Ele tinha que ter saído mais cedo naquela manhã, mas não o fez. Pediu ajuda de Creusa para preparar uma bandeja de café da manhã para Helô. Ela estava tão desolada que talvez acordaria tarde.
Se surpreendeu. no entanto, quando entrou no quarto com a bandeja de café da manhã e a delegada já estava de banho tomado. de roupão e toalha no cabelo, fazendo a maquiagem como se nada tivesse acontecido.
- Bom dia, amor. - Stenio se aproximou para um selinho breve ao qual ela respondeu. - Tudo bem?
- Tudo certo.
- Trouxe seu café da manhã.
- Não estou com fome.
- Mas tem que se forçar a comer um pouco, Heloísa. Você sabe.
- Não era pra você já estar no escritório? - Ela deu uma breve olhada no relógio antes de olhar para ele, enquanto penteava os longos cabelos acobreados agora cheios de creme para hidratar.
- Sim.. Mas antes eu precisava conversar com você sobre uma coisa.. Uma coisa bem séria. Que eu... - Stenio não sabia por onde começar.
- Não gagueja não. - Ela assumiu a postura de líder da conversa. Da controladora que era. - O que que foi? - O tom de voz era intimidador. Ela sabia o que viria por ai.
Stenio suspirou, e se aproximou dela, segurando suas mãos com afeto.
- Amor eu tava pensando e.. Eu queria.. Te pedir.. Te pedir não.. Sugerir.. Não sugerir, mas que a gente veja, como casal, a possibilidade.. De você.. Se afastar das operações policiais daqui pra frente.
Heloísa se levantou, automaticamente ofendida.
- Porque eu perdi um agente agora você acha que eu vou morrer em campo?
Stenio deu um longo suspiro. Daqueles que enche o pulmão e solta completamente todo o ar possível dali de dentro.
- Não, Helô. Não tem nada a ver com isso.
- Eu sabia que muita gente ia duvidar da minha capacidade, Stenio, mas você? - Os olhos dela lacrimejaram. - Você duvidando de mim? Você sempre me achou a melhor delegada do mundo. Você sempre disse isso. Apesar de sempre me atormentar soltando meus presos! - O tom de voz dela era mais alto, machucado.
- Heloísa, você não está olhando para a situação com os mesmos olhos que eu estou, caramba. Isso não tem nada a ver com a sua capacidade. Você é capaz de atirar na lua e quebrar ela em mil pedacinhos se quiser. Você prende as maiores facções, você acaba com os maiores esquemas de tráfico humano não só no Brasil como fora dele. Você é incrível. E você já serviu tantos anos! Você já fez tanto pelo país, por essa cidade. pelo mundo. Toda vez que você sai em operação eu não durmo, meu coração fica pequeno, e eu sinto como se não pudesse respirar até a hora de você voltar pra casa, então eu pensei que..
- Então você quer que eu pare de trabalhar.
- Não de trabalhar, amor, só com as operações. Quem sabe diminuir. Não sei. Arranjar um outro cargo, algo mais tático, mais protegido. O que eu passei ontem me fez perceber que eu não aguento mais viver nessa agonia de não saber se você vai voltar para casa.
Heloísa olhou para ele com os olhos cheios d'água. E então Stenio percebeu o que pareceu que ele disse, da forma que ele disse.
- Nem por você, nem por ninguém. - Garantiu ela. Pegou a bolsa, saiu de casa sem tomar café da manhã, indo direto para a delegacia.
Não respondeu as mensagens de Stenio, não atendeu as ligações. O clima na delegacia estava péssimo. Todos prestavam suas condolências, e Heloísa só queria explodir. Sentia o peso da responsabilidade de tudo que tinha acontecido bem em cima de seus ombros.
E, para ajudar, o divórcio estava cada vez mais a caminho. Ela nunca, jamais, abriria mão do que fazia. Gostava de salvar pessoas. Gostava da adrenalina. Da sensação de devolver uma filha a uma mãe, tirar meninas de esquemas corruptos, salvar crianças de pedófilos. Era para isso que ela existia, e sem isso, Heloísa não queria existir. Não fazia sentido existir.•
- Tá avoado hoje, hein? - Fernanda chamou a atenção dele estalando os dedos em sua frente. - O que foi? Não dormiu direito?
Bom, não dava para negar que ela o conhecia.
Ele balançou a cabeça negativamente tentando voltar a atenção aos papéis a sua frente e tudo que ela dizia e ele precisava anotar.- Só me distrai. Pode continuar..
- Ei. - Fernanda colocou a mão em cima da papelada fazendo com que ele levantasse o olhar para ela. - Além de tudo eu sou sua amiga. Você sabe disso. Sempre tive os melhores conselhos.
Stenio riu leve.
- Isso é verdade.
- Então relaxa um pouco. Não quer me contar o que tá acontecendo?
Stenio resistiu por um segundo, mas não aguentava mais, precisava desabafar sobre tudo aquilo, todo o turbilhão em sua cabeça.
Levantou e pegou um copo de whisky e duas pedras de gelo. Logo se sentou no sofá, e Fernanda na outra ponta, relativamente perto.
Admitiu que teve uma discussão com Heloísa e que achava que ela tinha entendido tudo errado. Que queria poder se explicar, que se sentia mal por querer controlar a vida dela.
- O que acontece se ela continuar com as operações? - Fernanda ponderou.
Stenio ficou silencioso, encarando o chão.
Ele realmente não sabia se tinha mais emocional para passar por aquilo e não entendia porque Helô não podia abrir mão disso, dessa pequena coisa, depois de tantos anos de carreira.
Ele engoliu a seco antes de beber o último gole do copo.
- Então eu acho que vou ter que continuar vivendo do jeito que estou vivendo. Tenso, ansioso. Preocupado.
- Não é justo com você, Ste. - Fernanda afagou o ombro direito dele. - Ela tem que fazer concessões também! Você não tá pedindo nada demais, só quer cuidar dela.
Ele assentiu.
- Você tem razão.
- Eu sempre tenho razão.
- Também não vamos exagerar. - Stenio levantou as mãos rindo.
Fernanda o abraçou e ele beijou o topo de sua cabeça.
- Obrigado pelos conselhos de ouro de sempre.
- Imagina, chefinho. To sempre aqui. Amiga, funcionária. Já que você não quer nada mais.. Mas o dia que quiser..
- Fernanda! - Ele avisou num tom de ameaça assim que se afastou.
Ela riu e ele riu junto.
Stenio se virou para a porta e deu de cara com Helô parada na janela, assistindo tudo dentro do escritório.
