15 - armadilhas

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— você não parecia protegido. — Rick dá de ombros, o homem da roupa inteira preta e um colarinho branco no pescoço, como o de um padre, dá um sorriso nervoso.
— eu pedi por ajuda, e a ajuda veio. — ele responde, e Carl se aproxima mais do homem.
— você tem alguma arma? — Rick pergunta.
— a palavra de Deus é a única arma que eu preciso. — o homem responde.
Rick passa as mãos pelo rosto.
— você está com fome? Não temos muito, mas... — Carl abre a mão em direção ao homem, onde tinham nozes. A generosidade de uma criança, mesmo que em um apocalipse, é a coisa mais linda. Ainda mais vindo de Carl, um garoto que já perdeu muito, mesmo sendo tão novo.
— obrigado. — ele agradece enquanto pega da mão do garoto as nozes. — Essa é uma das minhas primeiras vezes aqui fora, não saio muito desde que tudo começou. — ele assume, dando de ombros.
— onde esteve esse tempo todo? — Rick pergunta.
— na minha igreja. — eu ouço Daryl que está ao meu lado, zombar do que o homem disse com um som irritado saindo dos lábios, mas eu sei que Daryl apenas queria zombar de como aquele homem levava a vida desde que tudo começou, e não posso discordar, passamos por tantas coisas... E esse homem ficou apenas trancado.

— levanta logo as mãos pro alto. — Rick diz, como se estivesse perdendo a paciência, e o homem levanta os braços. — como sobreviveu? — Rick pergunta, virando o homem de costas e apalpando suas canelas, procurando por algum tipo de arma.
— eu tinha enlatados. — ele responde.
Eu reviro os olhos, não posso aceitar o quão injusto isso é, e então decido não escutar essa conversa tão de perto. Me viro e caminho de volta para algum lugar, pelo mesmo caminho que viemos, só para espairecer um pouco, tudo o que eu já passei e já tive que fazer matutando em minha mente, incomodando meus pensamentos sobre chocolates, gatos, e tudo mais que me separava por um segundo, do mundo de hoje. Eu imagino aquele homem em uma igreja, comendo e sobrevivendo normalmente. Talvez com a dor da perda de alguém importante, mas podendo sofrer em paz, podemos derramar suas lágrimas sem que elas se misturassem com o sangue de outras pessoas. Com certeza nunca teve de fazer as mesmas coisas que qualquer um de nós teve. Tudo que já vi, me destruindo cada vez mais, me tirando cada vez mais a esperança, me mudando cada vez mais de quem realmente sou.

— Ayla? — ouço a voz de Daryl me chamando, e me viro. — Onde você está indo? — Daryl pergunta, eu encaro as folhas secas no chão por um segundo.
— eu não vou longe, volto logo. — eu respondo, e Daryl continua me encarando, como se pensasse no que fazer, mas de qualquer forma, isso não é um pedido de permissão, eu só estou avisando-o. Eu não sou uma criança. — Preciso pensar, entende? Para não acumular esse... Estresse. — eu dou de ombros, voltando a fazer o caminho para mais dentro da floresta.
— isso é sobre aquele homem? — Daryl me pergunta mais uma vez, me fazendo parar, eu encaro as árvores, não quero parecer egoísta, não quero que Daryl pense que não consigo ver a tranquilidade de outra pessoa enquanto nós lutavamos pela vida aqui fora, mas de qualquer forma, não deixa de ser isso, não deixa de ser um egoísmo tão amargo quanto chá. Eu me viro para ele.

— você pode ver o quão injusto é? — eu pergunto, em minha mente, as imagens de tudo o que eu já vi, me deixando tonta, ou maluca, quem sabe. — Ele não viu ou fez metade do que nós fomos obrigados a fazer. Ele só... — eu ergo os braços, não consigo deixar de estar irritada, e me pergunto por que não eu estar naquela tal igreja? Por que não Daryl? Por que Carl, que é apenas uma criança? — Ele só viveu! — eu tento falar o mais baixo que posso, mesmo que queira explodir e jogar todas as merdas que quero falar sobre o que penso para o alto, mas sei que não posso.
— ei, eu sei. — Daryl se aproxima com alguns passos, as folhas secas e alaranjadas se despedaçando no chão cada vez que ele pisa em cima de uma delas. — As coisas que você viu te tornaram mais forte. Olhe para ele, não sabe como sobreviver do lado de fora. — a empatia de Daryl está lá, sempre esteve, mesmo que ele não deixe aparecer ou ao menos demonstre isso para quem ele confia.
— isso não é só sobre mim. — eu abaixo a cabeça. Mesmo que Daryl esteja ali, tentando me dar algum apoio, isso não basta.

Blue Letter - Daryl Dixon Onde histórias criam vida. Descubra agora