Capítulo 3 | Anarchy in the U.K

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Minha comida era racionada e o dinheiro estava acabando. Eu sentia desespero, desamparo, dor e vontade de morrer, minha vida não tinha mais jeito, ou eu arrumava um emprego de merda até não aguentar mais, ou morreria como uma mendiga, e sinceramente, não consigo me ver resistindo à nenhuma dessas humilhações.

Havia também a abstinência. Eu não tinha os remédios da minha mãe, minha cabeça doía, meu corpo tremia, nada fazia sentido e o mundo pra mim girava e girava.

Eu gostaria de ser qualquer pessoa, uma criança inocente, uma mulher casada, um homem gordo, um idoso, um ignorante, qualquer pessoa mesmo, menos eu. Sempre fui um caso perdido, ser expulsa de casa só me mostrou a única coisa que eu sou, que eu carrego comigo que nenhum bem material resistiria até o fim dentro de mim, tantos sentimentos ruins que era quase como uma explosão, um surto constante. Naqueles dias eu senti tudo. Senti tudo o que eu realmente era, uma pessoa de merda.

Me levantei e saí daquele buraco que por uma semana chamei de casa, e mesmo com as roupas surradas, o cabelo e o corpo fedido, quase nenhuma hora de sono, já que a dor não me dava sossego nem para dormir, fui com meu dinheiro restante na mão procurando comida por aí, e considerei seriamente roubar algum lugar. Na frente de uma padaria, havia um poste, e ali havia um cartaz enorme escrito "precisamos de um guitarrista para nossa banda, Nirvana", e logo em seguida, um número e um endereço que ficava do lado da antiga casa da minha tia que se mudou pra Seattle.

Ignorei no momento. Eu toco guitarra, mas sei como bandas não dão dinheiro, principalmente essas de pirralhos revoltados em uma garagem. Entrei na padaria, comprei uns pães e saí com um deles quentinho em minha mão. Encarei novamente o papel no poste, e não sei se era minha mente perturbada ou não, mas aquilo parecia me chamar, e quando percebi, já havia carregado a sacola de pães até a casa à venda da minha tia, e ao lado dela estava o endereço do cartaz.

Respirei fundo, arrumei o cabelo e tentei me arrumar o suficiente para parecer apresentável, então bati na porta. Um homem de cabelos marrons atendeu, sua expressão era séria e eu sentia um leve desgosto vindo dele, provavelmente pelo meu mau cheiro.

- Posso saber quem você é? - se escorou na porta - testemunha de Jeová?

- Aqui é a casa do cartaz? - falei e o homem assentiu com a cabeça - Estava sem telefone e não pude avisar que viria, me desculpe

De repente, sua expressão mudou. Ele sorriu e pareceu simpático.

- Quer entrar? - abriu a porta, e nesse momento, pareceu perceber a sacola na minha mão - esqueceu de deixar em casa ou isso é pra mim?

Um pequeno aperto veio em meu coração, uma pontada apenas.

- Uh, esqueci - falei um pouco envergonhada

- Pode deixar na mesa, depois você pega - ele estava realmente animado - Kurt, Krist, eu falei porra que ia aparecer alguém. Qual o seu nome, moça?

- Amber - falei colocando minhas coisas na mesa - e o seu?

Ele não me respondeu, apenas fez um sinal que eu o seguisse e assim fiz. Em uma sala pequena, um loiro e mais um cara moreno estavam lá. Tinha uma bateria, duas guitarras, um violão e um baixo.

- Eu sou Dave, ele é Krist - apontou para o de cabelos castanhos - e outro esquisito alí é o Kurt - indicou para o loiro sentado no sofá - Essa aqui é a Amber

Kirst acenou para mim com um sorriso que retribuí, Kurt não

Ambos pareciam que não tomavam banho, igual a mim. Senti um alívio enorme ao perceber isso, já que sabia que não iriam se importar com minha aparência, porém mesmo assim, me senti desconfortável ao ver o olhar julgador do loiro. Esnobe.

- Eu te conheço Amber - estreitou os olhos

Eu tinha quase certeza que nunca tinha visto esse cara na minha vida.

- Você é a ex namorada do Axl Rose - tentou amenizar o olhar torto que já tinha sobre mim - a groupie, né? - disse sem pudor

Tinha esse detalhe. Acho que é a segunda vez que fui reconhecida, nunca esperei que isso iria acontecer de novo.

- Eu era groupie. Era namorada dele - o respondi no mesmo tom ignorante. Não era mentira, mas parecia que ele dizia como se fosse melhor que eu pelo simples fato de um dia, eu ter errado.

- Que foda - Krist disse impressionado - quem te ensinou a tocar? Slash? Aprendeu sozinha? Me diz que ele te ensinou alguma coisa

- Meio que sim - Saul não era muito famoso. Krist deveria ser algum tipo de fã ou só era bem integrado no mundo do rock - eu sabia algumas coisas, mas ele me ajudou a me aprofundar nisso.

Axl não gostava que eu tocasse.

O loiro revirou os olhos

- Eu não acho - murmurou

Me segurei para não dizer um grande Foda-se com vontade na cara dele, mas eu ia fazer o que? Perder a chance de fazer uns trocados?

- Para de ser pau no cú Kurt - Dave disse - você não tem uma guitarra pelo visto.

Com minha cabeça, balancei negativamente.

- Pega aquela Fender do lado do sofá, coloca o cabo no amplificador e toca qualquer coisa. - o moreno continuou

  Fiz o que ele pediu, mas ao passar do lado do sofá, onde Kurt estava, recebi mais uma olhada feia em mim. Esse cara era completamente pau no cú.

  Com a mesma empolgação dele, peguei o instrumento nas mãos e respirei fundo. Eu tinha que ser perfeita pra não estragar a oportunidade, então toquei com toda a convicção Fade to Black do Metallica.

- Para - Kurt interrompeu. Obedeci o que ele falou - para para. Você gosta mesmo disso? Você se identifica com isso?

  Que papo de maconheiro do caralho

- Pra ser sincera, gosto um pouco mas não é uma das minhas preferidas - respondi

- Então toca alguma coisa com o coração. - continuou

  Sorri. Tive que admitir para mim mesma, que apesar de ser um pouco arrombado, esse cara sabe o que está fazendo. Peguei denovo nas cordas e toquei um dos solos que sinceramente mais me faziam ficar emocional, Stairway to Heaven, Led Zeppelin. Axl havia me mostrado essa música, lembro como se fosse hoje da minha reação. Era impressionante, tudo sobre a música era.

  Eles estavam parecendo gostar, menos Kurt. Ele tinha uma expressão indecifrável. Não sabia se ele tinha achado aquilo bom ou ruim.

- Toca rock punk agora - o loiro disse na entonação de uma ordem - uma que você gosta

Aquilo pareceu chato. Gosta. Gosta. É claro que eu gosto. Agarrei as cordas novamente e comecei a tocar Anarchy in The U.K, dos Sex Pistols. Era apenas a base, e minha face já mantinha uma expressão fechada por estar cansada de Kurt. Quando olhei para ele, o homem estava cantando a música com um sorriso no rosto até eu acabar. Finalmente fiz esse homem gostar de alguma coisa que eu fiz.

- Por mim ela entra - Dave se pronunciou

- Também acho - Krist disse

Os dois encararam o amigo procurando uma terceira opinião. Bem, pelo menos de dois eu já estava garantida.

- Apesar de algumas coisas - eu sabia bem do que ele queria dizer - você entra. E hoje, vai ter que aprender umas três músicas pra esse Sábado, todos os dias temos ensaio e se a gente se sair bem como banda, pode ficar com setenta dólares de cachê do show.

- Muito obrigada - Tentei conter a euforia. Mal tinha entrado e já tinha dinheiro e show confirmado, se eu conseguir uns duzentos dólares por mês talvez dê pra arrumar um quarto pra alugar. Um sorrisinho brotou no meu rosto.

No final, era só isso que eu queria, uma vida estável, fazer uns covers e ser feliz. Eu era fodida mas talvez encontrasse salvação nisso. Talvez esse fosse meu destino.

𝐃𝐫𝐚𝐢𝐧 𝐘𝐨𝐮 | ᴋᴜʀᴛ ᴄᴏʙᴀɪɴOnde histórias criam vida. Descubra agora