Capítulo 10: Uma Fagulha

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Como já era esperado, às dezessete horas daquele mesmo dia, os guardas das Industrias Nylton voltaram para me levar de volta ao fundo do trem. Eu escondi a chave que Rebeca me deu dentro de uma das minhas botas, e o livrinho debaixo da camiseta. Desse modo, os guardas não perceberam que eu os portava quando me levaram.

Novamente, fizeram uso do bondinho para me levar ao fundo, da mesma maneira que fizeram quando fui convocado para trabalhar no jardim botânico da Primeira Classe. Eu estava visivelmente nervoso; — E se o dispositivo de emergência falhar? — Nós estávamos a menos de quinhentos vagões do fundo, portanto não demorou muito para chegarmos ao último vagão.

Ao chegarmos lá, os guardas simplesmente abriram a porta e me jogaram dentro do vagão. Nenhum dos que estavam lá reagiram, pois isso foi um acontecimento totalmente inesperado para eles. A porta fechou-se logo em seguida.

Os clandestinos que lá estavam, ficaram muito intrigados com o meu repentino retorno; me olhavam sem entender o que estava acontecendo. Se bem, que mal entenderam minha saída. Assim que todos se acalmaram, peguei um caixote que estava jogado dentro do vagão, o qual o usávamos como banquinho, coloquei diante dos meus pés e subi em cima dele com o propósito de ficar visível ao máximo de pessoas possível. Então, pedi insistentemente para que ficassem em silencio. Os que estavam mais próximos de mim pediram para os que estavam atrás se calassem e assim sucessivamente. Quando consegui o silêncio da maioria, com a mais alta voz iniciei meu discurso:

— Atenção a todos, por favor! Alguns dias atrás, fui retirado deste vagão; me levaram para a dianteira do trem. Lá, vi coisas que seus olhos não podem imaginar! Durante nove anos, fomos privados das maravilhas do Expresso Frostcruiser. Os milionários têm tudo que nós não temos! Eles têm espaço de sobra, comidas maravilhosas, conforto, acesso à luz solar, dignidade, e acima de tudo, mal sabem de nossa existência!

O Sr. Nylton, o criador deste trem, nos trancou aqui e nos enganou por quase uma década, apenas nos dando o básico para sobrevivermos, nos tratando como parasitas a bordo da sua arca. Mas agora, esse homem acredita que somos um fardo para ele e para o trem, e pretende desconectar o último vagão em menos de dois dias. Ele vai nos abandonar em uma bifurcação para congelarmos até a morte, e quase ninguém ficará sabendo.

Todos ficaram surpresos e ao mesmo tempo assustados, mas eu continuei falando:

— No entanto, ainda temos uma chance de sobreviver! Quando estive na frente do trem, conheci uma moça chamada Rebeca, engenheira-chefe do trem, e ela prometeu nos ajudar! — Eu tirei o sapato, e peguei a chave do dispositivo, levantando-a diante de todos. — Esta é a chave para nossa liberdade! Com ela poderemos sair deste vagão horrendo.

Todos olharam a chave com admiração. A maioria ficou com lágrimas nos olhos, pois ansiavam uma vida melhor, mas outros não acreditaram em uma só palavra. Segundos depois, recebi uma salva de palmas e todos gritavam meu nome em agradecimento. Nunca vi todos, ou quase todos, tão felizes como naquele momento.

Assim que a multidão se acalmou, uma hora depois, retirei o manual de instruções, o livrinho que Rebeca me deu, e começamos a interpretar as instruções para abrir a porta. Confesso que demoramos cerca de duas horas para interpretar o que dizia ali, pois além de tratar-se de um processo complexo, a linguagem com que ele foi escrito era muito técnica. Depois de ler e interpretar, iniciamos a ativação do dispositivo de emergência.

Cerca de dez passos a partir da porta trancada, deveria haver uma escotilha. Mesmo depois de nove anos, nunca percebemos que uma parte do piso era oca. Nós batemos suavemente no piso a fim de encontrar a escotilha. Quando encontramos a parte oca do piso, utilizamos uma pequena faca de cozinha, a qual um de nós portava no momento de embarcar, para abrir a escotilha levemente enferrujada.

Dentro da escotilha, com cerca de dois palmos de lado, havia um teclado com peças robustas que aparentavam ser feitas de aço. Ao invés de apenas letras, o teclado também continha números e símbolos. Eu digitei nele a sequência indicada no manual: Uma senha de duzentos e doze caracteres! Quando a senha foi digitada, ouviu-se um breve apito dentro do vagão, e uma pequena porta de uma caixa de chumbo se abriu na parede da porta que isola o vagão. Dentro dela, havia uma fechadura de formato incomum, porem a chave parecia encaixar nela. Instintivamente, coloquei a chave no buraco da fechadura e, como dizia o manual, a girei duas vezes no sentido horário e três vezes no sentido anti-horário.

Nesse momento, ouvimos o som de uma pequena sirene, seguida pelo ranger das fechaduras se destrancando aos poucos. Dois minutos depois, a enorme porta começou a se abrir. Todos no vagão tremiam de emoção. Por mais que sonhássemos com a liberdade, nunca imaginamos de fato sair do vagão. Finalmente este pesadelo acabaria. Depois de nove anos trancados no equivalente a um bueiro, quinhentas pessoas anseiam em fazer justiça. Seria uma redundância dizer que queríamos vingança contra o Sr. Nicolas Nylton e seu sagrado trem. Estamos prontos para conquistar um novo mundo; conquistar todo o Expresso Fim do Mundo!

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