Capítulo 40

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Todo o meu corpo ficou extremamente desconfortável de uma maneira progressiva. Primeiro senti um formigamento nos dedos dos pés e das mãos que foi se iniciando também levemente no meu rosto. Logo depois minhas mãos, pés, pernas e braços também sentiram o formigamento. Depois meus músculos e nervos começaram a ficar estranhos, pouco antes de eu sentir uma dor de cabeça aguda e que parecia que minha cabeça ia descolar do restante do meu corpo. E, como eu sabia, era mais ou menos isso mesmo que estava para acontecer.

Tia Zelena tentava entender o que estava acontecendo, ao mesmo tempo que estava perplexa e confusa com cada palavra que saía da boca de Cora, que olhava para mim sem nem piscar, mas sorria e vinha vindo em minha direção. Por mais que eu tentasse fugir dela, meu corpo não me obedecia da maneira como deveria, da forma como eu queria, era como se ele estivesse recebendo dois tipos de ordens e não soubesse qualquer das duas seguir e, com isso, estava tentando seguir as duas ordens simultaneamente, porem como eram totalmente opostas, meu corpo e minha mente estavam fazendo metade do que deveria ser feito para ambas as ordens.

Cora ... bem, aquela Cora que estava ali encantando palavras em élfico ... havia me dado uma poção de não envelhecimento totalmente alterada durante meses, isso estava muito claro para mim naquele exato momento, tendo em visto o que estava acontecendo com o meu corpo, minha mente, comigo. Me dei conta de que também aqueles chás que ela havia me dado em alguns momentos, principalmente nos últimos eventos nos quais passei mal, tinham na verdade uma porção bem mais concentrada do que ela estava me dando durante todo aquele tempo. É como se nos últimos dias ela precisasse ter certeza de que tudo sairia da forma como planejou e me fez tomar aquilo que ela precisava que eu tomasse, com menor intervalo de tempo.

Todos esses pensamentos passaram na minha mente durante cerca de cinco segundos ou menos, porque foi quando tudo aquilo ficou mais claro do que água e mais forte e intenso do que todas as poções que Cora havia me dado. Enquanto meu corpo não obedecia minhas ordens de como agir e de como se comportar, minha mente trabalhava loucamente entendendo tudo o que acontecera durante os meses anteriores e o que estava acontecendo naquele momento, se preparando, em desespero, para o que eu já tinha certeza absoluta que viria.

- Ela ... – apontei para Cora, tentando explicar para Zelena o que estava acontecendo comigo, segundos antes de se concretizar. – Ela ... ela está me dividindo.

Mal acabei de falar e meu rosto começou a arder intensamente e logo depois todo o meu corpo já ardia, como se estivesse se desfazendo, se desmanchando, se despedaçando. Mas se pensarmos friamente, era quase isso que estava acontecendo mesmo. Na verdade, meu corpo estava se separando em duas metades e tentando se reconstruir, se reorganizar, tudo ao mesmo tempo. Quando o processo de divisão começou, Zelena compreendeu imediatamente a gravidade da situação e gritou, assustada, mas altamente enfurecida com aquela realidade. Meu avô não entendia absolutamente nada e estava apavorado por mim. Já Cora não parava de ditar seu mantra em élfico, se certificando de que nada saísse de seu controle, se certificando de que seu objetivo fosse atingido, se certificando de que eu me dividiria conforme seu plano que, não podíamos negar, fora sim elaborado e executado com perfeição.

Foi como descolar um adesivo de uma folha de papel, porem um pouco mais (muito mais) dolorido do que isso. A dor só passou, deixando meu corpo inteiro dolorido pelo processo, quando ela saiu. Quando nos dividimos e a vi ali, materializada, concreta, um espelho meu, parada bem à minha frente. Aileen.

Aileen. Como se fosse uma irmã gêmea. Como se fosse uma outra pessoa. E era. Naquele momento ela era uma outra pessoa. Uma pessoa totalmente separada de mim. Que eu conhecia tudo a respeito e todos os seus pensamentos e intenções mais perigosas e descompensadas. Toda sua intensidade desequilibrada. E pensando bem, essa poderia até ser a parte boa, pois saber tudo sobre ela até aquele momento poderia ajudar em muita coisa, mas em contrapartida, ela também sabia tudo sobre mim. Tudo sobre quaisquer pensamentos e intenções minhas. Até aquele momento ambas conheciam uma a outra muito bem. Até aquele momento.

Era como se na frente uma da outra estivessem a Regina e a Rainha Má. Mas aquilo não era possível. Seria possível dividir as duas dessa forma? Percebi, chocada, que era possível ao ouvir tia Zelena muito abalada comentar baixinho, quase como se falasse apenas consigo mesma:

- Ah meu Deus. Exatamente igual a vez que Regina se separou da Rainha Má.

Então tive certeza. Tudo que na minha cabeça ainda não se encaixava por algum motivo, naquele momento se encaixou e absolutamente todo o plano de Cora ficou claro e transparente como água. Eu sabia como ela tinha montado cada parte do seu plano, como cada coisa se interligou e como o efeito em cascata fora perfeitamente arquitetado e concretizado. A mulher que estava ali e eu achava que era a minha avó havia me dividido em duas: a parte boa e a parte má, Blanck e Aileen. E essa nem era a pior parte. A pior parte eram as intenções dela, que ficaram totalmente compreensíveis e com certeza Aileen também sabia exatamente quais eram, tendo o histórico de ter estado dentro do meu corpo até segundos atrás e também por ter uma mente bem parecida com a de Cora. E isso sim, ah isso com certeza não era nada bom.

A simples conclusão da situação era de que nós estávamos total, inteira e completamente sendo arrastados praticamente morro abaixo.

Blanck 2 - A transformação do malOnde histórias criam vida. Descubra agora