavelmente a maioria já não está mais viva. É doloroso, mas eu sei que não tenho o que fazer para melhorar isso, e então, encaro as próprias mãos. O silêncio de estar sozinha me incomoda. Eu já não sou mais como antes, já não gosto mais de estar sozinha, como antes gostava. Me sinto solitária, e não gosto nem um pouco dessa sensação.

Eu posso escutar do outro lado da sala, todos conversando e algumas gargalhadas que me fazem sorrir. Não sei como isso pode dar certo, mas desejo fortemente que dê. O mundo está destruído, mas isso não significa que os que sobreviveram precisam estar. No meio de um sentimento tão grande, existe um mundo todo quebrado, mas bom, esse sentimento... O amor, ele é muito maior. Eu amo cada um que está agora dentro dessa igreja, e não posso me imaginar perdendo qualquer um deles, mas de qualquer forma, sei que pode acontecer, então tudo que me resta é acreditar que pode dar certo, e bom... Amar, mesmo que seja difícil amar em um mundo desses.

O barulho da porta se abrindo de repente me tira dos meus profundos pensamentos, e é Daryl.
— você está bem? — ele pergunta, um copo com vinho nas mãos enquanto se aproxima de mim.
— sim. — eu assinto. — É um vinho bom? — eu pergunto, sorrindo, e Daryl assente se sentando no sofá. Ele passa um dos braços sobre o sofá, ficando com o braço atrás de mim.

— não é o melhor. — Daryl responde, e toma um gole. — Por que não está com eles? — ele pergunta apontando para porta, e eu dou de ombros.
— antigamente eu gostava de ficar sozinha, era minha paz. Mas agora acho que já não é mais, descobri isso agora. — eu digo, o olhar voltando para os desenhos colados na parede branca.
Daryl estende o copo em minha direção e eu o pego dá mão dele, bebendo um gole. O gosto doce, ácido e com um pouco de gosto do álcool se mistura na minha boca, é bom, e vinho sempre será a minha bebida favorita.
— é... Bom. — eu digo, e bebo mais um gole antes de entregar o copo para Daryl novamente. — Eu me lembro de quando minha irmã me fazia beber para sair de casa escondido da minha mãe. Ela achava que eu não me lembraria no dia anterior. — eu zombo, um resmungo saindo dos meus lábios. — Mas eu só... — eu dou de ombros. — Não contava nada, porque eu gostava da sensação de estar bêbada... — sorrio, encarando Daryl, e ele dá um meio sorriso. — E eu sempre comia todo o chantilly que tinha na geladeira. — eu balanço a cabeça de um lado para o outro, sorrindo.
— a sua irmã... Qual era o nome dela? — eu posso perceber a voz rouca e agora amolecida de Daryl, sei que ele está ficando bêbado, e isso é engraçado. Nunca imaginei que veria Daryl bêbado.

— Sarah. — eu respondo, e ele assente.
— você conheceu o meu irmão. — ele diz, e eu franzo o cenho, não me lembro de ter conhecido alguém parecido com Daryl. — Merle. — Assim que Daryl diz o nome dele, eu arregalo os olhos. Não fazia a mínima ideia. Eu penso por um segundo, e não sei como Daryl, sendo como é, poderia ter Merle como irmão. Merle era um cretino. Morreu quando tentou entregar Michonne para Phillip, e a última vez que o vi foi quando ele deu em cima de mim durante uma das lutas em Woodbery. Daryl e Merle são totalmente diferentes, enquanto Merle se ocupava sendo o babaca preconceituoso que sempre fazia piadas de más intenções direcionadas a mim e a maioria das pessoas, Daryl consegue ser tão... Angelical. Um coração bom e a babaquice não faz parte dele, diferente do seu irmão.

— eu não... Não sabia. Bom, vocês são muito diferentes e... Eu não tinha uma relação boa com ele. — eu assumo, e Daryl me entrega o copo de novo, deitando a cabeça no sofá, neste momento, Daryl deve estar vendo o teto girar um pouco.
— é... Ele era um babaca, mas ele me defendeu muitas vezes. — a voz de Daryl parece estar amolecida, mas sei que Daryl não está bêbado pelo olhar dele, só está um pouco tonto pelo álcool.
— Sarah também. — eu digo, largando o copo de vinho já quase vazio em cima do tapete branco do chão.

Blue Letter - Daryl DixonOnde histórias criam vida. Descubra agora