Capítulo 41: Saindo Dos Trilhos

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Deitamos no chão por alguns segundos, ainda atordoados e com o coração na mão, enquanto tentávamos entender o que aconteceu.

—Foi o Sr. Santana! Não posso provar, mas sei que ele tem algo a ver com isso! — Gritou Rebeca, enquanto se levantava e tirava a areia da roupa. —Vamos, George! Não estamos seguros aqui! — Disse enquanto me ajudava a levantar.

—Nem aqui e nem em qualquer lugar deste trem, Rebeca.

Juntos, caminhamos até o salão de festas da Primeira Classe. Não queríamos usar o bondinho, pois o piso inferior do trem, onde o bondinho passa, é pouco movimentado e com certeza não estaríamos mais seguros lá do que aonde já estávamos. Assim, caminhamos tentando ficar o mínimo de tempo possível nos vagões mais vazios.

Certamente, os responsáveis por organizar os eventos do trem, que se voluntariaram a preparar essa nova festa já estavam finalizando a decoração, já que a hora marcada se aproximava.

Depois de tanto tempo, me acostumei a caminhar quilômetros dentro do trem, e chegar ao salão de festas não foi nada relevante.

O lugar estava bem organizado: tinha várias mesas redondas, todas com toalhas brancas e arranjos florais. Alguns detalhes chamaram a minha atenção; as toalhas não eram completamente novas, como era de se esperar da Primeira Classe, ao invés disso, estavam com leves manchas amareladas e remendos evidentes. Seria isso alguma manifestação da Terceira Classe, ou apenas resquícios das consequências da tentativa de Rebeca de inverter os sistemas de classes? Não tenho como saber ao certo. Mas este não foi o único aspecto que chamou minha atenção; os arranjos florais também tinham sua excentricidade. As flores sobre as mesas com pratos e talheres eram perfeitamente normais, mas não posso dizer o mesmo das que estavam nos outros pontos do vagão. Estas eram diferentes: de longe percebia-se que estavam doentes! Foram infectadas pela tal bactéria que estava investindo as lavouras. Certamente, este mal infectou a estufa e os jardins que estavam a muitos vagões de distância.

Quando percebi a importância do evento, me dei conta de que minhas roupas chamariam mais atenção do que qualquer outra coisa. Enquanto todos estavam de terno —Até a Terceira Classe — eu ainda estava com meu uniforme. A propósito, a maioria das roupas que tenho são uniformes de segunda mão da Terceira Classe. Felizmente, os alfaiates do trem deram um jeito nisso muito rápido. Rebeca também foi ao vagão vestiário para trocar seu casaco cinza-escuro por um vestido mais elegante.

Ficamos fora do vagão por alguns minutos cuidando dos pormenores e, aos poucos, os convidados foram chegando. Atrás de nós, os cozinheiros traziam os pratos que serão servidos mais tarde. As saladas eram poucas, por razoes meio óbvias, mas destacavam-se as carnes e o frango. Os pecuaristas do trem optaram por abater uma parte do gado da arca para economizar nossos recursos.

Em pouco tempo o salão estava cheio de convidados de várias classes. Gostaria muito de dizer que todos estavam celebrando em harmonia, mas o que se viu foi o extremo oposto: A Terceira Classe evitava as outras duas, pois o número de clandestinos desaparecidos havia aumentado. A Primeira não suportava ver a Terceira e os clandestinos no mesmo vagão que eles. A Segunda nem sequer queria estar alí, pois sabiam que Rebeca e eu também estávamos presentes.

Quando todos chegaram, Rebeca entrou no salão de festas e eu a segui. Passamos entre os presentes e até conversamos com alguns da Terceira Classe. Mas a Primeira não queria nos ver. Finalmente, encontramos o Sr. Santana, ele estava distraído e se surpreendeu ao nos ver. Provavelmente, não esperava que estivéssemos vivos.

—George López e Rebeca Martínez, que surpresa agradável. —Disse o Sr. Santana em ironia nítida.

—Você é quem terá uma surpresa agradável, Sr. Santana. —Disse a maquinista, com um sorriso misterioso.

O jantar festivo seguiu-se com um show de música, onde alguns cantores da Terceira Classe cantaram de forma animada, e a música foi transmitida a todo o trem via rádio e televisão.

Mesmo de longe, pude notar o furor do Sr. Santana, que não se preocupava em esconde-lo. Ele sabia que se aproximava a hora de Rebeca fazer sua declaração.

O apresentador anunciara que a última apresentação musical havia acabado e pediu uma salva de palmas. Após um breve intervalo para os cantores saírem do palco, o apresentador fez uma nova declaração:

—Passageiros do Frostcruiser, tenho a imensa honra de passar a palavra à nossa líder; com vocês, a grandiosa maquinista Rebeca Martínez!

Rebeca se aproximou do palco, seguida pelos holofotes. Os aplausos da Terceira Classe aumentavam cada vez mais. A Segunda vaiava insistentemente, mas os aplausos os ofuscavam. A Primeira estava em dúvida se lhe jogavam tomates, ou os poupavam pela falta de comida. Mas os seguranças da Terceira os ameaçavam com sua presença.

—Boa noite, senhoras e senhores, como todos sabem... — A fala de Rebeca foi cortada quando o microfone parou de funcionar.

Rebeca bateu delicadamente no aparelho, esperando que emitisse algum som, mas nada acontecia. De repente, as luzes do vagão se apagaram. E, em meio a escuridão, ouvimos um alto grito de horror:

—Aaaaa! Socorro!!! 

Frostcruiser: - O Expresso Fim do MundoOnde histórias criam vida. Descubra agora