Deriva 1°

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Comia um pão com uma mão e dirigia com a outra, enquanto cantava desafinado o álbum relançado da Taylor. Já estava quase chegando à faculdade quando parei o carro em frente à entrada do campus ao avistar Alex, o representante de turma, carregando algumas caixas.

— Quer uma carona, moço? — brinquei, abaixando a janela do carro e apoiando o braço na borda.

— Menshyer! — Ele sorriu de maneira contagiante; devo ressaltar que seu sorriso era realmente encantador. — Chegou cedo.

— Estava morrendo de saudades da tortura da universidade — desci do carro e o ajudei com uma caixa, colocando-a no banco de trás antes de entrarmos novamente. — E você?

— Sou ajudante de biofísica do pré-graduação, então tenho que chegar cedo para verificar toda a papelada e ajudar a secretária — ele explicou, e eu não entendi nem metade. O fato de Alex ser o representante da minha turma era uma coisa, mas ele também se desgastava para ajudar quem estava começando a faculdade? Isso era uma novidade.

— Tem algum ponto em você que não seja um gênio? — falei enquanto dirigia até a área dos nossos dormitórios.

— Passei o feriado na casa de um ficante — o tom de voz dele parecia envergonhado, e eu não consegui evitar um risinho. Era a primeira vez que não era eu o tímido na conversa, e era fofo pensar que ele estava compartilhando um pouco de sua vida pessoal comigo. Não éramos tão próximos, mas como nos víamos com frequência nas aulas, já estávamos acostumados um com o outro.

— Uuuh, aproveitou para caramba! — estacionei na entrada e olhei para ele. — É do nosso campus o ficante?

— Não seja fofoqueiro.

— Eu não sou! Que ofensa! — Nunca havia fofocado nada da nossa turma, exceto para a Aubrey e o Kel, é claro.

— Bem... — Ele passou a mão na nuca, um gesto que sempre achava adorável. — É um garoto do nosso curso... que já está no 3º ano.

— Que inteligente! Pegando alguém que já sabe a matéria. — Ele bateu no meu braço, e eu ri. — É bom que você relaxe um pouco a cabeça, senhor representante.

— Não é nada sério.

— E não precisa ser! — Pisquei para ele e logo estávamos os dois jogados no sofá da área central dos dormitórios, conversando sobre coisas nada héteras da nossa parte. Descobri que Alex era bi e que, no quesito "santinho", ele só se mostrava na universidade, o que era um alívio.

— Oi! — A voz tímida que eu tanto gostava tocou meus ouvidos, e eu levantei-me feliz do sofá, correndo até a entrada, quase derrubando o dono da voz.

— Oi! — O apertei tão forte. — Você tá bem? — Afastei-me apenas o suficiente para rodear ambas as mãos em seu rosto e notar um curativo sobre sua sobrancelha.

— Está tudo bem — ele afastou minhas mãos com cuidado e beijou o dorso de uma delas.

— O que foi isso? — Perguntei, passando o dedo suavemente sobre o curativo. — Aquele velho...

Ele me interrompeu, soltando um riso suave.

— Basil, tá tudo bem. Estamos de volta na faculdade. — Estreitei os olhos, desconfiado, enquanto ele me roubava um selinho, tentando me convencer. — Senti sua falta.

— Eu senti mais! — Não consegui evitar beijá-lo de volta; estava tão preocupado, e tê-lo sorrindo entre meus braços era um alívio.

Eu estava prestes a perder bons minutos apenas admirando meu namorado, quando ouvi o som que Alex fazia com a garganta.

— Ah, Sunny, esse é meu representante de turma em Anatomia — apontei para Alex, que estava com o rosto meio avermelhado. — Alex, esse é o meu namorado que você já conhece da arrecadação de fundos que fizemos.

— Um prazer! — Sunny esticou a mão, e Alex fez o mesmo.

— Vocês formam um casal fofo.

— É porque eu sou muito — falei, cheio de autoestima. Às vezes, eu conseguia ser metido.

— Quando ele quer — Sunny completou, esbarrando meu ombro no dele.

Alex apenas negou com a cabeça, rindo, e pegou a caixa que havíamos deixado na escada.

— Vou terminar essa papelada, vejo vocês por aí. — Ele acenou de forma atrapalhada, tentando equilibrar a caixa.

— Até, Alex! — esperei ele subir e segurei a mão do meu incrível namorado. — Quer dar uma volta?

— Queria conversar com você. Melhor, vamos para o quarto. — Senti uma pontada no peito, mesmo ele tentando esconder a seriedade no olhar.

— Claro. — Segurei a mão dele, indo em silêncio até meu quarto. Minha cabeça estava cheia de pensamentos. Talvez ele fosse me contar o que aconteceu com os pais dele; meu fôlego parecia escasso.

— Respira — ele disse, tocando minha bochecha, e eu voltei à realidade. Estávamos no meu quarto. Tomei um fôlego.

— Desculpa.

— Calma, não precisa sobrepensar isso — seu polegar acariciou suavemente minha bochecha.

— O que aconteceu? — segurei a mão dele que estava tocando meu rosto.

— Foi cansativo. Você sabe como são eles. Queriam enfiar na minha cabeça que eu estava apenas decepcionando a família e que era uma honra manter o legado como único filho vivo — a voz dele soava exausta, e eu percebi o quanto aquele assunto o afetava. — Eu sou grande demais para ele me dar uma surra, então ele passou a noite com aquele discurso idiota.

Estreitei os olhos, sabendo que, pelas marcas visíveis, ele estava mentindo no final.

— Não precisa mentir pra mim — toquei o casaco dele, tirando-o mesmo ele tentando se afastar. — Sunny...

Ele suspirou, e eu levantei brevemente a camisa dele, revelando marcas vermelhas.

— Eu vou matar aquele velho imbecil! — Senti meu sangue ferver nas veias.

— Esquece isso! — Ele afastou minhas mãos, e eu senti meus olhos se encherem de lágrimas.

— Isso não tá certo! — esbravejei, a indignação transbordando.

— Eu sei, eu sei...

Como ele conseguia aguentar isso? Como podia estar tão calmo? Soluçando, puxei-o pela camisa e o abracei, acariciando suas costas.

— Nunca mais, nunca mais! Não vou deixar aqueles velhos loucos tocarem em você. Não vai mais sair do meu lado.

Escutei um risinho e senti suas mãos me envolverem também.

— Meu herói! — Ele deu beijinhos na minha cabeça, depois na bochecha e no queixo. — Não precisa me proteger.

— Somos um casal, protegemos um ao outro.

— Eu dou conta de lidar com eles. Estou aqui, certo? Eu consigo.

— O que prometeu a eles? — cruzei os braços, sem querer deixá-lo escapar.

— Nada. Eu apenas não concordei em silêncio. — Ele tentou me puxar para um abraço, mas eu empurrei sua mão.

— Basil, eu juro.

— Não quero que lide sozinho! Não quero que guarde tudo isso pra você! — Mas eu não podia forçá-lo a falar sobre algo que ainda não se sentia seguro. Tive que pensar em como ajudá-lo a se separar desse vínculo tóxico que só piorava as coisas. — Eu... eu te amo e não quero que nada ou ninguém te machuque.

— Eu sei — a voz dele saiu baixa, e vi seus olhos se encherem de lágrimas. — Eu também te amo. — Ele insistiu em me abraçar novamente, e eu cedi, grudando nele. — Eu te amo de maneiras que não consigo entender. Você não sabe o quanto só tê-lo comigo, ouvi-lo, senti-lo, me faz bem. Eu não sei o que seria de mim sem você.

𝒬𝓊𝒶𝓃𝒹𝓸 𝓮𝓵𝓮   𝒗𝒐𝒍𝒕𝒂𝒓 - OMORI Onde histórias criam vida. Descubra agora