Ela fingiu estar dormindo enquanto ele levantava mais cedo.
— Amor? — Ele fez carinho nas costas de Heloísa.
— Hm? — Ela resmungou, sem abrir os olhos, fingindo estar sonolenta.
— Estou saindo mais cedo. E provavelmente vou chegar bem tarde hoje. Você tá bem do ferimento?
— Sim. — Ela se limitou a dizer.
Ele já cheirava ao perfume amadeirado. E ela não precisava abrir os olhos para perceber que ele estava de terno. gravata e muito cheiroso se apoiando nela.
— Ta bem. Qualquer coisa me liga, ou fala com a Olivia. Eu tento resolver nos intervalos. Tenha um bom dia e se cuida. — Ele beijou a cabeça dela. Fez um carinho. — Hoje a noite quando eu chegar a gente conversa? Preciso te falar uma coisa importante.
— Depois, Stenio. Depois.
Ela resmungou e voltou a dormir.
E Stenio se foi.
Rumo ao trabalho, administrar uma obra que chegava ao fim. um escritório pipocando de clientes, treinando uma nova funcionária e tentando equilibrar todos os pratos.Ela tornou o ritmo mais lento, por conta dos feridos e do ferimento. A última prisão havia sido feita, e era motivo de orgulho pra mais de três meses. O clima na delegacia estava pesado, um dos agentes em coma, praticamente morto.
Era sempre terrível perder um colega. Heloísa não conseguia entender como esse tipo de coisa acontecia. Eles eram o bem, representavam o bem. Estavam combatendo o mau. Ela sentia o estômago revirar de angústia pensando nisso.
A verdade era que estava angustiada. No dia da ação policial, tudo foi muito rápido. muito mais tenso. Havia muito mais gente ao redor, eram muitos inimigos. Heloísa raramente sentia medo, mas naquele tiro que quase levou, morreu de medo. Ela sabia que se não tivesse desviado o corpo a tempo teria acertado em algum órgão vital e ela não estaria ali hoje. Da mesma maneira como estava perdendo Henrique, seu parceiro de trabalho.
O dia na delegacia parecia não passar. Não ter informações do hospital era esquisito, e cada vez que o telefone tocava o coração parecia gelar.
Ela queria Stenio. Precisava de carinho, de dengo. De conforto do seu marido. Mas sabia que não iria conseguir nem tão cedo. A rotina dele estava ficando cada vez mais pesada.
Se lembrou de que eventualmente se divorciariam de novo e esse era o tipo de situação que ela teria que enfrentar sozinha. Heloísa estava acostumada com esse tipo de coisa, em pagar de durona o tempo todo. Mas não podia evitar de admitir para si mesma que gostava de seus momentos de vulnerabilidade.
Quando voltava tarde pra casa e Stenio ainda estava acordado esperando que ela chegasse, com os olhos estatelados morrendo de medo que isso eventualmente não acontecesse. Que ele a recebesse em seus braços quentes, num abraço gostoso, enchendo ela de beijos porque quase morreu de saudade e preocupação
Normalmente ele teria preparado algo que ela gostava de comer, a banheira estaria pronta para um banho quentinho, e eles deitariam na cama e conversariam
horas e horas no escuro de pijamas sobre tudo que tinha acontecido.Já havia um tempo que Stenio tinha começado a pedir que ela parasse com as operações. Por estarem envelhecendo, por não haver necessidade, por ele precisar da validação de proteção dela. Era muito para a cabeça dele viver com ameaças de bandidos e facções, viver em alerta preocupado com ela.
Stenio tinha pavor de algo acontecer com ela.
Se perguntou se ele também era assim com Fernanda quando estavam juntos.
Se se divertiram.
Pelo que ela tinha ouvido, iam em festas e se embebedavam.. Até usavam drogas.
Isso não tinha muito a ver com a versão do Stenio dela.A versão que ia pra casa de casalzinho, que sentia conforto em ficarem a sós com umas garrafas de vinho. Eles saiam às vezes, era verdade. Dançavam, viam os amigos, saiam bastante e gostavam de viajar. Mas não tinha mais toda essa adrenalina. Era a boa e velha rotina de casado que eles tinham, sempre tiveram.
Heloísa se perguntou sobre as coisas que Fernanda oferecia para ele, que ela não podia oferecer porque já tinha passado dessa idade. E de repente se lembrou: Fernanda queria um filho com ele.
Isso fazia com que o estômago dela se revirasse. Imaginar ele sendo pai do filho de outra mulher era.. A pior das hipóteses. Sentia fisicamente seu estômago se revirando, o que era praticamente impossível porque não havia comido muito no café da manhã, só tomado café preto.
Graças aos céus ele não queria mais filhos.
E foi quando Yone atendeu a ligação que confirmou a morte do agente, que Heloísa deu poucos passos até o banheiro e vomitou tudo que tinha — o que não tinha — em seu estômago. O café. A bílis. Água. Tudo.
Sentia uma pontada no coração que doía muito. Tentou ligar para Stenio, mas ele não atendeu. E era até melhor que não atendesse mesmo, porque sabia que iam acabar na mesma conversa antiga: parar com as operações.
Heloísa tinha consciência da perigo, e sabia que ele tinha razão. Mas aquele era seu chamado, seu propósito de vida: fazer justiça. Com as próprias mãos, não no sentido literal. Ela gostava de confiar na polícia porque sabia que ela era a polícia e era uma garantia de que todas as leis fossem aplicadas devidamente.
— Doutora, Tudo bem? — Yone bateu na porta do banheiro e quando Heloísa abriu, viu a chefe estática. Branca como um fantasma.
Ela lavava muito bem as mãos, molhava o rosto. Usava sua necessário estampada de oncinha que continha sua escova de dentes e pasta em miniatura, aproveitou para tirar o gosto de vômito na boca.
Pediu ajuda de Yone para passar em casa, vestir preto, retocar a maquiagem. Precisava ir ao velório de seu querido e amado agente que tinha partido dessa para uma melhor, e sabia que não conseguiria sozinha.