o fim aproxima

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Stenio a recebia com um sorriso quando ela entrou no carro seria.

- Oi amoooor. Como foi com a Maitê?

- O que é isso no seu rosto?

- No.. No meu rosto? - Ele gaguejou. Logo desceu o quebra-sol para ver a marca no rosto. Automaticamente já foi com a mão ali, arrastando e esfumando o que ele sabia que era uma marca de beijo. - Ah, eu encontrei com uma galera lá no bar, você nem acredita. Até a mãe da Laís tava la, pra você ter uma noção. E eu não quero me gabar, mas eu conquisto todas as senhoras, né? - Ele riu sozinho. - Ganhei um milhão de beijos e abraços. Ela é uma fofa.

Heloísa olhou com desconfiança. Não parecia o tipo de batom que uma senhora usaria, e o cheiro era o mesmo de outro dia. Não conseguia acreditar em sequer uma palavra que Stenio dizia.

Se calou.
Se acomodou no banco do passageiro, em silêncio, enquanto Stenio dava partida.

- Maitê tá bem? Como foi? Você voltou meio quietinha.

- Estou com dor na costela, só isso.

- Vamos tomar o remédio pra dor assim que chegarmos em casa, ein. Na verdade você deveria ter ficado em casa hoje comigo vendo o jogo da televisão da sala, né dona Helô? Mas vou te poupar dessa. Sei que você não curte muito futebol.

Heloísa se perguntou se Fernanda curtia futebol. Se iam aos jogos juntos.

- Quem mais estava no bar? - Ela fingiu perguntar casualmente com um tom que não demonstrasse o quanto se importava com a resposta.

- Começou comigo, e com o Moretti. - Ele pontuava os números 1 e 2 com os dedos. - Ai quando eu vi o pessoal na firma tava todo la no grupo se movimentando e tal, Laís, Fê, Paulo.. Toda a galera. Levaram o pessoal da família também, os pivetes da Laís tão enormes! Theo tá tão melhor, nossa, parece outro menino.

- Fê? - Ela se limitou a perguntar.

- A Fernanda. A nova contratada. - Ele tentou falar prestando atenção no trânsito como se não fosse grande coisa. Tentando diminuir o peso da realidade.

- Fernanda, sua ex namorada? - Heloisa fez questão de perguntar.

- Não chegamos a namorar.

- Só foderam. Algumas vezes? - Ela perguntou. Talvez muito mais rude do que Maitê havia aconselhado a perguntar.

- Alguns meses, Helô. Foi só isso. Agora ela é a Fernanda minha subordinada, não minha ex.

Heloísa engoliu a seco.

- Então enquanto eu tava na Maitê.. Tu tava no bar com a tua ex. Que lindo isso.

- Ela faz parte da minha vida agora, Helô. - Ele disse, sinceramente. - Não tem cabimento o grupo inteiro do trabalho se movimentar e eu falar "você não pode ir!"! Todo mundo ali sempre se deu bem. Você sabe disso! Eu e a Laís somos tipo irmãos, vivamos nos abraçando e você nunca teve problema com isso.

- Você já comeu a Laís?

- Óbvio que não.

- Então é por isso que é diferente.

Os dois ficaram em silêncio. Uma música baixa e lenta, realmente triste, tocava na rádio. Heloísa sentia cada vez mais vontade de chorar. Stenio suspirou e apoiou o cotovelo no vidro do carro. Mantinha o olhar fixo a frente.

Não acreditava que estavam brigando de novo.
Por motivos diferentes.
Mais uma vez.
Aquilo nunca teria fim, eles nunca conseguiriam acertar a relação deles dois.

- Por que vocês terminaram? - Ela perguntou de repente, no meio do silêncio.

Stenio gaguejou.

- Ela era muito jovem. Queria ter filhos, casar, toda aquela coisa. Eu não tava com a menor paciência, eu já tinha vivido tudo isso, e eu sentia que isso tudo não cabia mais na minha vida. Estamos envelhecendo, certas coisas.. Simplesmente já foram. Meu coração sempre esteve preso em outro lugar e eu nunca achei justo prender alguém sabendo que eu não ia conseguir me entregar cem por cento. Então eu me diverti, enquanto dava, e depois sumia. Foi isso que aconteceu.

- Ela conseguiu casar e ter filhos?

- Eu não fico perguntando, Helô. Nos papéis da contratação ela se dizia solteira, e também..

- E também o que? - O olhar dela foi mortífero.

- Ela faz uns comentários bem inapropriados comigo, que eu tenho que chamar atenção. Então imagino que esteja solteira, e que talvez não tenha superado.

Heloísa ficou em silêncio.
Assim que ele estacionou o carro ela pulou do mesmo e foi em direção ao elevador. Emburrada, de braços cruzados.
Seu marido chegou pertinho, dando beijos em sua bochecha até acertar o caminho até sua boca.

- Viu? Não bebi. Precisava buscar minha delegada e ela me mata se eu beber e dirigir.

Heloísa não conseguiu evitar uma risadinha fraca que ela tentou muito segurar.

- Que bom que você conseguiu cumprir uma promessa, Stenio.

Ele sentiu.

- Eu cumpro todas as minhas promessas a você, Heloísa. - Ele se ofendeu por um segundo. Sabia que ela estava com raiva, com um ciúmes que não queria admitir, mas isso o havia ferido.

Heloísa encarou o chão de braços cruzados.

- Eu já assisti esse filme antes e eu não gostei do fim. Não sei o porquê de a gente insiste em se casar.. A gente é muito incompatível. Você deveria ter tentado com a tal da Fernanda, pra variar. - Ela o encorajou.

Stenio não conseguiu responder.

Assim que chegaram em seu andar Heloísa saiu e foi destrancar a porta para entrar.

Não sei o porquê de a gente insistir em se casar, toda vez.

Por um segundo o mundo parou de girar. Ela realmente tinha dito isso?

Ele sabia que a contratação de Fernanda seria um problema, um incômodo. Mas não sabia que iria tão longe assim.

Stenio foi atrás dela no quarto, ainda meio aéreo.

- Você quer que eu a demita?

- Ela faz parte da sua vida agora, Stenio. - Ela não pensou duas vezes em cuspir as palavras dele de volta para ele. - Você já tomou sua decisão. Você achou uma boa decisão contrará-la, lá atrás, quando já começou a mentir e fingir que não tinha nada a ver com isso. Sinceramente? Fernanda, Paula, Tamires.. Pra mim tanto faz. Vai ser sempre a mesma coisa.

As palavras doeram.
Ele havia errado, ele sabia disso.
Mas ele estava desesperado para reconstruir aquele casamento.

Heloísa tentou passar por ele e ele a tomou pelo braço.

- Eu amo você. Eu me casei com você três vezes. Três. Você é o amor da minha vida. Eu não sei viver sem você. Você viu isso durante as décadas que se passaram. Para com isso, amor, pelo amor de Deus..

Ele soava agoniado, angustiado, estava prestes a chorar.

Como imãs se atraíram em um beijo cheio de ciúme, ressentimento, saudade, insegurança. Se amaram, com todo o cuidado do mundo que Stenio ainda tinha por conta do tiro de raspão da operação.
Ambos de olhos fechados. ele por cima dela, a beijava sem lhe dar espaço nem para respirar enquanto se movimentava para fora e para dentro dela, com intensidade, amor.

Heloísa não conseguiu evitar e sentiu lágrimas escorrendo de seu rosto. Aquilo se parecia com um dos muitos "adeus" que já haviam dado um para o outro.

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