Maria.
Desde que tinha acordado, permaneci na cama, tive que tomar alguns medicamentos para dormir, pois somente assim conseguiria amenizar a dor insuportável do buraco aberto no meu peito.
Toda vez que abria os olhos, lembrava que não era pesadelo. Meu pai tinha partido e nada o traria de volta.
Já passava das três da tarde quando alguém bateu à porta. Apenas coloquei uma blusa por cima do pijama, pois não usava sutiã e era um tanto transparente e fui abrir.
— Pietro? — Não esperava sua visita.
— Posso entrar? — Sua boca se curvou num sorriso refreado. Dei espaço a ele.
— Você não está bem Maria, há quanto tempo não dorme direito? — Se aproximou, tocando meu braço carinhosamente.
— Tenho dormido há base de remédios, então considere isso — Ri sem humor, indicando que sentasse no sofá.
Através do reflexo dos seus olhos, pude ter uma pequena noção do quanto estava horrível. As olheiras fundos, o cabelo despenteado, não me surpreenderia se estivesse cheirando mal também.
— Que tal se sairmos um pouco? Vamos tomar um café, podemos até combinar com meus amigos e assim os conheceria — disse, pegando em minhas mãos.
— E o que vai dizer a eles? Que é meu cliente? Quando perguntarem no que eu trabalho? — indaguei, sem um pingo de vontade de aceitar aquela ideia idiota.
Me desvencilhei, indo até à cozinha, cafeína era a única coisa que poderia tornar aquela conversa mais tolerável.
Pietro soltou um grunhido, se ajeitando no sofá.
— Não precisamos falar sobre isso agora Mari...
— Não? Só ignorar o fato de que eu sou uma prostituta, que tenho HIV? No momento em que te questionarem, o que vai dizer? Inventar algo esfarrapado como "ela é atendente, balconista", ou seja lá o que? Quanto vale seu amor? A ponto de se submeter a isso, a este fardo que sempre pesará entre nós? — Fiz aspas com os dedos, enfatizando.
— Eu não me importo com isso! Nem vou de maneira alguma te constranger ou te colocar nessa situação, te pressionar a revelar uma parte da sua vida que já deixou para trás! — Levantou-se, vindo até mim.
— A questão não é o que você vai fazer, é o que eles fazem! Já basta todo dia naquela universidade, as piadinhas, os olhares nojentos, acha que suporto isso por escolha? Não, é um maldito buraco da qual eu não consigo sair! — Quase perdi o controle, exaltando a voz.
— Eu também tenho meus erros, meu passado, eu sou seu professor e o julgamento das pessoas não vai mudar o que sinto por você Maria! — As palavras escaparam com pesar.
— Não é nem de longe a mesma coisa, sabe disso, terá que fazer uma escolha, uma hora ou outra, desde muita nova, tenho que sobreviver — Senti uma brusca falta de ar atingir a boca do estômago.
— Eu escolho você, eu escolhi estar apaixonado por você, e farei de tudo para te ajudar, mas precisa deixar o orgulho de lado Maria, se permitir tentar! — Persistiu, com os olhos marejados.
O afastei de mim, recuando alguns passos e negando seu toque.
— Eu não sei como, não consigo... me sinto mal, a minha dignidade, eu... você não pode dizer isso, não diga que está apaixonado por alguém como eu Pietro — Pedi, contendo a vontade de chorar e desviando olhar para um canto qualquer.
— Eu não vou desistir de você ¹mon cher— Me puxou delicadamente de volta e me envolveu num abraço aconchegante.
— Não tenho nada a oferecer, não tenho ninguém no mundo, nem sequer mereço que me trate assim, sabendo do meu passado que ainda está aqui — sibilei, afundando o rosto entre as mãos sobre seu peito.
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Somos feitos de sangue e mentiras [Finalizada]
RandomTaissa é uma estudante de astronomia que por obséquio do destino acabou se afastando de seu amigo. Quando as aulas voltaram na universidade em que estudam, os dois retomam convivência, ela acaba notando estranhos comportamentos do ex-amigo, sem imag...