Capítulo 3: Por que tão cruel?

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Eu tentei ajudar a garota a andar apoiando-a em meu ombro, mas considerando que ela é muito baixa e eu sou muito alto, achei mais fácil pegá-la no colo. Levei aquela garota quase desmaiada de fraqueza até a praça mais próxima que vi, ao lado de um carrinho que vendia salgados. Coloquei-a sentada em um dos bancos da praça e pedi uma coxinha com catupiry e uma garrafa d'água.

A garota bebia água de forma sedenta, mas comia a coxinha com calma. Ela tinha um rosto delicado e ao mesmo tempo, eu olhava em seus olhos e sentia uma angústia enorme.

— Garota, me diz. — Comecei, enquanto ela comia e sequer olhava para mim. — Por que você está há dez horas sem comer?

Ela tirou os olhos da comida por um instante, porém fez um sinal com a mão para eu esperar enquanto ela terminava de engolir. Essa garota estava realmente com fome. Quando ela enfim terminou de engolir a coxinha, ela suspirou e falou:

— Porque eu esqueci.

Eu franzi o cenho, confuso.

— Como assim esqueceu?

— Esqueci de comer. — Explicou, desviando o olhar para a mesa.

Eu ri sem humor.

— Que tipo de pessoa esquece de comer? — Indaguei, incrédulo, a garota olhava para a mesa sem expressão. — É sério garota, desse jeito vai acabar morrendo. — Declarei secamente.

Ela ri levemente, e continua comendo sua coxinha, eu arqueei uma sobrancelha, confuso.

— O que é tão engraçado? — Indaguei, com aridez.

Ela terminou de engolir o pedaço de coxinha e proferiu:

— É que eu sempre imaginei que você tivesse essa personalidade.

Eu franzi o cenho, encarando-a confuso.

— Você me conhece de algum lugar? — Inquiri.

Ela assentiu.

— Eu acompanhei o início da Lírio dos Vales. Tipo, o início mesmo. Quando você e o Noah tocavam na praça. — Ela fez uma pausa, bebendo um gole d'água. — Eu ficava observando de longe porque sou muito tímida desde sempre. Mas eu amava ouvir vocês. Fiquei triste com o rumo que a banda tomou, vocês eram melhores quando eram cristãos.

Eu suspirei profundamente.

— É… nisso eu concordo com você.

— Você saiu da banda por isso, não foi? Eu percebi que depois da gravadora as músicas mudaram muito. — Ela observou. Eu assenti. — Suas músicas antigas eram maravilhosas.

Eu sorri minimamente. Era bom ter alguém que lembrava da minha era de ouro, e não do fracasso que tive depois dela.

— Obrigado. Qual era sua favorita? — Indaguei, curioso.

Ela pôs a mão no queixo por um instante, pensando.

— Acho que Sola Gratia, do álbum Cinco Solas. — Respondeu. — É uma música que nos piores momentos da minha vida, sempre falou muito comigo.

Eu sorri, me lembrando claramente dos momentos que aquela música, que eu mesmo escrevi, havia marcado na minha vida. Eu lembrava da sensação de tê-la escrito e da sensação de ouví-la na voz de Noah, o quanto aquela letra tinha o poder de tocar meu coração.

— Ela me trás boas memórias. — Falei simplesmente. — Mas são coisas que já passaram.

— Eu imagino. Eu ainda ouço as músicas da Lírio dos Vales lá do início… meu gosto musical não mudou muito. — Ela riu. — Sabe… eu sempre tive que lutar muito para manter minha sanidade, para me manter firme na fé, lutar pelo meu futuro, e ainda hoje tem batalhas que me sinto fraca demais para vencer. — Ela sorriu tristemente, e eu percebi que aquela garota carregava uma angústia sem precedentes dentro de si. — Inclusive… foi por algumas dessas lutas que eu estava vagando pela rua sem comer. Eu saí andando de casa sem nada, sem saber para onde ia, e se não fosse você me achar, não sei o que poderia acontecer. Obrigada.

Redenção, Acordes e Amores [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora