19 - palavras em silêncio

33 3 0
                                    

Eu encaro a junção dos pinheiros grandes e verdes que no fim, completam a paisagem com uma noite nem um pouco estrelada. Apenas a lua, e o seu enorme e infinito céu misturado em azul e roxo. O silêncio não se parece mais à pior coisa do mundo agora, então eu só permaneço quieta.
— como está sua perna? — Daryl pergunta, o cuidado dele sempre me surpreendendo.
— ainda dói um pouco. Mas posso andar. — respondo.
— você quer ir embora? — Daryl pergunta, e meus olhos encontram os dele, eu franzo o cenho para pergunta dele. — Voltar para nosso grupo. Você quer? — Daryl pergunta de novo. Por mais que minha mente cogite a ideia de que poderia viver melhor sozinha, eu não posso abandoná-los, não posso voltar a ser a mulher de antes e fugir só porque as coisas estão complicadas, principalmente agora, que me sinto como família, não só uma estranha que ajudou.

— nós temos que voltar. É a nossa família. — eu digo, e Daryl assente. — Você não quer? — Eu pergunto, e Daryl dá de ombros.
— eu viveria bem aqui, com você, mas... É a nossa família. — ele diz, eu encaro os olhos de Daryl, dou um sorriso envergonhado e depois volto a encarar minhas próprias mãos, ainda sorrindo por lembrar do que aconteceu a alguns minutos atrás. Ainda sentindo os arrepios.

— o que foi? — Daryl pergunta, apagando o cigarro na madeira pintada de branco na escada.
— nada. — eu respondo, e encaro a paisagem à sua frente.
— vamos, diga. — Daryl insiste.
— eu não deixei ser tarde demais. — dou de ombros, um sorriso no rosto, e posso ver Daryl dar o meio sorriso de sempre.
— que bom que não deixou. Eu... Não falaria. — Daryl diz. — Eu também sempre deixei ser tarde demais. — Daryl mastiga lábio inferior, e eu sorrio, as manias de Daryl me fazem sorrir.
— eu preciso ver o seu corte. — eu me ajeito na escada, me sentando de frente para Daryl, e  ele faz o mesmo. Daryl arregaça a manga da camisa preta de botões, deixando à mostra o corte. Daryl parece menos complicado agora, parece aceitar meus cuidados. Parece aceitar minha ajuda.

— você estava passando a pomada? — eu pergunto.
— sim. De madrugada. — Daryl responde, e encara meus olhos. A tensão agora é ainda maior, já que toda vez que eu encaro o azul, minha memória me lembra da minha pele arrepiando e dos meus lábios tocando os dele, e eu suspiro, a sensação é tão boa e tão intensa ao mesmo tempo.
— você tem dormido? — eu pergunto, enquanto aperto devagar em volta do corte que já está desinchando, provavelmente por conta da pomada.
— não. — poucas palavras.
— por que? — pergunto.
— eu não consigo. — Daryl me responde, e eu o encaro com empatia, já estive no lugar dele, onde passava noites acordada, vendo o dia virar noite, e a noite virar dia.
— já está melhorando, talvez em menos de uma semana já comece a cicatrizar. — eu digo. Daryl volta a cobrir o ferimento. Eu encaro o peitoral coberto com um tecido preto de Daryl, e posso ver algumas manchas na camisa.
— você encontrou muito mortos hoje mais cedo? — eu pergunto, me virando para frente novamente, mas Daryl continua na mesma posição.
— alguns. — ele dá de ombros.
— eu tenho uma blusa na mochila, ela era do meu pai, eu usava de vez em quando... — eu digo.
— está me dizendo para usar uma roupa do seu pai? — ele pergunta, o tom divertido da voz me fazendo sorrir.

— ele odiaria, mas bom, ele não tem mais o que fazer. Você pode usar, só para não ficar com esta suja. — eu ofereço.
— tudo bem. — ele assente
O sono chega para mim, meus olhos pesam e eu bocejo. — Está tarde, vamos dormir. — Daryl se levanta e estende a mão para mim, que me apoio e sou puxada para cima com cuidado. Daryl joga meu braço por cima do ombro e agarra minhas pernas, puxando-as para cima. Eu sinto uma pontada de dor, mas a ignoro, soltando um resmungo de susto dos lábios, e Daryl sorri de leve, me carregando para dentro. Eu envolvo os dois braços no pescoço de Daryl, pelo medo de cair, mas Daryl logo me larga bem próxima ao sofá, e eu me sento.

Daryl caminha até o outro lado, tirando da sua bolsa a blusa de lã azul escura do meu pai.
— é essa? — Daryl se vira para mim e eu sorrio assentindo com a cabeça. Daryl se vira de novo, eu ajeito a manta no sofá, e me viro de novo para Daryl, que está desabotoando a camisa. A ideia de ficar encarando Daryl enquanto ele se troca me soa pervertida, mas é só uma camisa, e então eu ignoro esse pensamento, com um sorriso idiota no rosto enquanto imagino o quão horrorizado meu pai ficaria se visse que eu permiti que o homem que beijei a alguns minutos atrás usasse a camisa favorita dele.

Blue Letter - Daryl Dixon Onde histórias criam vida. Descubra agora