A maldição. Parte I

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Encarando aqueles incontáveis pontos na parede de pedra do meu quarto, era desanimador. Cada risco simbolizando um dia. Mais da metade da parede estava preenchida, e agora eu via que era perca de tempo. Não iria mudar saber quantos anos fiquei ali naquele mundo, eram números demais para nutrir alguma esperança. Tudo o que me restava era a brincadeira com os garotos. Eram poucos os que me desafiavam. Em pensar que quando cheguei em Neverland, todos caçoavam do fato de eu ser uma garota; agora nenhum levantava os olhos, pois a garota era mais poderosa que eles. Peter Pan não parecia se importar com as brincadeiras, na verdade, ele também se divertia, e sempre trazia novos garotos a ilha. Passei a acompanhá-lo nessas viagens, conhecendo outros mundos, ajudando-o a conduzir novos recrutas. Eram minhas únicas distrações.
O treinamento parecia ter acabado, pois já sentia meus poderes no auge, sob controle. Era incrível a imensidade de coisas que eu podia fazer sem precisar de ajuda, além do quão bem podia me defender.
─ Muito bem, você progrediu muito desde que chegou. ─ Pan disse, quando eu estava imersa em chamas e voando com minhas asas flamejantes, lutando contra criaturas de outro reino. ─ Não é mais a mesma garota chorona que esperava que os amigos viessem buscar. Como era mesmo o nome deles? ─ É claro que ele sabia os nomes de todos, mas tinha prazer de me fazer falar.
─ Snow White. David. Red. ─ Digo sem emoção alguma. Pan também me ensinou a mentir, e muito bem.
─ Viu como é bom se desprender das pessoas que não davam a mínima a você? ─ Ele sorria satisfeito. ─ Você não precisa mais esperar que eles venham te salvar. Você mesma pode fazê-lo.
─ Eu não preciso de ninguém. Todos eram mentirosos. ─ E com isso ele se mostrava vitorioso e dava fim ao “treinamento”.
No meu quarto, porém, tudo parecia se resumir a nada; todas as conquistas e todas as derrotas. Na verdade, tudo o que pesava em minhas costas era o olhar de decepção que Red depositará em mim antes de eu partir. Com o passar do tempo, eu me acostumei com isso, me conformei com o fato de que nunca mais a veria. Também cessaram os chamados da rainha, que me chamava em busca de fazer com que cumprisse com a palavra. Desisti de me perguntar se ela ter parado de chamar significava que morreu ou desistiu. Como de repente tudo estava tão distante? Aquela vida não me fazia sentido algum. Eu não podia ser resumida só àquilo, podia?
─ Chegou o dia, Samantha. ─ Mais uma vez Pan surge em meu quarto, sentado em minha cadeira de bambu. Não fiz menção de me levantar da cama, só inclinei a cabeça para o olhar.
─ Que dia? Não importa. Estou cansada para viagens agora.
─ Aposto que para essa você estará muito bem-disposta. ─ Ergui uma sobrancelha em dúvida, sem entender ao que se referia. ─ Hoje é o dia que você vai embora de Neverland.
─ Esse é um daqueles testes? Achei que já tivesse desistido. ─ Fechei os olhos e suspirei, esperando que ele fosse embora.
Ouvi um estalo e a quebra de vidro, com estilhaços espalhando no chão. Quando olhei, vi Pan de pé, encarando um portal recém-aberto ao lado de minha cama; isso sim me fez levantar, demasiada curiosidade me invadindo.
─ Você vai para a terra sem magia, do qual fomos várias vezes. E vai passar lá o resto de seus dias.
─ Do que está falando? Por que está me mandando embora?
Ele me olhou com uma expressão estranhamente séria. Aquela era nova. Talvez devido a nossa convivência, eu aprendi a ler suas expressões, a decorá-las. Não que eu gostasse, era pura defesa para prever seus ataques.
─ Desde que chegou aqui, eu sabia que você iria para esse mundo. Era só questão de tempo até você dominar seus poderes.
─ Ah, quanta diferença. O que vai adiantar eu ter feito toda a droga do treinamento se vou para uma terra que não tem magia? ─ Cruzei os braços com indignação.
─ Você tem razão. Mas com isso, você poderá usar seus poderes à vontade. ─ Ele estendeu a mão, e dela, surgiu um pequeno frasco, no formato de uma ampulheta, com um pó que eu bem conhecia.
─ Pó de fada? Sério? Acha que isso vai me ajudar a ter poderes?
─ Eu enfeiticei para te dar maior vantagem lá. ─ Estreitei os olhos em sua direção, tentando encontrar qualquer falha que indicasse uma brincadeira. Aquele garoto jamais me ajudaria sem querer algo.
─ Por que está me deixando ir? O que ganha com isso? ─ Ele parecia esperar essa pergunta, e então sorriu da mesma forma pretenciosa. Como eu odiava esse garoto.
─ Ah, que bom que perguntou. ─ Num manear de mão, o frasco desapareceu de sua mão e surgiu como um colar em meu pescoço, uma corrente de linho bem moldada e comprida, de forma que ficava entre meus seios. Peguei na mão, olhando-o de perto. ─ Eu sei que você me traiu, Samantha.
─ Do que está falando? Eu não fiz nada.
─ Exatamente. Quando chegou aqui, você relutava em esquecer seus amigos, aqueles que não moveram um dedo para te ajudar. Depois que viu que eles não valiam a pena, você veio até mim e ofereceu seus serviços e seus poderes. Ou seja, você pertence a mim.
─ Onde está querendo chegar?
─ Até hoje você não desistiu de esperar por eles. Então não cumpriu com a sua palavra.
─ Agora você ficou maluco de vez? ─ Um certo nervosismo ameaçou me dominar, mas eu tinha que resistir.
─ Você sabe que não tem como mentir para mim, Samantha. Agora você vai pagar o preço por não cumprir com sua palavra.
─ E me mandar para o mundo sem magia com meus poderes intactos vai resolver o quê?
Ele sorriu novamente e apontou o portal, que havia diminuído consideravelmente. O tempo estava acabando, eu sabia, e só me fazia temer o que aquele garoto tinha em mente.
─ É um presente, mas também uma maldição. Sua magia vai acabar, e você sabe o que acontece depois, não é?
─ Você não pode fazer isso. ─ O ar em meus pulmões parecia ter desaparecido, e dessa vez não foi Pan o responsável. O simples fato de pensar em ficar sem poderes era como imaginar a morte cutucando-me o ombro e dizendo “sua hora chegou”. Eu não podia deixar isso acontecer; mas ele me segurou no ar como se eu fosse uma boneca.
─ Você já aprontou demais aqui, não acha? E eu já não tenho nenhuma utilidade para você em minha ilha. Quando o pó dessa ampulheta estiver totalmente do outro lado, significa que seu “estoque mágico” acabou. E sabemos que você não vive sem magia. Estou enganado?
─ Seu desgraçado! ─ Praguejei, mas em vão.
─ A dor em seu peito será um sinal para o que te espera. Você cairá, Samantha, e ninguém irá te salvar. ─ Ele me soltou, mas ao invés do chão, fui engolida pelo portal.

~~~~∞~~~~

Pela manhã fui agraciada com a visão da rainha em meus braços, adormecida. Seu corpo estava quente e nu contra o meu, tão confortável e segura que parecia não temer por mais nada. Se eu podia proporcionar algo de bom para ela, então iria me gabar com esse poder inigualável.
Somente me movi para acariciar os cabelos dela, aninhando-a sobre mim e aspirando seu cheiro. Fazia tanto tempo que não me envolvia com alguém, que passava a noite. Parando para pensar, sequer podia falar que estive num relacionamento sério com alguém, sempre foram relações abertas, casuais, sem uma responsabilidade monogâmica. Depois de 20 anos em forma de adolescente, quem podia me culpar por não ser madura o suficiente para entrar numa relação? Ainda mais depois de morar no meio de garotos, era como ter vivido castrada, sem interesse por relações.
Quando vim parar nesse mundo sem magia, sem conhecer ninguém, foi difícil começar do zero sem chamar a atenção. Com mais obstáculos, é claro, para formar laços. Como eu me envolveria com alguém sem contar a minha origem e mostrar minha magia? E não é algo simples de contar, não podia contar a qualquer pessoa. Jackie foi a primeira a ficar sabendo, ainda que não tivesse sido eu a contar, eu sabia que acabaria acontecendo, e eu estava bem com isso. Aquela garota foi a primeira e única que eu me dispus a criar um vínculo, a me arriscar ser descoberta. Esperava poder passar mais tempo com ela quando chegássemos em Storybrooke.
─ Eu não deveria ter dormido tanto... ─ Regina murmurou, mas não se moveu, quase acreditei que falasse dormindo. ─ Se Henry acordar...
─ Eles estão na sala assistindo desenho, rainha, você pode descansar mais um pouco. ─ Digo baixo.
─ Seus poderes identificam até o que estão fazendo? ─ Perguntou, acabei rindo, entendendo sua provocação.
─ O mais importante é que identificam sua presença bem aqui, rainha, e aposto que está gostando. ─ Beijei o topo da sua cabeça e respirei fundo quando a vi se mover e se sentar na cama. ─ Você não precisa fugir, sabia?
─ Não vou. ─ Ela me olhou, acabei mordendo o lábio ao vislumbrar sua pele nua, ainda irresistível a necessidade de a tocar, mesmo de manhã. ─ Mas eu prefiro não dar a margem de Henry me ver aqui.
─ Melhor não traumatizar o garoto se ele souber o quanto a mãe dele é desejada aqui. ─ Deslizo a mão em suas costas, subindo até seus cabelos e os arrumando para longe do seu rosto. ─ Você pode ficar mais um pouco, se quiser.
─ Nós temos que ir, você sabe. Os desenhos não vão mantê-los longe por muito tempo.
─ Eu sei. ─ Aproximei-me dela e a envolvi pelas costas, lentamente beijando seu ombro. ─ Só queria que soubesse que a noite foi incrível. Eu não me divertia assim desde... sempre.
─ Foi bom para mim também.
─ Então nem se dê ao trabalho de continuar essa frase, sinto que tem um “mas” a caminho.
Dessa vez ela ficou em silêncio, comprovando as minhas suspeitas, então somente deslizei meus lábios para o seu pescoço, recebendo sua abertura. Meus dedos envolveram seu abdômen e pude sentir seu corpo relaxar, aproximando-se mais, deixando-me continuar com a investida.
─ Não estou exigindo nada de você. ─ Afirmo em tom baixo. ─ Ontem à noite foi ótimo, e você sabe que tem um feitiço no meu coração que te possibilita me chamar quando quiser repetir.
─ Não é tão simples assim, garota.
─ Deixe ser. Eu só quero te dar a certeza de que merece a felicidade, não importa o que as histórias dizem.
Eu não sei se foi o que eu disse, mas bastou isso para que ela se virasse para mim e me olhasse de maneira intensa. Vi a luxúria dentro dos seus olhos, mas também encontrei outro tipo de desejo, como se fosse um pedido silencioso. Não entendi o que era, até que ela me deitou na cama e se posicionou sobre o meu corpo da maneira mais sensual, que me fez derreter toda. Se havia alguma dúvida sobre a nossa conexão, ela se evaporou, pois foi a vez da minha rainha assumir o controle das coisas e me tomar para si da forma que bem queria, para só então ditar como almejava ser tocada novamente.
Na hora seguinte, nós buscamos sair da cama, pois tínhamos nossos filhos para alimentar e eu imaginei que ainda havia o comunicado oficial se eu poderia ou não ir à cidade da rainha. Então, depois do café da manhã, Regina voltou ao próprio quarto junto do filho, deixando-me a sós com Jackie e suas perguntas sobre o meu passado. Ainda não era confortável falar sobre isso, nada me preparou para contar sobre as trevas em meu espírito e o que fiz para merecer cada ponto escuro.
─ Nada do que você diz se encaixa com algum personagem que já foi escrito. ─ Ela falou com frustração.
─ Desculpa por não fazer parte dos contos de fadas, querida. Talvez você só esteja procurando no lado errado das histórias.
─ Você não é uma vilã. ─ Protestou.
─ Não, não sou, agora, assim como Regina.
─ O que você pode ter feito de tão ruim para ser vilã? ─ Sua pergunta ficou sem resposta, porque eu não tinha coragem de dizer.
─ Está no passado, querida. Eu não sou mais a pessoa que eu era, não tenho mais por que ser. Então pare de buscar essas respostas, porque realmente me incomoda lembrar.
─ Está bem. ─ Ela pareceu se dar por vencida, pelo menos por enquanto. ─ Você tem uma marca de garra sobre o coração.
─ É? ─ Olho para ela, estranhando a observação súbita.
─ As queimaduras deixam menos visível, mas eu percebi, naquele dia que você fez o sol brilhar na tatuagem.
─ Sim, mas... Eu sempre tive essa marca. Deve ser algo de infância, não lembro.
─ Tem uma personagem que possui a mesma marca. E não é de nascença, ela conseguiu numa briga.
─ Eu posso me ver entrando numa briga assim. ─ Concordei, rindo com isso. ─ Com quem essa personagem brigou?
─ O livro não deixa claro, mas foi com um filhote de dragão. ─ Ela ergueu as sobrancelhas enquanto seus olhos se iluminavam. ─ Isso explicaria seus poderes.
─ Um dragão? ─ Balancei a cabeça, sem acreditar. ─ A única pessoa que Henry falou que tinha poderes de fogo era Malévola, e ela não tinha parente nenhum. E sinto em informar, mas duvido que eu seja a própria Malévola.
─ Pode não ser, mas você pode ser a filha dela.
─ Sinto muito, J, mas não é hoje que você ganha uma vovó do conto de fadas. ─ Beijo sua testa e me afasto rindo, sem considerar a ideia.
─ Você está errada. ─ Ela correu, achei que a tivesse magoado, mas ela voltou instantes depois com o livro de Henry em mãos, folheando rapidamente até apontar a tal Malévola em seu castelo, com um dragão pequeno derrubado no chão. ─ Vê? Foi nesse dia.
─ E por que ela brigaria com a própria filha ao ponto de a deixar marcada?
─ Porque ela quis punir o dragão, o bebê dragão, que a machucou. Elas brigaram porque o bebê ficou com ciúmes quando Malévola conheceu a... Rainha Má.
─ Regina a conhecia? Ela saberia sobre o dragão bebê e saberia se fosse eu.
─ Não saberia, porque Malévola sempre a escondeu. Mas não fala mais nada no livro. ─ Ela suspirou e fechou o livro, ainda parecia ligada com o próprio raciocínio como se fizesse todo o sentido.
─ Querida, eu tenho esse poder com o fogo que nem Pan soube me explicar o motivo de eu o ter. Mas é só isso, eu nunca me transformei em dragão, e saberia se pudesse mudar de forma.
─ E se você não consegue porque não se lembra? ─ Para isso não havia resposta, porque era uma boa questão.
─ Eu posso perguntar para Regina o que ela sabe sobre Malévola e sobre memórias apagadas, está bem? Mas não guarde expectativas sobre isso, pode não ser nada demais.
─ Ou pode ser a explicação de que precisávamos para você se lembrar do seu passado!
─ Jackie... Não é nada de extraordinário, okay? O que eu fiz para me tornar vilã já estava em mim antes de eu perder a memória, então não confunda as coisas. ─ Recuei um passo, desanimada. ─ Eu não estou nesse livro, não sou uma personagem. Desculpa, mas nunca fui boa o suficiente para isso.
─ Você é, para mim.
Aquilo me fez sorrir, realmente tocada com as suas palavras. Puxei-a para um abraço apertado, precisando desesperadamente daquele conforto que somente ela podia me dar. Mesmo sem saber por inteiro meu passado, sem saber das pessoas que machuquei e até matei, ela continuava me amando e demonstrando isso. Parecia bom demais para eu merecer, quando não tinha realmente feito algo para receber tanto afeto.
Passamos toda a tarde juntas, aproveitei para fazer um lanche delicioso para nós e então me aconchegar no sofá, onde assistimos aos filmes que tínhamos selecionado para as férias dela. Parecia até um dia normal, e a presença da rainha e de seu filho fosse uma cena distante.
Mas há aquele ditado, de que a paz não é duradoura, e basta estar com cinco minutos do gostinho dela, que o caos vem com toda a intensidade para atrapalhar. E o meu caos foi simplesmente a dor, não qualquer uma, mas no meu coração. Foi como se alguém o tivesse em mãos e o apertasse, prestes a torná-lo em pó. Não consegui disfarçar a sensação, e estava gemendo no chão, curvada, enquanto ouvia a voz distante de Jackie a me chamar.
Ela deitou minhas costas no chão, olhos cheios de lágrimas e preocupação transbordando deles. Ah... era a última coisa que eu desejaria que ela visse, logo ela. Maldito Peter Pan e sua maldição.
─ Regina... ─ Digo entredentes, buscando conter os gemidos de dor para me fazer entender. ─ Chame por Regina, rápido.
─ Eu não vou te deixar! ─ Ela protestou. ─ Diz o que está acontecendo, mãe. Eu devo chamar a ambulância?
─ Eu preciso de Regina aqui. ─ Afirmei, então busquei pelo pingente da ampulheta debaixo da minha camisa, colocando em frente ao rosto para enxergar o último grão de areia. ─ Ela é a única que pode tirar meu coração para me ganhar tempo.
─ Tirar seu coração? Enlouqueceu? Eu nunca deixaria que ela fizesse contigo igual fez com todas as pessoas que matou.
─ Ela não me matou antes, então não vai matar agora, por favor, querida, só me obedeça.
Felizmente ela me obedeceu, saiu correndo pelo corredor fora do apartamento em busca da rainha. Busquei controlar minha respiração como forma de diminuir meu foco na dor. “A dor em seu peito será um sinal para o que te espera.” É... não imaginava que seria tão doloroso, tão aflitivo ver a vida escorrer entre meus dedos. Talvez o desgraçado não tivesse contado com as minhas pesquisas para evitar minha morte de acontecer, não à toa sobrevivi tantos anos. Regina ter aparecido só acelerou o processo, tão mais eficaz assim.
A rainha veio junto de nossos filhos, todos preocupados quando me viram ali no chão, evidenciando que não estava bem. Ao menos Regina foi prática e mandou que os dois fossem para o quarto, tão autoritária que nenhum deles a contestou. Ela me ajudou a deitar no sofá, então se sentou ao meu lado, seus dedos segurando o pingente do meu colar e estreitando os olhos para o que via. Antes que dissesse algo, segurei suas mãos e as pressionei em meu peito, fazendo que sentisse o bater do meu coração.
─ Eu preciso te levar imediatamente para a cidade. ─ Ela alegou.
─ Me escuta primeiro, não tenho muito tempo.
─ Não comece com essa besteira. Na cidade...
Suspirei e soltei suas mãos, mas somente para segurar seu rosto e o trazer para perto, calando seus protestos com um beijo. Ela podia simplesmente ter se recusado e me afastado, mas somente deixou que fosse um breve roçar de lábios, o suficiente para a fazer me ouvir.
─ Você precisa tirar meu coração até chegarmos na cidade. ─ Digo devagar, com o seu rosto ainda perto. ─ Eu não posso evitar a maldição, mas posso retardar seu acontecimento até chegarmos lá.
─ Maldição? Que tipo de maldição?
─ Ele queria que eu ficasse sem os meus poderes, pois sabia que eu morreria sem a atmosfera mágica do outro mundo. Então quando o último grão de areia cair, eu vou adormecer que nem Snow.
─ A maldição do sono? ─ Seu cenho franziu. ─ Então você precisaria do beijo do amor verdadeiro.
─ Não fale como se eu fosse dormir para sempre. ─ Sorrio para espantar sua preocupação. ─ Não é essa maldição, mas o efeito é igual. A diferença importante é que eu não posso ser acordada até que os grãos caiam todos para o outro lado novamente. Se a sua cidade tem a atmosfera mágica, então não deve demorar para acontecer, você só precisa colocar meu coração de volta e meu corpo faz a mágica.
─ Ainda assim você estaria amaldiçoada.
─ Sim, mas... Meu coração é enfeitiçado, não é? Você pode me mandar acordar quando for a hora.
─ E você acha que vai funcionar? Maldições não são para serem quebradas tão fáceis assim. ─ Ela respirou fundo, mas a preocupação estava acentuada na veia no centro da testa. ─ Sua filha pode te acordar, ou ao menos tentar.
─ Talvez. Eu não quero que ela tenha essa pressão sobre os ombros quando só começou a saber sobre magia agora. Ela não sabe nem metade sobre o meu passado, é uma droga que tudo tenha acontecido tão rápido... Achei que teria mais tempo para explicar para ela.
─ Você vai ter o tempo que precisa, em nossa viagem para Storybrook.
Ela atravessou a mão em meu peito e retirou o coração, sem avisos, mas pelo menos cessou a dor que eu estava sentindo. Respirei mais aliviada, ainda incomodada com a falta dos meus sentimentos. Talvez fosse melhor assim, quando precisava agir mais racionalmente nos meus próximos passos.
─ Obrigada. ─ Digo com sinceridade.
─ De novo... ─ Ela pareceu refletir. ─ Tem muito mais escuridão aqui dentro. Você não pegou leve em Neverland. Mas ainda tem um vermelho pulsante, significa que você tem um amor verdadeiro. A sua salvação, diante de tantas trevas.
─ Ah, é? ─ Sorrio, deslizando um dedo sobre o centro do peito dela, indicando seu coração. ─ Será que tenho mesmo salvação? Eu posso acordar e queimar sua cidade.
─ Se preocupe com a parte do acordar primeiro.
─ Enquanto isso não acontece, eu preciso te pedir algo.
Afastei-me um pouco e busquei por papel e caneta na mesinha de centro, começando a escrever. Regina esperou ao lado, então leu quando terminei, mirando-me como se eu fosse maluca.
─ Ela é tudo o que tenho, Regina, e eu não tenho família nenhuma. Ela não pode ficar sozinha, e por favor, não me diga que Snow cuidaria dela, porque a última coisa que desejo é ver minha filha crescendo com aquela mulher.
─ E você prefere dar a guarda dela para mim?
─ Em quem mais posso confiar, Regina? Em Emma? Ela me odeia, e deixou claro que prefere me ver longe da cidade e de você. Por favor, sei que estou pedindo muito, mas preciso de alguém que fique de olho nela e a mantenha protegida, não importa o que seja necessário.
─ Ninguém faria nada contra ela em Storybrook.
─ Você não é estúpida Regina, não se finja ser. Você pode ter se redimido com as pessoas lá, mas eu não, e nem sei se quero. Jackie é um alvo fácil para qualquer um que queira se vingar de mim.
─ Se for te deixar menos paranoica, tudo bem. ─ Ela dobrou e guardou o papel no bolso, então se levantou com o meu coração em mãos. ─ Eu vou guardar isso. Tente não fazer nenhum esforço. Vou pedir para os dois fazerem uma mala rápida, então partiremos ainda essa noite.
─ Obrigada Regina. ─ Digo ainda do sofá. ─ Significa muito para mim o que está fazendo.
Ela não disse nada e se afastou, então me deitei no sofá novamente, ouvindo a movimentação pelo apartamento. Ah, como eu não queria deixar aquele lugar daquela forma, às pressas, como se estivesse fugindo. O primeiro espaço que passou a me pertencer de verdade, e de repente, seria abandonado.
Não levou nem uma hora para o meu quite de sobrevivência junto ao de Jackie ser resumido em duas malas de mão e uma mochila; não que eu tivesse chegado nesse mundo com alguma coisa em mãos, mas deixar minha vida em Nova York dessa forma... Ah, que decepção. O pior era ver a preocupação de todos, esperando pelo momento que eu fosse dormir e... não acordar tão cedo. Mas logo estávamos no meu carro, a caminho de Storybrooke, com a rainha no volante e seu filho ao lado.
─ Ainda estou aqui, sabia? ─ Reclamei, sem falar com alguém em específico, até que olhei para Jackie, ao meu lado. ─ Não estou dormindo. E não vou morrer.
─ Quem garante que vai ser o suficiente? ─ Ela retrucou. ─ Você disse que Peter Pan te queria morta, o que impede isso de acontecer?
─ É uma maldição, e eu estou agindo para não ser fatal. Só temos que chegar na cidade, colocar meu coração de volta, e esperar a areia na ampulheta virar para o outro lado.
─ E depois? Você disse que seria como Snow White, mas você não tem nenhum Príncipe Encantado para te beijar.
─ Credo, que bom que não. Se algum cara me beijar enquanto durmo, por favor, chame a polícia.
─ Mãe, eu estou falando sério!
─ Eu também. ─ Sorrio, tentando aliviar o clima, então seguro sua mão e acaricio no meu colo, sentindo-me cansada. ─ Quando a hora chegar, você saberá o que fazer, meu amor.
─ Eu? Por quê?
─ Porque não existe só o amor de um casal.
─ Emma quebrou a maldição quando me deu um beijo na testa. ─ Henry fez o favor de explicar.
─ É algo raro e complexo. ─ Regina foi assídua.
─ E se não funcionar, não significa que nos amamos menos. ─ Digo por fim, sem tirar os olhos dela, que pareceu entender. ─ Porque eu te amo, querida, e sei que me ama também.
─ Você acha que pode funcionar? ─ Ela questionou, insegura.
─ Funcionando ou não, sempre vai ter outro jeito. Como Regina disse, é algo complexo e difícil. Ninguém sabe como funciona direito até precisar colocar em prática.
─ Se não funcionar... O que eu farei sem você?
─ Regina vai ficar com a sua guarda enquanto estou com a maldição, então você não volta para nenhum sistema de adoção. Sei que é estranho, mas pensa pelo lado positivo, você já fez um amigo.
Ela ficou em silêncio e desviou o olhar, então não insisto no assunto e olho pela janela, vendo o mundo passar tão depressa na estrada. Regina dirigia rápido, sem dar importância para os limites de velocidade ou nas multas. Afinal, quem iria ousar em parar a rainha em sua trajetória para a cidade que fundou? Era noite já, eu sabia que não iria escapar da maldição depois da meia noite, e sequer sabia quando iria acordar novamente. Após tanto tempo, pulei de uma noite com Regina para outra amaldiçoada.
─ Malévola. ─ Jackie disse de repente mais tarde, interrompendo o silêncio tenso no ambiente. ─ Ela pode ser a chave para te acordar.
─ Você a conheceu? ─ Regina me olhou pelo espelho retrovisor.
─ Não. ─ Logo neguei, mas Jackie me lançou um olhar de reprovação que me obrigou a revirar os olhos. ─ Querida, é só uma teoria. Um dragão filhote naquele livro não significa nada para mim.
─ Dragão filhote? ─ Henry se virou no banco da frente para nos olhar em busca de confirmação. ─ Não tinha nenhum no livro.
─ Sempre teve. ─ Jackie argumentou, pegando o objeto mágico e folheando até a página que me mostrou mais cedo, só então entregando para o garoto analisar.
─ Estranho, essa página nunca existiu. ─ Ele observou, então olhou para a mãe. ─ Malévola teve um filho?
─ Não, não que eu tenha ficado sabendo. ─ Ela suspirou, parecendo pensar. ─ Malévola não era tão velha para ter uma filha da sua idade.
─ Quando você a conheceu não viu a marca de garra no coração? ─ Jackie questionou diretamente.
─ Ela disse que foi um acidente. ─ Dessa vez a rainha estreitou os olhos, provavelmente lembrando que viu a mesma marca em mim entre a noite anterior e hoje de manhã, mas duvido que seria capaz de pontuar isso em frente do filho.
─ Eu tenho a mesma marca, mas pode significar qualquer coisa. ─ Pontuo, sem realmente acreditar naquela teoria.
─ Eu também não acho que você seja filha de Malévola, vocês não tem nada em comum. ─ Regina me lançou um olhar intenso pelo retrovisor, mas logo continuou. ─ Ainda assim, não acho prudente descartar a possibilidade de parentesco sem pesquisar antes.
─ Onde está Malévola? ─ Jackie questionou. ─ Se ela reconhecer minha mãe, poderia ajudar.
─ Ela está morta.
─ Minha outra mãe precisou matar o dragão para tentar me salvar da maldição do sono. ─ Henry explicou, acabei rindo baixo.
─ Então Emma matou a possível última fonte do meu passado. ─ Sou obrigada a pontuar. ─ Ela realmente tem motivos para me odiar.
─ Ela não faria isso se não precisasse. ─ Ele buscou defender a mãe.
─ Eu esqueci que os heróis sempre têm uma desculpa aceitável para matar um vilão quando necessário. Aposto que nunca foi apontada por isso. ─ Balanço a cabeça de maneira negativa, inconformada.
Eu não sabia se haveria qualquer ligação real entre Malévola e eu, mas me irritava pensar que Emma era hipócrita o suficiente para apontar o dedo na minha cara e me achar perigosa, mas se isentar da própria ficha de assassinato. Em pensar que Malévola seria derrotada por uma criatura que nem magia sabia usar.
─ Nós estamos chegando. ─ Regina avisou depois, senti seus olhos em mim, talvez avaliando meu grau de consciência.
─ Aconteça o que acontecer, jamais deixe aquela lagarta chegar perto de mim. ─ Pedi, pois sabia que ela entenderia de quem falava.
─ Você não corre perigo aqui.
─ Não quero te provar errada, mas sinto o contrário. ─ Olhei pela janela, sentindo um medo querer se apossar de mim, pois sabia que estava perto de não ter qualquer consciência e controle de mim.
─ Quem te faria mal? ─ Jackie questionou. ─ Diz, mãe, e eu não deixo que chegue perto de você.
─ Jackie... ─ Encaro seus olhos por um longo momento, mas fico incapaz de dizer algo, ao invés disso toco meu peito e encontro o pingente. ─ É provavelmente melhor que seja você a guardar isso.
Retirei o colar do pescoço e coloquei nela, sentindo um peso ainda maior ao ter que colocar essa responsabilidade em cima dela; mas ela era a minha filha, a única que podia confiar meu destino. Se havia alguém que poderia me acordar dessa maldição, era ela.
─ Eu amo você, vejo você em breve.
Seus olhos encheram de lágrimas, um misto de tristeza e medo. Eu queria segurar sua mão para enfrentar essa nova cidade, essa fase, mas tudo o que vi no instante seguinte, foram as chamas num quarto escuro. Elas iluminaram uma infinidade de reflexos em espelhos ao meu redor, dando um aspecto claustrofóbico, sem saída. A fumaça cobria o teto, não havia janelas nem portas, somente o fogo.
─ Tudo bem, não é uma simples maldição do sono. ─ Afirmei. ─ É só manter a calma. Eu posso controlar o fogo, ele não me machuca.
Lentamente sentei no chão, buscando me acalmar. Seria impossível marcar o passar do tempo naquele ambiente caótico, então eu precisava me concentrar para não perder a cabeça. Eu sabia que haveria consequências ao tentar burlar as intenções de Peter de me matar, mas se estava ali, significava que meu corpo estava vivo em algum lugar. Eu só tinha que aguentar firme até a ampulheta marcar o tempo certo para as tentativas de me acordar começarem.
─ Você é tão patética. ─ As palavras ecoaram com acidez, vibrando em mim como se eu mesma as tivesse dito. ─ Sentada, esperando por salvação, achei que tivesse aprendido nessa altura que ninguém virá.
─ Você está sozinha. ─ Outra voz, outro eco. ─ Ninguém se importa.
Ergui a cabeça em busca da origem, mas não havia ninguém ali, somente eu e a crença de que estava ficando maluca. Por que parecia tão real? Fechei os olhos e respirei fundo, tentando me lembrar de que a realidade era simples: eu estava amaldiçoada, então não seria como uma simples noite de sono, os pesadelos seriam reais. Tudo podia acontecer para me fazer perder a crença de que iria acordar.
Eu tinha feito várias pesquisas quando cheguei no mundo sem magia, em busca de qualquer informação sobre a maldição. Foi como descobri as histórias de contos de fadas, quando me questionei o motivo de não estar em nenhuma delas, mas acima de tudo, busquei formas de quebrar o feitiço de Pan. Claro que não haveria nada na internet ou nos livros, não diretamente, mas pelo menos ajudou a tramar formas de não morrer quando acontecesse. Havia fontes muito interessantes, até cheguei a conhecer algumas pessoas, o que me ajudou a entender os efeitos de um feitiço como aquele. Confesso que as vozes eram novidade, e isso me assustava um pouco.
─ Você é uma decepção. ─ Mais uma ecoa, agora sem raiva, mais com muita mágoa.
─ Achei que você seria melhor do que eu, mas olha onde está. Tantos anos ao seu lado, para agora você ser uma incompetente.
Eu não fazia ideia de quem eram essas vozes, mas no fundo parecia fazer sentido, como se eu soubesse, mas não lembrasse. Será que era a parte do meu passado que eu não lembrava? Isso me fez pensar em Malévola e na teoria de que éramos ligadas de alguma forma. Como se eu fosse um dragão, mas não soubesse abrir as asas.
─ Você não pode controlar seu monstro, então não merece tê-lo.
─ É parte de mim, você não pode me tirar isso! ─ Parecia minha voz, só que mais aguda, como se fosse mais jovem.
Meu corpo pareceu ficar quente, naquela fúria que eu conhecia muito bem. Foi como se o fogo quisesse me consumir, só que de uma forma muito mais intensa e avassaladora, com uma coisa que eu não conseguiria controlar. Primal e feroz.
─ Você não tem mais ninguém, por que está se controlando?
Jackie, eu tinha Jackie. Se eu precisava manter o controle, era por ela. Não podia dar margem para algo que fosse magoá-la ou machucá-la, e se controlar aquela fúria inexplicável era uma forma de a proteger, que seja.
─ Você precisa acordar. Está tudo um caos. ─ Eu conhecia essa voz, era recente. ─ Ela precisa de você, Sam. Jackie precisa de você.
─ Você não é minha mãe, nunca foi. ─ Era Jackie agora, dessa vez virei a cabeça, buscando por ela, mas tudo continuava igual.
Levantei, sentindo um desespero crescer no meu peito. Aquilo parecia tão real, tão intenso. Eu precisava sair dali, tinha que encontrar Jackie, provar que éramos uma família. Se as chamas ao meu redor não me machucavam, então se as fizesse desaparecer, poderia enfim encontrar uma saída.
─ Sam? ─ Para essa voz eu bufei, pois além de reconhecer Emma, eu vi sua figura mais a frente. Parecia com medo do fogo, da escuridão, talvez até de mim.
─ Você é real? ─ Perguntei em dúvida, pois depois de tudo que ouvi, era novidade ver alguém.
─ Sim. Eu vim te tirar daqui.
─ Você? ─ Estranhei.
─ É o meu trabalho manter as pessoas na cidade em segurança. E você faz parte dela agora. Então preciso que confie em mim.
─ Achei que quisesse me ver longe da sua cidade.
─ Foi um erro. Agora sei que não quer o mal de ninguém. Nós precisamos sair daqui, não temos muito tempo.
─ Como? Não tem uma porta.
─ Você só precisa segurar minha mão.
─ Simples assim? Ou você não está vendo todo esse fogo?
─ Achei que você não se queimasse.
─ Eu não, já você...
─ Você pode fazer algo sobre isso? Eu não sei, diminuir, para que eu possa chegar até você?
─ Não é tão simples. O fogo não é meu. Eu consigo começar a diminuir, mas você precisa ser rápida.
─ Vamos fazer isso, juntas.
Ela se preparou, então comecei a me concentrar no meu poder, sentindo a intensidade das chamas ao meu redor. Fiz com que diminuíssem, elas perderam a força, mas lutavam para voltar ainda mais forte. Emma entendeu mesmo sem eu dizer nada, então correu na minha direção, usando os próprios poderes para afastar os espelhos e se colocar próxima de mim.
─ E agora? ─ Questionei, tentando manter o fogo estável.
─ Agora nós saímos daqui. ─ Ela segurou minha mão, e uma intensa luz branca brilhou do corpo dela e quase me cegou.
Quando dou por mim, estou deitada numa cama, ao lado de uma poltrona onde Emma estava. Nós duas acordamos juntas, e felizmente não era naquele quarto em chamas. Sentei no colchão, sentindo um cansaço estranho, em vista que acordei de uma maldição, achei que me sentiria bem, mas não.
─ Sam? ─ A voz rouca de Regina chamou minha atenção, então levantei a cabeça para a olhar. ─ Está tudo bem?
─ Acho que sim. É só... estranho, estar de volta. Não parece real.
─ É normal se sentir assim, mas vai passar com os dias. ─ Emma tentou me confortar, e eu a olhei.
─ Eu não quero ser uma idiota, mas como você entrou na minha cabeça? Eu nem sabia que era possível.
─ Nós tivemos alguns problemas para conseguir entender sobre a sua maldição, para então podermos agir. ─ Ela explicou. ─ Soubemos que era possível te tirar de lá, se alguém também fosse amaldiçoado. Assim estaríamos no mesmo lugar, com a diferença de que eu teria uma espécie de corda para nos puxar de volta.
─ Que tipo de corda?
─ Um objeto mágico. ─ Ela me mostrou a mão, do qual segurava um anel, que eu reconheci o estranho pingente da ampulheta, retorcido e esticado para virar uma argola. ─ Isso era a sua ligação com a realidade para conseguir te trazer de volta.
─ Você se deixou amaldiçoar para ir me buscar? ─ Aquilo me deixou surpresa, sem realmente acreditar.
─ É o meu trabalho. ─ Ela sorriu, de repente simpática.
─ Eu iria, mas alguém tinha que ficar aqui e certificar de que essa vez nada daria errado. ─ Regina alegou, o que me fez estranhar.
─ Vocês tentaram antes? O que deu errado?
─ Escuta, várias coisas aconteceram nesse tempo que ficou sem consciência. É melhor usar hoje para descansar e se recuperar.
─ Eu posso fazer isso. Estou um pouco zonza. ─ Suspiro, pois era verdade. ─ Onde está Jackie? Preciso saber como ela ficou.
─ Ela não está aqui, mas está bem.
─ Onde ela estaria? ─ Olho pela janela ao lado, vendo um jardim com macieiras, mas já sob a luz da noite.
─ É complicado. Você pode falar com ela amanhã, mas hoje é melhor que descanse.
─ O que aconteceu com Jackie? ─ Insisto, ficando preocupada.
─ Muita coisa aconteceu nesse ano, é difícil explicar agora. ─ Emma falou, o que me deixou perplexa.
─ Eu esperava alguns meses, mas um ano? ─ Levanto e caminho alguns passos no quarto, tentando absorver a notícia. ─ O que aconteceu com Jackie nesse ano?
─ Eu preciso que fique calma. ─ Regina se colocou a minha frente com uma expressão séria. ─ Nós vamos falar sobre isso, mas primeiro você tem que se acalmar.
─ Ela está bem? ─ É o que pergunto.
─ Sim, está. O problema é com quem ela está. ─ Ela suspirou e esperou alguns instantes. ─ A mãe biológica dela apareceu e... Agora ela tem a guarda de Jackie.
─ O quê? ─ Minha boca abriu, mas fui incapaz de dizer algo por um longo instante. ─ Os pais morreram num acidente, estava na ficha dela.
─ É mais uma das coisas que Zelena inventou, aparentemente. Só não tivemos tempo de descobrir o que ela quer agora, enquanto lidávamos com o seu sequestro.
─ Me sequestraram enquanto eu estava amaldiçoada? Como vocês perderam um corpo assim?
─ Minha casa é protegida com feitiço, mas tem algumas exceções. Então eu não esperava que Jackie faria algo assim.
─ Vocês querem que eu acredite que minha Jackie me sequestrou para que eu não fosse acordada da maldição? ─ Aquilo era um absurdo, mas as duas estavam incomodadas com o fato. ─ Ela nem tem poderes, como faria isso?
─ Ela tem, assim como a mãe... biológica. ─ Emma falou devagar, mas foi como sentir uma pancada, então voltei a me sentar na cama, buscando absorver, mas parecia impossível. ─ Ela teve ajuda de uma outra mulher, mas as imagens da câmera de segurança não deixam claro de quem se trata.
─ Escuta, Sam, é muita coisa para saber. Podemos deixar isso para amanhã, e hoje você descansa. ─ Regina sugeriu.
─ Desculpa, eu sei que vocês querem ajudar, mas eu preciso ver minha Jackie agora, e sei que vão tentar me impedir, então... ─ Balancei a cabeça e estalei os dedos, fazendo com que elas caíssem sem nenhuma consciência no chão. ─ Desculpa, mas sem Jackie eu não tenho nada.

Ascensão das ChamasOnde histórias criam vida. Descubra agora