Capítulo 12: Olhem Para Trás!

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Vitor, André e eu, seguimos na frente, com os quinhentos clandestinos nos seguindo um pouco atrás. Depois de percorrermos apenas três vagões, ou seja, quando estávamos no vagão nove mil novecentos e noventa e oito, olhei para trás e o grupo não estava tão próximo como pensei. Havia esquecido de que chegáramos aos primeiros vagões que possuíam janelas. E assim como eu, eles também ficaram maravilhados ao ver o mundo exterior pela primeira vez. Nós nos juntamos a eles.

O trem estava passando sobre uma ponte e os trilhos depois dela levavam a uma curva. Através da janela, vimos as montanhas em algum lugar da América Central, todas cobertas de gelo. Já que estávamos próximos ao final do trem, pudemos ver quando grande parte dele fez a curva.

—O trem parece infinito! — Gritou Vitor.

De fato, o Expresso Frostcruiser realmente parecia infinito; os vagões se perdiam no horizonte.

Quando a emoção passou um pouco, seguimos rumo à fronteira com a Terceira Classe, no vagão nove mil e novecentos. Sempre que passávamos por uma janela um pouco maior do que o convencional, todos diminuíam o passo para admirar a paisagem morbidamente congelada.

Um pouco depois, chegamos ao vagão nove mil novecentos e quarenta e nove, onde as barras de proteína que nos alimentaram por nove anos eram fabricadas. O vagão era preenchido por uma grande máquina composta por tubos e reservatórios.

Em um dos reservatórios, havia um letreiro que dizia "entrada". Presumi que ele continha os ingredientes que compõem as barras de proteína. Aproximei-me para finalmente saber do que eram feitas.

— George... É melhor você não olhar... — Disse André, preocupado.

A curiosidade falou mais alto. Eu abri a tampa, e me arrependi imediatamente!

— Insetos! Nos alimentam com insetos! — Exclamei. André tentou explicar.

— George, o Sr. Nylton não estava disposto a ceder parte da agricultura para alimentar o que ele chama de "parasitas". Estes insetos são justamente os parasitas que vivem nos vagões agrícolas.

Decidi manter isto em segredo para evitar que o grupo desanimasse.

Chegamos na fronteira. André pegou o telefone na lateral do vagão para se comunicar com Rebeca e saber o que ela tinha em mente. O telefone tinha um alto volume. Tão alto, que consegui ouvir a conversa inteira de onde eu estava. André segurou o telefone, apertou a tecla correspondente à classe com a qual queria se comunicar, a Primeira, e o número do vagão da Senhora Martínez. Segundos depois, Rebeca atendeu; ela já aguardava a ligação.

— Rebeca, chagamos na fronteira da Terceira Classe. Nenhum guarda até agora. — Disse André.

— É muito bom ouvir isso, André! O final da Terceira Classe é o local menos vigiado do Expresso Frostcruiser; é a pior favela do trem! Não demorará muito para os guardas descobrirem a fuga, então Ajam rapidamente! — Respondeu Rebeca.

— Qual o seu Plano?

— Ele é simples, porém eficiente. Qual a coisa mais importante do Expresso, depois do motor eterno? Eu mesma respondo: os sistemas de agricultura! Eles são a única coisa que torna possível a manutenção da vida no trem. Meu plano é este: todos os agricultores do trem pertencem à Terceira Classe. Convença-os a se rebelar, e o trem inteiro será nosso. Caso contrário, todos morrem de fome.

— Como os convenceremos a se rebelar contra o Sr. Nylton?

— Muitos da Terceira Classe também estão contra o Nicolas. E praticamente ninguém no trem sabe da existência dos clandestinos, exceto os militares. Usem isto ao seu favor. Tenho que desligar. Minha tia está chegando. — Rebeca desligou.

André usou um cartão que todos os guardas possuem para abrir a fronteira. Ele foi o primeiro a entrar no vagão. A fronteira abria diretamente para a favela. André se aproximou da lateral do vagão, onde estavam alguns itens utilizados para a manutenção. Ele pegou uma escada de cinco degraus, alta o bastante para ser visto por grande parte dos presentes. Algo mais eficiente do que o banquinho que eu utilizara. Também pegou um megafone que ali estava:

— Atenção passageiros da Terceira Classe! Disse ele em alta voz no megafone.

— O que vocês sabem sobre o vagão dez mil e um, aquele que será desconectado amanhã? Pensam que é apenas um vagão vazio? Mas por qual motivo um vagão vazio seria tão vigiado? O Sr. Nylton nos enganou durante todos esses anos! Ele não é o salvador da humanidade, é apenas um homem cruel e egoísta! Se vocês pensam que as condições as quais ele os submeteu são ruins, saibam que existem coisas muito piores. Nylton confinou quinhentas almas no mencionado vagão; restringindo-as a tudo. E pretendia matar todos de uma única vez amanhã.

As pessoas presentes no local ficaram confusas. Eu peguei o megafone das mãos de André e pedi para que ele descesse. Em seguida subi na escada com o megafone em mãos:

— Passageiros. Vocês não me conhecem, mas me chamo George. Sou um dos que eram mantidos no fundo do trem. Eu já percorri esse trem da Primeira Classe ao último vagão, porém, existe algo que nunca consegui compreender. Vocês mantem o Expresso Fim do Mundo correndo. Vocês comandam a agricultura, os sistemas elétricos, hidráulicos, pneumáticos, limpeza e manutenção. No entanto, grande parte dos vagões pertencem a Primeira e Segunda Classe. Isso é justo? Compreendo que os passageiros da Primeira Classe pagaram mais dinheiro para estarem ali, mas o dinheiro não importa mais! O mundo já acabou, mas parece que ninguém quer admitir isso! Toda a agricultura pertence a vocês. Então por qual razão é o Sr. Nylton quem distribui os recursos?

André pegou o megafone da minha mão e disse baixinho:

— Qual parte do "pare de me interromper", você não entendeu?

Eu desci da escada e ele subiu.

— Quando um fungo atingiu as plantações, durante a quarta revolução*, quem salvou as lavouras? A Primeira Classe ou vocês?

Os presentes ficaram quietos por alguns segundos. De repente do meio deles, alguém levantou a mão com força e gritou alto: "— Fomos nós!" — André continuou a discursar:

— Nós, a Terceira Classe e os clandestinos, somos mais numerosos do que a Primeira Classe e o exército do Sr. Nylton. Que tal comandarmos todo este trem? O que me dizem? Vamos assumir a locomotiva?

A multidão de cerca de quinze vagões da Terceira Classe, juntamente com todos os clandestinos gritou tão alto que pude sentir o vagão vibrar, enquanto levantavam as mãos e em uníssono repetiam:

"— A locomotiva é nossa! A locomotiva é nossa! A locomotiva é nossa!"

Senti uma nova esperança aflorar a bordo da arca sobre trilhos.


*Revolução é o termo utilizado para se referir sempre que o trem completa uma volta entorno da ferrovia. Ou seja, a quarta revolução foi a quarta volta completa ao redor da Terra.

Frostcruiser: - O Expresso Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora