a manhã seguinte

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Heloísa estava deitada de lado. Sentiu beijos por toda a espinha, subindo para seu ombro.

- Levanta pra tomar seu café, estou indo pro escritório. - Stenio deixou um beijo na bochecha dela, demorado, carinhoso. - Te amo. Tenha um bom dia.

O tom de voz era calmo, baixo. Era quase como se ele a abraçasse com as palavras. Heloísa se remexeu, sonolenta, sentindo os lençóis emaranhados no corpo nu agora todo dolorido pela noite anterior. Estava sonolenta demais mas sentia uma vontade desesperada de enganchar o braço no pescoço dele e o puxar de novo pra cama. Não tinha aberto os olhos mas apostava que o advogado já estava dentro da camisa social e gravata. Ela não se importaria em tirar tudo e fazê-lo se arrumar do zero, talvez cancelar uma ou duas reuniões da manhã.

Ao invés disso, ela só fingiu continuar dormindo, sem resposta.
Stenio terminou de beijar a cabeça dela com carinho e ela ainda ouviu alguns passos para lá e para cá até que a porta se fechou.

Heloísa suspirou, frustrada. Finalmente abriu os olhos. Enxergou suas comidas favoritas no móvel do quarto. Procedeu para tomar café da manhã, se arrumar e ir para a delegacia em silêncio.

O caminho todo pela delegacia ela não conseguia parar de pensar no marido. Nos músculos dele contraindo, as costas malhadas, a boca quente lambendo seu corpo inteiro..

- Doutora! - Carlos se apressou. - É outro habeas corpus.. - O homem parecia branco como a neve.

- Viu um fantasma? Que que é? Que que foi?

- Aquele caso que a senhora levou três meses pra prender. O estelionatário.. Foi liberado há dez minutos.

- Quem? - Ela perguntou, mas não precisava. Já sabia a resposta.

Heloísa balançou a cabeça negativamente quando o homem a sua frente gaguejou.

- Stenio.

Ele recebeu uma ligação dela no meio do expediente, e estranhou. Heloísa raramente ligava. Na verdade, eles mal se conversavam em casa, o que dirá no trabalho, por ligação.
Seu coração se aqueceu por um momento.
Será que ela também estava com saudades?

Ao atender, não teve tempo de pronunciar o "oi amor" que tinha em mente. Foi o tempo de abrir a boca e tomar fôlego para falar quando ela despejou muita coisa em cima dele, aos berros.

- Você por algum acaso tem algum tipo de noção de MUNDO, Stenio? - Ela bateu no armário de arquivos da delegacia.

O estrondo foi alto, porque ele pôde ouvir pela ligação. Ela havia mandado todos os subalternos se retirarem para ligar para o advogado em questão. Poucos ali tinham assimilado que esse era, também, o marido da doutora.

Ele fechou a boca ouvindo os berros. Não entendia muito bem o que aconteceu, e precisava de mais informações para continuar a conversa.

- Como você pôde, Stenio? Como você acorda todos os dias e não se importar? Não ter caráter? - Ela gritava do outro lado do telefone. - E pior, como você dorme a noite? Você tem alguma espécie de prazer em desfazer todo o trabalho que eu me mato, Stenio, me mato pra fazer?

Stenio engoliu a seco e prendeu o telefone no ombro esquerdo enquanto correu para mexer na papelada em cima da escrivaninha.

Mexeu nos papéis do último cliente que havia acabado de liberar da cadeira e viu o nome dela ali.

Heloísa Sampaio Alencar.
Ela havia feito a prisão.

Então foi por causa daquele cliente que ela estava mais irritada que o normal, virando noites, bebendo mais café que o normal.
Stenio sentiu a culpa preencher seu corpo dos pés a cabeça.

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