Capítulo 24: Os Trilhos Que a Vida Nos Dá

9 1 6
                                    

Rebeca desligou o microfone, levantou-se da cadeira e, antes de sairmos da locomotiva, reativou o piloto automático por mais algumas horas, e também apertou um botão pequeno, no painel se controle lateral.

— Este botão abre as fronteiras entre as classes. Não sei o porquê do Sr. Nylton fazer um botão para isso. Deve ser para alguma situação de emergência extrema. — Explicou Rebeca.

Saímos da locomotiva para ir ao salão de festas da primeira classe. Neste vagão, além das festas, são realizadas assembleias e comícios. Ele ficava no vagão número quatrocentos e noventa e quatro, e o bondinho facilitou a viagem.

Ao chegar lá, os principais representantes da Primeira e da Segunda Classe estavam à nossa espera. Era um grupo relativamente pequeno de pessoas; todos muito bem trajados. Um deles pôs um passo à frente e disse:

— Você ficou louca? Abriu a passagem para um bando de pobres invadir nossas mansões?

— Mais do que isso...— Disse Rebeca em tom irônico. — Também vou colocar vocês para trabalhar um pouco.

Alguns do grupo ficaram claramente enfurecidos e avançaram para bater em Rebeca, porém foram detidos pelos guardas, que apesar de tudo, sabiam que ela era a maquinista, e iriam defende-la.

Rebeca tentou explicar seu ponto de vista:

— Vejam bem... Todos somos serem humanos, os últimos que restam da humanidade. Por que causar divisão entre nós? Por que muitos têm que trabalhar para sustentar poucos? O trem é para todos!

— Eu respondo, Rebeca! — Gritou um deles. — porque nós pagamos grandes fortunas para embarcar nesta arca! E os passageiros da Terceira Classe eram apenas funcionários das Indústrias Nylton, antes do mundo acabar.

— Piores são os passageiros do último vagão! — Disse outro. — Eles são clandestinos. Não pagaram nada para embarcar! Nem deveriam estar vivos ainda!

— Tudo que faço é para o bem da raça humana. Acho melhor vocês se acostumarem aos novos tempos. — Disse Rebeca.

A última fala de Rebeca só serviu para enfurecer ainda mais o grupo. Rebeca e eu andamos aos poucos para trás, pois os guardas não conseguiam manter todos afastados, e temíamos pela nossa segurança.

Os gritos de indignação dos representantes foram interrompidos por sons de pessoas marchando, vindos dos vagões anteriores. Os sons foram ficando cada vez mais altos, até que os responsáveis por eles aparecessem. Em questão de segundos, um terceiro grupo surgira. Eles também estavam bem vestidos, porém, diferentemente dos representantes da Primeira e da Segunda Classe, as roupas que esse terceiro grupo usava, eram mais simples. Os ternos estavam desbotados, alguns até mesmo tinham a costura aparente; pareciam costurados à mão, com panos já usados. O mesmo valia para os vestidos das moças; davam ares de requinte, formalidade e cortesia, ao mesmo tempo, pareciam colchas de retalhos! Nas roupas destes, notava-se um legítimo esforço para parecerem pessoas de alta categoria, todavia, não era difícil perceber que eram pessoas sem muitos recursos e humildes. Logicamente, eram os passageiros da Terceira Classe!

André, uniformizado, os liderava. Olhou para nós, tentando transmitir superioridade. Em seu olhar, era claro que estava contente com sua nova posição no trem. Apesar de ainda não sabermos qual é, ele parecia alguém de respeito e autoridade.

— André? Estou surpresa por encontra-lo aqui! Como percorreram mais de cem quilômetros tão depressa? — Perguntou Rebeca empolgada.

— As fronteiras foram abertas a pouco, mas assim que o Sr. Nylton foi morto, já derrubamos a fronteira com a Segunda Classe. Estamos a dias nesta caminhada e, felizmente, ninguém nos viu. A Terceira Classe se reorganizou a algum tempo. Agora, sou o líder da Terceira Classe do Expresso Frostcruiser. E estes, são os representantes de lá. Os clandestinos juntaram- se a nós; agora somos uma única classe. — Respondeu André.

Um dos representantes da primeira classe se virou incrédulo e perguntou à Rebeca:

— Este rapaz me parece um dos guardas das Industrias Nylton, a julgar por seu uniforme. Como pode estar ajudando a Terceira Classe?

— Foi ele quem nos ajudou a tomar o controle do trem.— Respondeu Rebeca.

Os representantes das altas classes se olharam espantados e em choque. Perceberam que sua sociedade já estava desmoronando a muito tempo.

— É bom saber que o outro lado do trem está em ordem...— Disse Rebeca.

— Você chama isso de ordem? — Um membro da primeira classe a interrompeu aos gritos. E continuou: — O Frostcruiser está um caos! Todas as classes estão se misturando! Eu nem ao menos sabia que existiam passageiros clandestinos a bordo. Se é isto que você quer para o nosso trem, eu preferia o Sr. Nylton no comando. O trem deveria funcionar como antes!

André imediatamente aproximou-se deste. Estava pronto para agredi-lo. Ele disse:

— Você só diz isso porque não está na Terceira Classe! — Exclamou.

Felizmente, os guardas conseguiram afasta-lo.

Frostcruiser: - O Expresso Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora