🖤 VIII 🖤

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GABRIEL


Durante todo o caminho, queixei-me e pedi a Bel que me colocasse no chão. Obviamente, ele não deu importância. E, no fundo, sem querer admitir, sentia-me sortudo por sua desobediência. Não sabia como conseguiria andar com o tornozelo torcido. Na verdade, a mansão não estava tão longe; sempre a conseguíamos ver. Questionava ainda como havia caído em um buraco tão grande, como não o tinha visto.

— Chegamos — anunciou Bel quando finalmente cruzamos a porta. Reparei nos olhares de Sat e Aba e pensei que, assim como eu, não esperavam por essa situação. Sat vestia um avental, com os braços estendidos sobre a bancada, enquanto Aba estava sentado em uma poltrona, lendo um livro cujo título parecia estar em outra língua.

Um idioma demoníaco? Haveriam demônios copistas?

— Mas o que...? — Sat não precisou terminar, pois Bel me pousou no sofá livre que se encontrava à nossa direita.

— Ele caiu dentro do meu buraco — respondeu Bel. Tive a impressão de que, pelo menos um deles, iria rir da minha trapalhada. Mas ambos permaneceram sérios.

— Seu buraco? — repeti em confirmação.

— Longa história.

— O que fazemos agora? — perguntou Aba, pousando o livro em seu colo. — Não me lembro de haver aqui alguma ajuda para demônios em transformação.

— Não será necessário; já faz quatro dias que a transferência foi feita. Deixaremos que o corpo se recupere.

— Só? — interroguei, e todos me olharam como se eu tivesse feito uma pergunta absurda, ou talvez a resposta fosse óbvia demais.

— Os demônios se recuperam mais rápido e com mais precisão do que os humanos; não precisa fazer nada. Apenas fique calmo e espere que se cure; não deve demorar mais do que algumas horas — explicou Aba, como sempre muito instrutivo.

— E como irei para o quarto ou urinar? Preciso me mover — perguntei, e arrependi-me de tê-lo feito quando senti a mão de Bel apoiada em meu ombro, quente e pesada.

— Eu me responsabilizarei por seu transporte — ofereceu-se, e não precisei olhar para trás para saber que ele estava sorrindo de forma maligna.


    Não sabia exatamente quanto tempo esperei, apenas que sentia uma grande vontade de urinar, mas não ousava pedir ajuda a Bel para levantar. De fato, Sat tinha razão; à medida que o tempo passava, notava-se a melhora: meu tornozelo já não estava inchado, e a dor era quase inexistente. Ao cabo de algumas horas, reuni coragem suficiente para me pôr de pé e, para minha alegria, consegui sustentar-me sem auxílio. Não sentia dor alguma; era como se tivesse um tornozelo novo. Aproveitando a cura, despedi-me dos rapazes e procurei meu quarto. Por um milagre, encontrei-o em menos tempo do que esperava. Não pela minha orientação geográfica, mas porque agora havia um pedaço de pergaminho preso à minha porta. Em uma caligrafia grande e redonda, estava escrito "REI DOS PREGUIÇOSOS".

Dirigi-me ao quarto, que estava exatamente como o deixara. Após remexer em algumas gavetas e dar uma olhada no guarda-roupa, tinha tudo o que precisava para um banho tranquilo e relaxante. Não me importava com a opinião dos outros; estava cansado e ansiava por minha cama. Começava a acostumar-me com o espaço; era aconchegante e emanava uma sensação de calor. Coloquei as roupas sujas longe, pendurei a toalha e caminhei alguns passos até a cama. As luzes se apagaram, e adormeci.


Senti a mesma sensação de outrora, uma familiaridade, quando meus dedos deslizaram pela grama macia, repleta de cor e vida. Meu corpo estava assentado sobre um pano, e meus pezinhos tocavam uma cesta repleta de iguarias.

— Gabriel, cuidado com a comida, meu querido — alertou uma voz doce, e meus olhos encontraram uma bela mulher. Seus cabelos eram lisos e castanhos, movendo-se com suavidade e leveza. Seus olhos, de um verde claro, brilhavam com afeto e ternura.

— Sinto muito, mãe — pedi desculpas, sentando-me e examinando o piquenique. Meu olhar baixou, entristecido.

— Por que está assim, querido? — indagou ela, preocupada, acariciando minha bochecha.

— Papai nunca vem aos piqueniques — reclamei, e ela sorriu com um esforço contido. Seu sorriso era suave.

— Ele está ocupado em seu trabalho; seu pai possui uma ocupação importante, meu filho — disse, olhando para mim com ternura. — E... nossos piqueniques são secretos, lembra?

— Sim, papai não gosta de piqueniques.

Ainda não havia terminado, quando a mulher me pegou no colo e me abraçou. Sentia-me cercado por seu amor; não precisava de palavras para saber que ela me protegeria de todo mal. Olhei para o vasto jardim, a grama verde salpicada de girassóis, a cor amarela brilhante estendendo-se à minha frente. Levantei-me e corri, atravessando o campo com os braços estendidos, sentindo a brisa em meu rosto.

— Gabriel, não vá muito longe! — disse a doce mulher, e, com uma risada alegre, continuei a afastar-me. Sentia-me como uma criatura da natureza, talvez um pássaro ou uma borboleta. Não importava; estava livre e podia sentir a pura felicidade me preenchendo enquanto percorria o campo, com as mãos tocando os girassóis.

Olhei para trás e vi a querida mulher, minha mãe, acenando para mim. Em um tom mais alto, pude ouvi-la:

— Querido, venha comer!











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Em Direção Às Trevas [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora