🖤 II 🖤

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GABRIEL

  

Alguns ruídos me assombravam, atormentando minha mente e fazendo-me desejar que minha audição parasse de cumprir sua função. Estava ciente de que, a cada segundo que passava, minha mente se esforçava para recordar qualquer detalhe importante. Mesmo para alguém sem memória alguma, ser algo que não humano era aterrorizante. Tentei invocar o nome Gabriel como uma alavanca para recordar algum detalhe, qualquer que fosse, mas sem sucesso. No mesmo instante, senti uma mão delicada acariciar minha bochecha. Fiz um esforço para não abrir muito os olhos e os abri lentamente.

— Boa noite — disse um homem, com uma voz baixa e incerta. Ainda não o conhecia. Ele tinha cabelos castanhos, mais claros que os dos outros dois, como se banhados pela luz do luar. De tamanho médio, estavam bagunçados. Sua pele era muito clara, imitando a de seus companheiros, e fazia um grande contraste com suas vestes de negro profundo, adornadas com bordados em prata. — Já se passaram nove horas desde que adormeceste.

— Seus amigos me disseram que sou um demônio; não sei como conseguiria ficar consciente — reclamei, com um tom ligeiramente irritado. Sentia raiva, mas não sabia o porquê.

— Sinto muito — lamentou. — Belial é muito quente, impulsivo e não tem jeito com as palavras. Por outro lado, Abaddon é muito frio e calculista. Às vezes, se esquece das reações das pessoas.

— Então, devo deduzir que você é o meio-termo?

— Chamo-me Satanael, mas pode me chamar de Sat. — Ele retirou a mão do meu rosto, estendendo-a para me cumprimentar. — Estou aqui para ajudá-lo; todos nós estamos.

Pela primeira vez, olhei diretamente para os três, lado a lado. Eles tinham alturas semelhantes, embora Belial fosse o mais alto e Abaddon o mais baixo. Sat estava certo: ele era o meio-termo, posicionado perfeitamente entre os outros dois. Por alguns minutos, não tive perguntas; ou melhor, tive, mas não as fiz. Belial se moveu depois de um tempo e foi para uma taverna sombria, enquanto Abaddon, que costumava revirar os olhos quando via Belial, pegou seu livro e se sentou em uma cadeira de madeira escura para ler.

No final de tudo, apenas Sat permanecia no mesmo lugar, olhando para mim e aguardando alguma reação. A expressão em seus olhos claramente indicava que desejava que eu não tivesse sofrido uma paralisia cerebral, mas não podia ter certeza.

— Sabe quem eu sou? — perguntei, finalmente encontrando forças para abrir a boca. Ele negou, pois sabia tanto quanto eu. Rapidamente, fiz outra pergunta:

— Eles estavam falando sério? Sobre eu ser um demônio?

— Neste momento, você não é totalmente um demônio. A transformação ainda não está completa. — Ele se aproximou com cautela, acomodando-se no braço da poltrona de couro envelhecido. — É preciso entender que, para evitar a sua morte, realizamos um antigo ritual de transferência. Ninguém nasce demônio; todos nós somos transformados em algum momento.

— É normal perder a memória?

— Em alguns casos, sim. Eu, por exemplo, perdi a memória. Mas Belial se lembrava de tudo; isso varia de pessoa para pessoa.

Tentava obter o máximo de respostas possíveis. Novamente, forcei-me a lembrar, mas uma dor aguda atravessou minha cabeça. Fechei os olhos, acreditando que assim poderia visualizar algo — uma lembrança, um sonho, algo útil.

— Gabriel. — Sat me chamou, e fiz um pequeno esforço para olhá-lo. — Não se force a lembrar; no momento certo, as lembranças virão. Você precisa descansar agora.

— Dormi nove horas; acha que me falta descanso? — indaguei, com um tom sarcástico. Inesperadamente, ele sorriu.

— Tinha esquecido do carisma dos humanos. — Sua breve risada foi sincera. — Você parece ser um jovem muito divertido.

Não pude deixar de sorrir de volta. Minha língua se soltou de forma brincalhona, e senti-me como uma criança. Percebi que Bel e Aba observavam, mas apenas com curiosidade. Isso também devia ser novidade para eles; curiosamente, Sat parecia acostumado e confortável com a situação. Eu ainda tinha muitas perguntas a fazer. A falta de respostas me deixava louco.

Fiquei olhando para Sat mais algumas vezes, até que senti meu corpo tornar-se pesado novamente e percebi que precisava descansar. Parecia que não havia dormido nos últimos dias; meus olhos estavam pesados de maneira inacreditável. Não conseguia recordar nenhum detalhe, então teria de confiar em Sat e esperar que minha mente se restabelecesse.

Tentei usar os poucos detalhes que possuía para assimilar algum momento, mas nada aconteceu. Depois de toda a análise que fiz sobre os homens e o local, tive tempo de reparar no que estava vestindo. Estranhamente, agora vestia um enorme casaco negro, feito de um tecido pesado que parecia acolhedor e protetor; deduzi que alguém me vestira enquanto eu dormia.

Mesmo sem lembranças, não me senti ameaçado por aquelas pessoas. Sentia dores em meu corpo e sabia que, se tirasse o casaco, veria marcas, provavelmente causadas pelo acidente do qual me falaram ou talvez não. Teria de investigar a situação mais a fundo; porém, naquele momento, não tinha forças e meu corpo implorava por descanso.

Meus olhos estavam fechados quando senti-me sendo levantado. Abrindo-os, encontrei o rosto firme de Belial. Ele, o mais forte de todos, me carregou em seu colo para fora do recinto. Não sei o que aconteceu, mas não consegui abrir a boca para dizer nada. Consegui olhar para Sat, que não protestava contra a atitude de seu companheiro.

Depois disso, tudo ficou muito aéreo. Acredito que adormeci sendo carregado por Belial, e a última sensação que tive foi a de sentir o calor e a maciez de uma cama. Não sabia quem era, não sabia onde estava, mas sabia... sabia que estava seguro.






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Em Direção Às Trevas [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora