Quando Stenio estava se arrumando, notou que Helô já não estava mais na cama. Estava pronto para ligar para a esposa e brigar com ela por ter saído para trabalhar ferida.
Quando ligou, o celular tocou do outro lado da cômoda.
Heloísa entrou de roupão no quarto com uma caneca de café em mãos.
- Ah, é você? - Ela estranhou.
- Você.. - Ele ainda tinha o celular grudado a orelha e ligação ainda chamava. - Você está aqui
Heloísa passou o dedo pelo celular recusando a ligação.
- Tirei férias. - Ela explicou, se sentando na cama. Não usava o braço que estava baleado. Estava cheio de curativos, muito machucado.
- Férias Helô? - Stenio olhava para ela, confuso. - Estamos em março. - Ele estranhou. - A gente não tem nenhuma viagem programada, a gente não.. - Ela balançava a cabeça negativamente. - Por que você tá fazendo isso amor?
Stenio se sentou na frente dela mas ela mal conseguia olhar nos olhos dele. Os olhos estavam fixos na caneca de café que ela assoprava, porque tinha exagerado na temperatura da água na hora de passar o café.
Ele viu pequenas lágrimas surgirem nos olhos dela e se apressou para tirar a caneca da mão dela. A tomou em seus braços, abraçando. beijando, acalmando como pôde. Já estava todo de social e provavelmente amassaria todas as roupas mas não estava nem aí.
- O que tá acontecendo meu amor? Fala pra mim.
Ela se agarrou nele como pôde e caiu no choro.
- Primeiro você desiste das operações.. Agora férias? Helô.. Essa não é a mulher teimosa com quem eu me casei cinquenta e sete vezes. - Ele brincou, e ela deu uma risadinha fraca.
Passou a mão pelo nariz que estava escorrendo, tentando secar.
Stenio deu conta das lágrimas dela, passado o polegar ali.- Vamos conversar sobre o que aconteceu? - Ele perguntou num tom de voz baixo, sussurrando. Fazia carinho nos cabelos dela enquanto ela olhava para cima, para ele, deitada em seu peitoral.
Ela só balançou a cabeça negativamente.
Era estranho ver Heloísa tão vulnerável. Estranho e raro. Ele já estava atrasado. Colocou o celular no silencioso sem que ela visse, com certeza um milhão de pessoas estariam atrás dele já já.
- Você ficou muito triste quando o Henrique morreu, né? - Ele acariciava o rosto dela com o verso dos dedos, acarinhando a bochecha. - E aí eu te pedi pra sair das operações, porque fiquei muito assustado com o tiro de raspão que você levou. Ficou muito feio. E você entendeu que eu tava duvidando da sua capacidade. Mas eu sei que isso acontece o tempo todo com qualquer equipe, eu não tava duvidando de você meu amor. Eu jamais te pediria pra fazer a coisa que você nasceu pra fazer, Helô. Seu talento é sobrenatural! Férias, amor? Sério? Férias? Agora????
Heloísa assentiu.
- Eu preciso de um tempo. - Ela admitiu.
Stenio gaguejou
- D-de mim? - Stenio arregalou os olhos. - Um tempo de nós? Do nosso casamento?
Ele sabia que esse dia iria chegar mas achava que seria mais frio. Um simples papel em cima da mesa dele do escritório um belo dia. Não no meio de uma conversa tão íntima e carinhosa daquelas.
- Eu não sei. - Ela admitiu. - Eu preciso.. Me alinhar. Colocar a cabeça no lugar. Resolver coisas.
Ele assentiu.
- Entendo. Você acha que consegue colocar a cabeça no lugar ficando aqui em casa comigo? - Ele não parava de fazer carinho nela. - Eu nem encosto em você se você não quiser. Mas você tá machucada, por dentro e por fora, e eu odiaria ter que te deixar sozinha. Eu me odiaria muito.
- Você não é o problema, o problema é que..
Ela quase ia falar e ele ficou esperando. Mas nada saiu. Ela não conseguiu terminar.
- Não acho que quero me divorciar de novo. - Ela admitiu. - Eu só preciso de um tempo pra organizar meus pensamentos. Minha vida. Agora tudo mudou, tá tudo tão.. diferente.
Stenio tentava entender o que estava diferente.
- Tá diferente porque você quis, Helô. Cancela essas férias, volta a trabalhar, faz o que você faz de melhor! Volta pras operações se isso for te animar, te fazer feliz! Eu juro que não te incomodo mais sobre isso.
- Eu não posso. - Ela admitiu num sussurro e voltou a chorar compulsivamente.
Stenio a acolheu em seus braços de novo, até que Heloísa adormecesse.
•
- Tive que deixar ela lá. Cara, ela tá muito abalada. Foram uma série de fatores, entende? O tiro de raspão, nossa crise no casamento, a morte do agente e agora o tiro que ela levou.. Eu nunca vi a Helô tão mal em toda minha vida. Ela parece um.. Sapatinho de cristal, prestes a quebrar.
- Será que ela precisa de uma psicóloga? - Moretti ofereceu.
- Nem morta. Eu já sugeri e ela detestou a ideia. Disse que não precisa, que ela dá conta de tudo. Como sempre.
- Vou mandar a Guida ir lá ver ela. - Moretti pegou o celular e passou a digitar para a esposa.
- Isso. Quem sabe a Guida desvende o que diabo está acontecendo.
- Pronto. Ela vai lá agora. Tem certeza que ela disse que não quer o divórcio?
- Disse. Não com toda a certeza do mundo, né.. Mas.. Disse que não queria. Que precisava de tempo e que tudo tinha mudado. Eu não entendi porra nenhuma. Bom, deixa eu acelerar com meu trabalho pra voltar pra casa logo. Vamos estrear o escritório semana que vem e eu tô todo atolado. E preciso voltar pra Helô o mais rápido possível.
Disse Stenio quase enxotando o amigo do escritório, levando-o em direção a porta.
- Eu vou te avisando dependendo do que a Guida me contar. - Prometeu.
- Ótimo. Me liga. Eu atendo na hora.
•
Guida entrou assim que Creusa abriu a porta pra ela.
- Oxente mas não sabia que você vinha.
- Nem a Helô sabia, eu tava passando por aqui e resolvi fazer surpresa! Tava no shopping e comprei uma bolsa que é a cara da Helô, toda estampada. Cadê ela, ein? - Guida esticou o pescoço procurando pela delegada dentro do apartamento.
- Tá deitada na cama, no escuro. Cuidado pra não assustar a bichinha, visse? Que eu entrei lá ela quase teve um troço do coração.
- Tá bem. - Guida estranhou. Literalmente nunca tinha visto a prima assim.
Bateu a porta anunciando:
"Primaaaa, você não acredita o que eu comprei de presente pra você!"Abriu a porta do quarto devagar. A cortina estava fechada mas mesmo assim pouca claridade atingia o quarto. Heloísa estava deitada em posição fetal, toda abraçada em si mesma.
Guida olhou bem a cena.
É um milhão de teorias fervilharam em sua cabeça.
Uma bolsa não iria animar Helô.
