Capítulo 14: vamos às compras

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Era o 15º dia desde o aniversário da princesa da Casa Vermelha, e mesmo que nem todos a conhecessem de fato, todos sabiam que exatamente 15 dias após o aniversário dela, a jovem aparecia na cidade, junto de seu pai, para comprar presentes. Era um feito que acontecia desde que a princesa era criança. Por isso, quando o sol apareceu no céu, todos os comerciantes da rua Servant 9, onde a maioria das lojas de roupas ficavam, se aprontaram, arrumando os melhores e mais caros produtos.

Seda, cetim, rendas, ouro e jóias, dispostos lado a lado, um complementando o outro nas vitrines. Sabiam que tudo o que a jovem gostasse, seria levado não importando o preço final. Ansiosos, os vendedores esperam, e quando, ao meio dia, a carruagem com o símbolo de um dragão vermelho carmesim apareceu no início da rua, eles saíram se prontificando para receberem a tal princesa.

Abrindo a porta da charrete, desceu primeiro um homem, de roupas negras, com um paletó feito sob medida e cartola. No rosto, o nariz longo segurava um monóculo, e acima da boca, o bigode largo e grosso escondia os lábios superiores. Seu olhar era de superioridade, e a leveza com que andava, parecia digna de um cavaleiro real. Era Orfeu.

Desceu e estendeu a mão para uma jovem, que como ele, se trajava de preto. Um longo vestido de cós alto, e saia de armação, combinava com sua fina cintura. Os cabelos vermelhos desciam até metade das costas, refletindo o sol como fogo. Na cabeça, um chapéu do qual um véu também negro descia, cobrindo toda sua face.

Quem estava curioso para descobrir o rosto daquela jovem, não teria sorte naquele dia, pois o véu escondia todas as suas feições, e parecia, pelas expressão de Orfeu, que até mesmo ele não gostava daquilo. No entanto, devido aos últimos incidentes, não pode como contestar tal atitude. Estava com a consciência pesada, ou pelo menos, fingia estar.

A jovem desceu, e pegou na mão de seu pai sem olhá-lo, e sem dizer nada. Seu silêncio era resoluto. Logo após ela um jovem, esguio, pálido, e de rosto emburrado desceu. Sua grande estatura combinava com seu forte porte físico, e dava mais destaque ao seu ar sombrio. Era Dion.

- Vamos logo... - O rapaz falou, mas Orfeu esperava uma palavra de sua filha.

Normalmente, esta, tagarelante como era, já teria comentado sobre os itens expostos nas vitrines, fazendo comparações e observando modelos e tendências do momento. Mas naquele dia, silêncio era tudo que vinha dela. Nem mesmo podia ver seu rosto, de onde suas sarcásticas opiniões ganhavam atitude.

- Per, minha filha querida, está tudo bem contigo mesmo? - Orfeu, virou-se para ela, com ar pesado no olhar, banhado de uma preocupação verdadeira.

Segurou suas mãos cálidas em um gesto leve de perdão. Mas, com um movimento rápido, puxou-as dele, apoiando-se em Dion.

Recusa. Total recusa vinha dela.

- Orfeu, apenas vamos. - Insistiu o primo, já levando consigo a prima. Segurou-a pela cintura, guiando-a para as lojas.

Reduzido à plateia, o pai sentiu amargor se acumulando no fundo de sua boca, um misto de raiva que o consumia lentamente. Engoliu o próprio veneno e os seguiu. Sabia que não podia ir contra ela, não naquele dia, exatamente o aniversário de morte de Didi, seu irmão.

Comprar roupas e jóias era uma distração, um passatempo para tirá-la daqueles sombrios pensamentos que apareciam naquela data. Por isso, todos os anos iam àquela avenida de comerciantes com as melhores lojas, para apagar o inapagável. Mal sabia ele que Perséfone nunca teve verdadeiro interesse em futilidades. Seu único interesse era sobreviver.

No entanto, naquele dia, contrariando todos os outros anos, ela não procurava agradar Orfeu, e ele percebia isso em sua distância. Algo estava errado, o que, exatamente, escapava sua percepção.

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