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GABRIEL

Eu me encontrava em uma rua sombria, em uma parte decadente da cidade. Uma quantidade imensa de detritos me cercava: fragmentos de vidro e objetos desgastados que se espalhavam pelo chão. A mesma sensação que pairava sobre meu ser refletia em minha aparência: eu estava imundo, e a palma da minha mão direita exibia um corte profundo que jorrava sangue. Provavelmente, havia me ferido com alguma lâmina afiada que encontrei pelo caminho. Assim que as primeiras gotas de chuva despencaram do céu cinzento, as poucas almas que vagavam pela rua se apressaram a buscar abrigo em suas moradas. Voltei meu olhar para o reflexo na poça de água que se formara aos meus pés. Não, não era eu. Mas reconheci aquele rosto.

 Dante.


Repentinamente, abri os olhos e lembrei-me de que havia repousado naquela noite. Pretendia acessar minhas memórias ou recordar o que ocorrera naquele acidente, mas não esperava tal sonho. Por que o tive? Teria minha mente o inventado? ...Vi Belial, que possuía outro nome? Qual a razão que levou meu sonho a ser direcionado a ele? Não sabia, mas aceitei que era apenas um devaneio.

Levantei-me da cama, uma sensação de letargia percorrendo meu corpo. Olhei pela janela e, para minha surpresa, a chuva caía torrencialmente. O clima estava frio e úmido, e novamente pensei em retornar ao leito. Porém, não o fiz; havia muitas tarefas a serem realizadas enquanto estivesse desperto. Tomei um banho quente, surpreso por dispor de tal conforto, até que me lembrei das palavras de Aba na noite anterior. A água era recolhida do riacho, aquecida por uma lareira em um cômodo específico e transitava pela casa através de tubos ocos de barro. Grato pelo calor que me envolvia, vesti as vestes mais quentes que encontrei.

Depois de me arrumar, deixei o quarto e desci as escadas; à primeira vista, não vi ninguém. A cozinha estava deserta, mas havia um pedaço de pão e suco fresco sobre a mesa. Imaginei que era mais tarde do que supunha e que todos já haviam se alimentado, então sentei-me à mesa e comecei a comer. Tudo estava delicioso, tanto que senti uma pontada de tristeza a medida que terminava a refeição. Não sabia quem havia preparado tal alimento, mas com certeza era um grande mestre culinário.

Terminei de comer e fui limpar os vestígios que havia deixado. A casa ainda estava completamente silenciosa. A solidão começava a parecer estranha, mas ainda não se tornara assustadora. Estava terminando de secar tudo quando ouvi um barulho, e meu instinto me levou a olhar para trás em busca de um rosto familiar.

— Quem se encontra aí? — perguntei, voltando minha atenção para os recantos da cozinha.

— Sou eu. — A voz de Sat ressoou à medida que ele se aproximava, saindo de seu esconderijo. — Já degustou algo?

— Sim, estou limpando tudo. — respondi, sorrindo. — Onde andava?

— Fomos até a Fonte dos Pecados para solicitar a presença dos irmãos. — Sat retribuiu o sorriso. — Lamentamos tê-lo deixado só, pensávamos que repousaria mais.

— Fonte dos Pecados? — Repeti, o nome despertando minha curiosidade.

— Sim, está em uma parte da floresta que apenas os demônios conseguem localizar. Usamos-na para convocar reuniões e encontros com os servos do Supremo.

— Nunca se reuniram com o Supremo?

— Temos uma a cada início de inverno. — exclamou Sat. — É onde todos nos congregamos e discutimos como serão as próximas estações; também é quando novos demônios são apresentados, caso haja transformações.

Abri a boca para replicar, para tentar validar suas palavras, mas fui distraído pela entrada de outra pessoa. Meus olhos se voltaram para Aba e Bel, que entravam na cozinha com uma calma peculiar. Assim que vi Bel, lembrei do sonho: seu rosto era idêntico ao do jovem. Tinha certeza de que era ele, mas como poderia ter imaginado tal coisa? Minha mente provavelmente tentava consolar-se com a falta de informações sobre meu passado.

— Veja quem já está desperto. — disse Bel ironicamente. — A Bela Adormecida.

— Muito engraçado, Bel. — Ri, já me acostumando com suas brincadeiras. — Está ansioso para ver os irmãos intrometidos?

— Na verdade, pondero a possibilidade de me afastar e retornar apenas quando eles tiverem partido. — disse ele, com expressão pesada.

— Não se deixe levar por ideias, Bel. — interveio Aba, colocando a mão em seu ombro. — Sabe como reagiriam.

— Não me importa como reagiriam; só quero que se...

— Ei, ei! Cuidado com a linguagem. — Sentei-me para participar da conversa e cubri a boca para que não escapasse uma risada. Começava a apreciar as discussões entre eles.

— Que infantilidade. — disse Aba, como se estivesse extraindo as palavras de minha boca.

— Você que é infantil. — respondeu Bel, cerrando os punhos. — Desprezo aqueles dois, são completos idiotas que não sabem fazer nada além de espiar e espalhar o que não lhes pertence!

— Por que não gosta deles? — Finalmente perguntei, e todos me fitavam, Aba e Sat como se eu houvesse feito uma pergunta proibida.

— Porque sim, são idiotas, simplesmente. — Essa foi a resposta de Bel, e ficou claro que ele não desejava me contar o motivo. Não insisti e apenas esbocei um meio sorriso.

— Tudo bem, tudo bem. Vamos pôr fim a este conflito. — Comecei, olhando para todos com confiança. — Quem se dispõe a me ajudar a descobrir meu poder?

— Er...

— Cale-se, Belial. — disse Sat, antes que o mais brincalhão pudesse intervir. — Eu me ofereço.

— Eu também me ofereço. — Aba sorriu calorosamente.

— E você, Bel? — perguntei, e ele revirou os olhos.

— Estava prestes a oferecer minha ajuda, mas esses dois me interromperam.

— Então, irá me ajudar? — A surpresa transpareceu em minha voz.

— Claro que não. — estalou a língua. — Apenas me divertirei com teus fracassos.








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Em Direção Às Trevas [Em Revisão]Onde histórias criam vida. Descubra agora