Capítulo 16: Consequências

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O barulhinho do meu relógio de bolso ainda me atormentava, parecia que podia até mesmo sentir os ponteiros girando dentro do bolso. Eu havia perdido totalmente a noção de tempo. Admirava a beleza das plantas no vagão e, simultaneamente, enchia a mente pensando na gravidade do que estávamos fazendo. Minha única segurança, era saber que o Sr. Nylton não poderia desconectar toda a Terceira Classe, ele precisa da agricultura para manter a vida a bordo.

Olhei o relógio, eram onze horas. Faltava apenas uma hora para o prazo dado pelo Sr. Santana se esgotar. André estava calmo; eu, visivelmente apreensivo.

O telefone na parede do vagão não parava de tocar. Provavelmente, era a elite do trem, pedindo informações. Ninguém atendia. O telefone tocou por horas. Todos apenas ouviram sem atender; como se admirassem o desespero dos privilegiados. Eu me levantei e me dirigi ao telefone. Queria falar com Rebeca, afinal, tudo isso era culpa dela. Queria saber o que está acontecendo do outro lado do Frostcruiser. Eu disquei o número do vagão da Sra. Martínez, onde Rebeca mora, ele tocou por alguns segundos e finalmente, alguém atendeu.

— Bom dia, sou o jardineiro George, com quem falo?

— Bom dia George, sou eu, Rebeca. Antes de qualquer coisa, quero que não se preocupe com a minha tia aparecer. Ela está no museu de arte do vagão dois mil.

— Rebeca, o que está acontecendo com este trem?

— George, o Expresso está caótico! A Primeira e a Segunda Classe estão cobrando os assessores do Sr. Nylton a cada quinze minutos. Isso nunca nos aconteceu antes. Meu plano está funcionando com a precisão de um relógio.

— Provocar um caos no trem fazia parte do plano?

— É a parte mais importante dele, George!

Devido à sobrecarga nas linhas telefônicas, a ligação caiu.

De repente, ouviu-se um barulho na porta da fronteira. Olhei o relógio: Meio dia. Alguém estava batendo na escotilha da fronteira. André a abriu; era o Sr. Santana.

— É sua última chance! Reabra a fronteira! — Gritou o Sr. Santana.

— Por quê? Já estão morrendo de fome? — Respondeu André, de forma irônica.

O próprio Sr. Santana fechou a escotilha e retirou-se. Quase que imediatamente, ouvimos a voz mecânica nos alto falantes da Terceira Classe:

— atenção! Devido às tentativas de rebelião, os passageiros da Terceira Classe, podem perceber uma grande queda no fornecimento de energia elétrica e na temperatura por tempo indefinido! As Industrias Nylton agradecem a compreensão.

Assim que os alto falantes foram desligados, as luzes dos vagões começaram a piscar e desligaram uma a uma. Em seguida, senti uma rajada de ar frio saindo dos dutos de ventilação. E o termômetro na lateral do vagão indicava que a temperatura caia rapidamente. Em vinte e cinco minutos, a temperatura se estabilizou em oito graus célsius.

Eu e os demais clandestinos, assim como alguns membros menos privilegiados da Terceira Classe, já estávamos acostumados com o frio. Entretanto, os outros passageiros não estavam acostumados com tamanha mudança de temperatura. Muitos caíram no chão tossindo.

— André, esse frio não pode prejudicar a agricultura? — Perguntei.

André estava tremendo de frio. Mas conseguiu me responder:

— Não se preocupe! Depois de várias safras, as plantas se adaptaram ao frio e a pouca luz. O mesmo aconteceu com os animais depois de várias gerações.

Tentamos nos aquecer como podíamos. Depois de mais duas horas, a temperatura voltou a cair, se estabilizando em dois graus célsius. Ninguém estava preparado para tal mudança de temperatura. Com exceção, talvez, de alguns clandestinos, que ainda mantinham os casacos e cobertores, os quais portavam durante o embarque. Eu mesmo estava tremendo de frio.

Sem opções, liguei novamente para Rebeca. Imaginei que o que acontece do outro lado do trem interfere diretamente em nós. O telefone tocou e Rebeca atendeu.

— Rebeca... Estamos congelando! Sabe o que o Sr. Nylton pretende fazer conosco?

— George... A situação aqui na frente vai de mal a pior! Não comemos nada desde o início do dia. Os passageiros estão indignados com o Sr. Nylton. Entretanto, alguns mantimentos na dispensa podem nos manter por mais de um dia.

— E a respeito dos planos do Sr. Nylton? Sabe algo?

— Infelizmente, sim! Nylton pretende derrubar a fronteira à força, caso não a reabram. Diga-me uma coisa, George: existe alguma maneira de passar pela fronteira?

— Sim, Rebeca. Há uma escotilha que permite o acesso entre o piso superior e o bondinho. Mas, para quê quer saber?

— George, preciso da sua ajuda aqui na frente para a próxima fase do meu plano. Preciso de suas habilidades como jardineiro. As dezenove horas, estarei na fronteira lhe esperando. Preciso que leve consigo duas dezenas de sementes do vagão-silo. Lhe asseguro que falta muito pouco tempo para assumirmos o controle do Expresso Frostcruiser.

A ligação caiu novamente. Consequência da queda no fornecimento de energia elétrica. Não podíamos fazer nada além de esperar por Rebeca. 

Frostcruiser: - O Expresso Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora