Capítulo 9: Família

84 17 138
                                    

— Boa noite, minha Senhora.

— Boa noite Três. — Respondeu com um leve aceno de cabeça para o empregado.

Este, de estatura mediana, vestia uma roupa formal e os guiou. Entraram pela grande porta antiga e puída do local que parecia a anos abandonado. Estava completamente escuro, apenas a luz da vela na mão do servente iluminava o caminho. Seu semblante, apesar de simples e semelhante ao da maioria dos camponeses, com cabelo e olhos castanhos, tinha um ar de dignidade e obediência. Sua pele tinha um belo tom acastanhado e seus olhos eram casa de grandes olheiras.

— Este jovem senhor te acompanhará? — Perguntou o criado.

Se referia a Hélio, que como criança pequena, apenas olhava tudo à sua volta.

— Sim, este é meu convidado.

Com certa relutância, o criado aproximou-se de da moça cochichando algo em seu ouvido.

— Não se preocupe com isso. Apenas nos deixe... precisarei de você amanhã. — Respondeu ela firme.

Fazendo breve referência, o servente se retirou entregando a fonte de luz que tinha. A pequena vela, que já estava pela metade, emanava uma luz amarelada que pouco ou nada iluminava. Mesmo assim, ela guiou seu convidado pelo espaço com tal sutileza e precisão, que só deixou claro como conhecia aquele local.

Os móveis estranhos, em sua maioria, eram como fantasmas no escuro, pois estavam cobertos com lençóis brancos que tornavam suas formas indistinguíveis. Hélio a seguiu em silêncio procurando entender onde estavam, e o nervosismo dele ficava claro a cada passo.

— É a redoma. — Falou ela sem olhá-lo e como se respondesse aos seus pensamentos.

Mas a frase em nada respondia, apenas deixou maior a curiosidade, pois além de só nomear onde estavam, ainda deixava mais evidente que ela não estava muito disposta a contar a história daquele lugar. Sem mais palavras, caminharam entre os sinuosos corredores repletos de quadros cobertos. A maioria das portas estava fechada, e o teto imensamente alto e abaulado deixava o clima ali frio.

O silêncio era ensurdecedor e mortal. O som de seus passos continha um longínquo eco.

Viraram a direita, e depois para a esquerda chegando em um grande corredor. Este dava para uma sala, maior que todas, onde o teto acima não era de concreto, mas sim vidro, deixando o céu repleto de estrelas à mostra. Sob ele, diversas cadeiras de deitar alinhadas, uma ao lado da outra, pedindo para serem ocupadas.

A jovem parou por um instante antes de se aproximar, e Hélio percebeu que o chão ali não era mais um piso, mas sim grama. Olhou ao redor e encontrou as formas de flores e estátuas de jardim. Concluiu que estavam em um jardim ou cúpula verde. E virando a cabeça na mesma direção da jovem, encontrou a silhueta de uma mulher deitada em uma das cadeiras.

— A redoma... onde nós morávamos antes de tudo acontecer. — Ela começou a falar sem aviso algum. Sua voz estava distante, narrando algo além de si. — Agora é só um espaço para sonhos vazios, vãs esperanças e o fantasma do que sobrou daquilo que tínhamos.

Ela virou-se para ele se aproximando. Seus olhos castanhos enchiam de água no silêncio da noite, como pequenas pétalas regadas por orvalho.

— Você... porque você se parece tanto com ele, e ao mesmo tempo em nada se parece? — Pergunta sem sentido saiu com um sorriso triste nos lábios.

Afundou-se no azul que tinha o olhar do Atenense, procurando um esconderijo nele.

— Per, eu não entendo... — tentou dizer algo, mas de súbito ela soprou e apagou a vela em sua mão.

As Quatro FamíliasOnde histórias criam vida. Descubra agora