Capítulo 18: O Vagão- Palácio

13 3 24
                                    

Estávamos no vagão mil duzentos e quinze. Subimos a escada para sair do túnel, onde o bondinho passa.

— Rebeca... Sabe que sua tia me odeia com todas as forças, não é mesmo?

— Fique calmo. Nossa mansão é grande o bastante para ela não lhe achar.

Ao fechar a escotilha que dá acesso a escada, paramos em um corredor, que ia de um lado a outro do vagão. Na lateral do corredor, uma porta grande, com vasos de flores. Na porta, o número do vagão escrito em dourado. Rebeca aproximou a mão da fechadura eletrônica, e a abriu com sua impressão digital.

— Bem-vindo a mansão Martínez. — Gritou Rebeca, sorrindo.

Pisei no tapete vermelho que estava no capacho e entrei na mansão. Diante de mim havia um enorme salão, era o hall de entrada. O salão tinha grandes janelas para admirar a paisagem gelada. No piso, carpete finíssimo; um piano de cauda próximo ao canto; pinturas de Van Gogh em todas as paredes; vasos de plantas nos cantos; um lustre de diamantes no teto e uma escada de mármore que dava acesso ao segundo andar. Enfim, um verdadeiro palácio sobre trilhos. Confesso que me lembrou muito o mundo antes da catástrofe.

— Depois daquela porta, fica a sala de jantar; no piso superior, os quartos e banheiros. Se virar à esquerda, verá a sala de leitura. Cuidado para não se perder aqui, George. — Disse Rebeca, apontando para as portas.

— Por favor, diga-me que a sua tia não está.

— Fique calmo, George. Ela é só uma velhinha.

— Uma velhinha terrivelmente chata e muito escandalosa! Mas, digo isto com todo o carinho, claro. — Disse quase com ironia.

Rebeca suspirou.

— Sei que no fundo, você está certo. Mas, ela foi a única pessoa que me acolheu neste maldito trem. Respondendo a sua pergunta, ela não está aqui. Passou o dia no museu de arte; provavelmente ficará mais algumas horas no planetário.

— Compreendo, Rebeca. Ao menos você ainda tem alguém da sua família. Bem... Vamos mudar de assunto. O que faço com essas sementes?

— Não vamos precisar delas por enquanto. Me entregue-as.

Rebeca pegou as sementes, se dirigiu até a sala de jantares, e as colocou no congelador. Assim, ficariam preservadas.

— Rebeca, pode por favor me explicar o plano agora?

— Claro que sim. Mas primeiro, permita-me preparar um café. Não gosto de receber visita em casa sem café. De qual tipo gosta?

— Bem forte e sem açúcar, por favor.

Rebeca se dirigiu novamente à cozinha. Eu me sentei no sofá de couro na sala de estar.

Fiquei alguns minutos observando os quadros na parede. Eram belas obras de arte. A maioria retratava paisagens naturais, as quais já não existem. Perto delas, havia um quadro enorme, com um grande 'N' estampado. Debaixo do enorme quadro, havia uma mesinha, que lembrava muito um pequeno altar. Sobre a mesinha, velas acesas e outras já queimadas. No chão, de frente para a mesinha, marcas de pés, como se alguém ficasse horas e mais horas em frente a ela. Fiquei observando a mesinha por um tempo; tão curioso que não vi Rebeca se aproximar carregando as xícaras de café foleadas a ouro.

— Odeio este quadro! — Exclamou Rebeca sentando-se ao meu lado.

— O que ele representa?

— Como explicar, George? É uma espécie de 'altar' que minha tia criou para o Sr. Nylton. Todas as manhãs e todas as noites ela vem aqui para agradecer ao Sr. Nylton por ter criado o Expresso Frostcruiser e vendido uma passagem a ela. Ela até mesmo acende velas.

— Sua tia deve ter conhecido o Sr. Nylton muito bem.

— George, pode-se contar nos dedos quantas pessoas neste trem já viram o rosto do Sr. Nylton, e lhe asseguro que a minha tia não é uma delas. Ela só fez tudo isso por causa do que Nylton deu a ela. Ela considera este trem como um grande milagre. Aliás, tenho certeza de que vários passageiros da Primeira Classe pensam assim. Duvido que agradeceriam ao Nicolas Nylton por alguma coisa se estivessem na Terceira Classe. Parando para pensar, o que o Sr. Nylton sempre quis, foi o amor dos passageiros. Ele sempre foi muito narcisista.

— Eu sempre soube que a Primeira Classe amava o Sr. Nylton. Mas nunca pensei que fosse a este ponto.

— Isso não é nada! Você já ouviu falar na 'Festa da Revolução'?

— não! O que é isso?

— É uma grande festividade com toda a Primeira Classe. São usados cinquenta vagões para celebrar. Comemoramos essa festa sempre que o trem completa uma revolução. Nesta festa celebramos como o Sr. Nylton e o seu trem salvaram a humanidade. É uma homenagem a ele.

— Rebeca... desculpe interromper, mas posso ir ao banheiro?

— Fique à vontade. O banheiro está no segundo andar, terceira porta. Volte antes que o café esfrie.

Me levantei e subi a grande escada para o segundo andar. Este, era igualmente luxuoso. O banheiro era muito grande. Com pias de mármore e uma enorme banheira de hidromassagem revestida com uma fina camada de ouro. A Senhora Martínez era ainda mais rica do que pensei. Abri a torneira para lavar as mãos e as ensaboei com um sabonete caríssimo. De repente, ouvi uma voz, que me trouxe péssimas lembranças:

— Querida sobrinha! Cheguei! — Era a insuportável Sra. Martínez.

Frostcruiser: - O Expresso Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora