Capítulo 5: A dor em seus olhos

71 8 54
                                    

Eu e Hadassa adentramos no asilo. A moça da recepção já me conhece e deu um crachá parecido com o meu para Hadassa, identificando-a como voluntária. 

Eu havia me tornado voluntário mensalmente no asilo há um ano, em um pico de tédio e musicalidade, buscando uma atividade a mais que me ligasse à música, mas ao mesmo tempo não me trouxesse holofotes. Foi então que lembrei de várias vezes passar por esse asilo indo para o trabalho, e parei para pensar que ter uma vez ao mês uma roda de música ao vivo com músicas cristãs faria muito bem a esses idosos. Alguns deles já se converteram ao evangelho através disso, então sei que Deus me trouxe aqui para cumprir seu propósito. 

Percebo que desde que voltei a Cristo e saí da Lírio dos Vales, eu enfim voltei a fazer a obra de Cristo, e venho dedicando toda minha atenção a ela, como sempre deveria ter sido, como era o propósito inicial da banda. Mas agora, tenho cumprido-o em paz.

Enquanto esperávamos os funcionários organizarem a área em que iríamos cantar na área comum dos idosos, similar a uma sala de estar, vários idosos nos cumprimentaram, a maioria deles já é acostumado a me ver, e por mais que hajam alguns mais ranzinzas que se mantém reclusos, todos olhavam com curiosidade para a garota que me acompanhava.

— Sua namorada é linda, Jonathan! — Uma senhorinha animada cujo nome é Fátima observou.

— E sortuda! — Outra senhora, Joselma, com voz mais alta e esganiçada, andando com uma bengala, acrescentou gargalhando. — Namorando um bonitão desses! Na minha época eu passava o rodo!

Vi Hadassa ficar vermelha feito um morango, e não é àtoa, isso deixa até mesmo eu desconfortável. Por mais que eu já tenha me acostumado com o fato de que idosos não tem nada a perder e por isso não tem papas na língua - principalmente idosos descrentes -, a fala de dona Joselma foi ridiculamente, exponencialmente, inapropriada. E eu precisava evitar que qualquer estresse inoportuno interferisse no desempenho dela.

— Olha senhoras, não é o que pensam. — Declarei. — Hadassa é apenas uma voluntária, assim como eu, que se ofereceu para estar aqui. Mal nos conhecemos.

Não deixa de ser verdade. Conheço ela há três dias.

— Ah, entendi. — Joselma deu de ombros. — Mas de toda forma, você precisa de uma esposa, e essa garota é linda! — Indicou Hadassa com as mãos abertas, que estava retraída em uma postura fechada com as mãos juntas.

— Dona Joselma, já disse que sou celibatário…

— Até Deus provar o contrário, acredite Jonathan, você já disse isso para todos. — Dona Joselma debochou.

Eu suspirei profundamente.

— É Jonas. — Corrigi. — Já venho aqui há um ano, como não lembram meu nome?

Ela começou a rir.

— Memória de velho, querido. Muita coisa pra guardar, uma hora falta espaço. — Declarou. — Viva, meu jovem. O tempo não volta. Cultive boas coisas das quais possa se lembrar.

Eu parei para pensar naquilo por um instante, mas apenas assenti, colocando aquilo na caixa da minha cabeça com a categoria "conselhos de idosos arrependidos".

— Certamente, dona Joselma, são boas as memórias que cultivo quando venho tocar aqui. — Afirmei, convicto. — E hoje, não só eu vou tocar, mas a Hadassa vai cantar para vocês.

— Eitaaaa! Solta a voz garota, vamos ter algo de empolgante aqui! — Dona Joselma se animou, dando um tapa no braço de Hadassa, que riu nervosamente.

Redenção, Acordes e Amores [COMPLETO]Onde histórias criam vida. Descubra agora