After

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Às vezes, nos perdemos tanto em nós mesmos que mal percebemos o tempo passando. Eu passei um ano assim, desde que Sunny compartilhou tudo que aconteceu, preso nas teias dos meus sentimentos e paranoias.

Era verdade que eu estava bem. Tinha meus amigos de volta, o peso do mundo fora da minha consciência e, claro, a ajuda de um terapeuta. Algumas vezes, Kel ligava para Sunny, que atendia com um tom leve, como se tentássemos reatar uma amizade desgastada, mas que ainda tinha seus laços.

Eu mentiria se dissesse que estava vivendo meu final feliz. Talvez fosse apenas uma fase típica da adolescência ou o eco dos quatro anos de silêncio que nos separaram. A essa altura, não sabia mais o que me destruía por dentro; esse tema frequentemente aparecia nas minhas sessões de terapia.

— Basil? Basil! Terra chamando! Você viu meu arremesso, né? Foi divino! — A voz de Kel me tirou dos meus devaneios. Eu estava sentado no canto da quadra de basquete, onde ele e Aubrey me arrastavam como se eu fosse o irmão caçula deles. Amo isso neles, mesmo não tendo a mesma energia que eles.

— Desculpa, eu…

— Estava viajando de novo? Começo a suspeitar que você anda plantando coisas suspeitas... — Não consegui conter o riso. Como ele era bobo!

— Está interessado em comprar? — devolvi, enquanto ele balançava a cabeça freneticamente. Era óbvio que estávamos brincando.

— Chega de ficar sentado! — Ele me puxou pelos braços, me arrastando para a quadra. Já mencionei como Kel cresceu esse ano? Ele se tornou alto e forte, Hero ficará surpreso com a transformação desde que entrou para o time de basquete.

— Estou cansado — reclamo, e ele coloca a bola em minhas mãos.

— Dribla-me! — diz ele, ignorando minha resistência e fingindo estar jogando sério. Eu tentei quicar a bola, mas foi um desastre. — Isso! — Ele me deixou passar, quase sem resistência. Sinto-o se posicionar atrás de mim, envolvendo meus braços com os dele para me ajudar a mirar. — Impulsiona só com uma mão.

— Não estávamos jogando contra? — pergunto, sorrindo. Ele faz uma careta, ajeitando minhas mãos. E boom! A bola passa pela cesta. Tentei me manter sério, mas não consegui conter o sorriso.

— Estou na frente por um ponto!

— Na verdade... — Ele parecia prestes a dizer algo, mas balança a cabeça. — Isso aí! — e me estende a mão para o famoso "toca aqui".

— Vocês são dois bobões juntos, sabiam? — A voz doce de Aubrey nos fez virar. Ela entrou na quadra, nos encarando com uma expressão divertida. — Se agarrando no meio da quadra!

— Que horror, Basil é como minha irmazinha! — Kel fez uma careta. — Vocês entenderam!

Eu mal sabia quicar uma bola, mas passei a tarde toda com eles jogando "basquete" até que Kel ganhou. Tivemos que voltar para casa, já que nossas mães eram bem restritas com horários após o caso do hospital. Eu literalmente ceguei Sunny de um olho, e sabemos por que.

Nunca pensei que suaria tanto. Deveria ter tirado meu suéter, mas amanhã ainda é sexta, e me recuso a lavá-lo. Vou ter que ir com qualquer roupa. Enquanto divagava sobre como poderia me vestir como um mendigo, uma notificação brilhante apareceu no meu celular.

Basil! Ei, ei, ei! Novidades!

Amanhã não tem aula e posso dormir????????? respondi, sonhando com uma bela manhã de sono.

Credo, a nota ruim sou eu, não você! T-o-d-a-v-i-a, a novidade é boa, senhora! Aubrey pediu que não te contasse, porque fica preocupada com você e Sunny, mas não vou encobrir. Sunny está vindo para Faraway. A mãe dele e a minha concordaram em deixá-lo em minha casa, com o aviso de "nada de Basil" da mãe dele. Ela realmente teme que você o cegue de novo, e vocês terminaram de bem... Sério, cara, até hoje converso com meu psicólogo sobre vocês se abraçando depois de quase se matarem. Mas foco! Ele vem por algumas semanas por causa de alguma coisa na família dele, vai saber... Tudo bem para você, né? Quando eu ligar para ele, vocês se dizem oi...

Até por mensagem, Kel falava demais. Espera, Sunny? Por que ele está voltando? Eu realmente o amava como amigo e ainda o considerava próximo, mesmo com a distância e tudo. No entanto, tê-lo de novo em minha frente... não sei. Mesmo após meses de terapia, ele continua sendo meu ponto fraco e forte, minha confusão. Eu... o desejei tanto, o protegi tanto e quis sua proximidade quando tudo se resolveu, mas isso parece ter acontecido há anos, mesmo que não tenha.

Tá — respondo, sem saber o que pensar, e me jogo na cama, só de cueca. Adormeci já de madrugada, e tudo que sonhei foi nele. Éramos crianças de novo, com 12 anos, o olhar dele, os abraços, o nosso medo, Mari.

— Basil? Escola, querido — sinto a voz distante da minha babá da cozinha e acordo como se o sol me odiasse. As plantinhas agradecem, mas eu odeio dias ensolarados. Sem saída, arrumo-me às pressas e já aguardo Aubrey. Meu coração salta quando chego na esquina da minha casa, onde sempre a encontrava para ir ao colégio.

— Por que está tremendo? — Ela mal me vê e já nota. — Não acredito, Kel te contou, né? Vou arrebentar aquele fofoqueiro. Ba, calma — Ela segura minha mão, como sempre faz quando preciso. Por deuses, Aubrey é a melhor amiga que eu poderia pedir. Até cogitamos nos tornar um casal... Sim, foi em um dia bem doido, no entanto, no mesmo dia me reconheci gay e ela bissexual com um só beijo. Até hoje rimos disso. Mas voltando ao foco, sim, eu estava muito nervoso.

— Eu estou, só, muito tempo sem...

— Eu sei, eu sei — ando junto a ela, entrelaçando nossos dedos. — Ver ele te deixa nervoso e ansioso. Vocês passaram por muita coisa, mas são amigos, não? Não vai acontecer nada.

Tento respirar fundo para me acalmar; precisava focar ou ficaria apavorado.

— Sunny! Sunny! C'mon, sorria! Assim vão achar que você quer bater em alguém! — Engulo em seco, levantando o olhar para as duas pessoas que discutiam à nossa frente.

— Sunny...

— Basil...

Eu o vejo, e deuses...

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𝒬𝓊𝒶𝓃𝒹𝓸 𝓮𝓵𝓮   𝒗𝒐𝒍𝒕𝒂𝒓 - OMORI Onde histórias criam vida. Descubra agora