A Rainha - Parte 01

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Iniciei o processo de adoção de Jackie, e mesmo que ser mãe solteira não esteja a meu favor, eu era a única que a queria. Era fato que casais procuravam crianças mais jovens e com um perfil restrito, então ao menos nesse quesito, julguei que a sorte estava ao meu favor – e a lei também.

O único grande problema foi o fato de que ela teve de voltar ao orfanato, uma vez que eu não tinha sua guarda, e, portanto, não podíamos morar juntas. Foi difícil deixá-la num lugar onde odiava tanto. Foram poucos os dias que ficamos juntas, e, no entanto, era como se já fôssemos mãe e filha, pois eu já sentia que a amava e a queria perto como nunca me senti em relação a uma criança.

Foi dolorido ter que me separar dela e esperar o tempo de a burocracia concretizar aquilo que já era certo entre nós. Sempre encontrei motivos para ir visitá-la, afirmando o tempo todo que não iria desistir de adotá-la, além de conseguir tirar a cabeça dela do fato que continuava convivendo com as outras crianças e jovens – que não eram tão legais assim com ela. Esses encontros me ajudavam a saber se ela estava sendo bem-tratada, e talvez por me verem com frequência demasiada, as outras crianças começaram a deixá-la em paz.

Meu apartamento já não era o mesmo sem ela, sentia falta de sua companhia, mas aproveitei o tempo para ir decorando o quarto com as coisas que ela ia me pedindo. Eu tirava foto e mostrava para ela, sendo uma forma que encontrei de passarmos o tempo, além de também a fazer escolher como queria o próprio quarto.

Foram alguns longos meses que o processo durou, e naquele tão esperado fim de inverno, recebi os papéis que alegavam, só agora, que eu era mãe de Jackie; uma constatação do que já sentíamos.

Fui ao orfanato dar a ela a notícia, tentando ao máximo conter minha empolgação para fazer-lhe surpresa. Pedi à organização do orfanato que não contassem nada, então me deram acesso livre ao estabelecimento para que eu mesma fosse buscar minha filha. Quando adentrei o quarto onde ela dormia, junto de outras garotas, encontrei seu corpo sentado junto ao travesseiro, as pernas dobradas para servir de apoio ao seu tão inseparável livro. Ao notar minha presença, ela apenas sorriu, e logo se voltou ao livro. Não entendia o que de tão especial tinha naquelas páginas; deveria ser apenas as mesmas histórias de contos de fada, não é mesmo? Ainda assim, aproximei-me dela e me sentei ao seu lado, passando o braço ao seu redor.

─ O que tem de tão especial nesse livro? ─ Indago a observar a figura de um príncipe loiro no altar com sua princesa ao lado. ─ Estou começando a ficar com ciúmes da atenção que ele tem.

Ela riu antes de me olhar, com um enorme sorriso animado.

─ É simplesmente perfeito!

─ Por quê? Não são os mesmos contos de fada? ─ Isso a fez revirar os olhos, voltando a atenção para o livro, virando-me a capa para que eu não olhasse; não havia nome de autor nem editora, estranhei. ─ Qual é, ao menos me conta onde encontrou. Te vejo com essa coisa desde que nos encontramos. ─ Insisti, com curiosidade.

─ Foi porque eu encontrei no mesmo dia. ─ Ela me olha por enfim, encontrando minha dúvida escrita no rosto de maneira transparente. ─ Ele simplesmente estava ali, na rua, intacto, sem nada que mostrasse que era de alguém, porque estava num beco.

─ Um livro assim no beco? ─ Estranhei, pois era um livro bonito.

─ Inteiro, sem sujeira, sem rasgos, sem nada, entende? Eu sempre ficava naquele lugar, mas ele nunca esteve lá.

─ Então ele apareceu de repente? ─ Fui seguindo seu raciocínio, buscando entender, mas agora temia o que podia descobrir.

─ Você pode me chamar de louca ou que apareceu lá enquanto eu não estava, mas eu fiquei lá o dia inteiro, só sai à noite para... ─ Ela pausou, parecendo apreensiva. ─ ... comer. ─ Finalizou, ainda que eu soubesse exatamente ao que se referia.

Ascensão das ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora