Capítulo 17 | Nevermind

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24 de Setembro de 1991

  Depois que voltamos da turnê, ficamos mais um ano e meio trabalhando no álbum Nevermind. No final, decidimos fazer algo um pouco mais comercial que Bleach, já que só abrangeu um público underground, e não era essa a intenção. Chamamos a princípio um produtor musical, e vi Kurt brigar com ele algumas vezes para que não perdêssemos a "essência" das músicas apesar de tudo, e no final, o álbum ficou tão bom que não consegui dizer uma música que genuinamente considerei ruim.

- Acho que vai tocar agora - falei empolgada

Estávamos no carro esperando Smells like teen spirit tocar na rádio já fazia por volta de uma hora. Seria a primeira vez que uma música nossa tocaria lá, e tanto eu quanto Dave e Krist estávamos animados com isso.

Depois que "Emi" dos Sex Pistols parou de tocar, o riff de smells like teen spirit ecoou pelos meus ouvidos. Kurt pegou em meus ombros e me balançou totalmente eufórico. Dave deu um grito de alegria junto à mim e Krist apenas sorria como eu nunca havia visto antes.

- Caralho, caralho, caralho - Cobain repetia - faz tanto tempo que eu sonho em uma música nossa no rádio

  Ele realmente falava disso o tempo todo desde que a gravadora ofereceu a proposta. No final, a sensação de que a banda estava crescendo era tão grande que uma semana depois já fomos conferir o número de CD's vendidos de Nevermind, e eles haviam esgotado.

  Depois do primeiro mês de lançamento, percebemos que o álbum estourou no país, e no segundo mês de uma hora para outra já estávamos na lista de mais vendidos do mundo. Com isso, a  fama e o dinheiro vieram tão fácil que o difícil se tornava acreditar naquela nova realidade.

   O primeiro show que fizemos de Nevermind foi no teatro de Seattle, que rapidamente lotou. Ao entrar no palco, vendo aquele público centenas de vezes maior que o habitual, meu coração saia pela boca, e eu sabia que Krist, Kurt e Dave se sentiam da mesma forma. Era assustador, irreal e tão intimidante que minha performance durante os dez primeiros minutos foi simplesmente patética, porém, público não era nada exigente, parecia que não se importavam com isso, só queriam escutar a música.

   Eu olhava para Kurt e via com nitidez a felicidade em seu olhar, principalmente quando as músicas mais famosas tocavam à medida que as pessoas se extasiavam. Todos nós estávamos assim, mas o estado dele se destacava, até mesmo quando o show acabou.

- Ei, querem ir lá pra casa? - Cobain me perguntou

Com o dinheiro dos shows e dos CD's, cada membro da banda já havia comprado uma casa para si. Kelsey morava com Dave, Krist pulava entre algumas namoradas momentâneas e eu e Kurt morávamos sozinhos.

   Eu e Dave aceitamos ir para a casa de Kurt, que era totalmente desorganizada, e apesar dele ter dinheiro pra pagar uma faxineira, também fedia, mas acho que era principalmente pelos animais que ele tinha. Os coelhos dele cagavam em todos os cantos.

- Nossa, que lugar limpinho e acolhedor - falei depois de ter acabado de entrar

Dave deu uma olhada de canto pra mim, como se eu tivesse acabado de falar uma merda muito grande.

- Você fala como se levantasse todos os dias de manhã pra arrumar o próprio apartamento - ele direcionou o olhar pra mim - bem limpinho inclusive, nem parece que tem cheiro de maconha

- Só tem cheiro mesmo, porque a maconha que eu tinha em casa você fumou sozinho

- Fumei mesmo. - ele riu - acabei de ter uma ideia - ele sorriu - vamos pro sofá ver Tv e fumar?

Dave levantou uma sobrancelha

- Kurt, você não acha que isso está virando um vício? Toda vez é assim cara - o moreno suspirou - todos os dias

Kurt apenas riu

- Eu posso parar quando eu quiser

- Clássica frase de viciado - o alfinetei - você tem certeza que é só maconha?

  O loiro pareceu não encontrar palavras que respondessem às nossas perguntas.

- As dores de barriga voltaram. Minha mãe também. - Kurt disse cabisbaixo

  Por um segundo havia me sentido dona da razão, mas depois, percebi que o título de "viciado" era mais profundo que o meu julgamento sobre como isso incidia na vida dele. Como eu poderia dizer pra alguém largar uma coisa que o fazia sumir da sua realidade? Já sei porque hoje ele estava feliz. Como eu poderia pedir pra ele nunca mais consumir nenhuma droga?

  Como eu poderia exigir que ele abandonasse a coisa que o fizesse viver, mesmo que pra isso ele tivesse que ceder a própria vida? E eu não sou ninguém pra dizer a ele o que fazer, já que se drogar, também é a opção que eu escolhi.

   Às vezes eu esqueço que podemos perder ao enfrentar nossos próprios fantasmas, principalmente quando eles são maiores que nós e nossa vontade de continuar vivendo.

- Quer desabafar sobre o que aconteceu? - Dave apertou o ombro de Cobain

   Ele suspirou e assentiu

- Minha mãe foi convidada à uma entrevista. Eu fiquei animado sobre ela respondendo a respeito a minha infância, até que a entrevista acabou e ela me ligou -  ele arregalou os olhos e levantou as sobrancelhas, em uma expressão de desespero - isso apenas para me dizer que achava que eu não aguentaria o sucesso, que me conhecia e sabia que eu iria me suicidar, já que sou tão frágil. Ela me mandou desistir

Abri meus braços para que ele compartilhasse comigo aquela dor, que pudesse se sentir seguro. Assim ele fez, e Dave nos abraçou junto.

Kurt chorou dizendo que odiava a vadia da mãe dele

- Não basta se separar do meu pai, dormir com um cara e eu ter visto isso, me incentivado a fumar e beber álcool, ser uma mãe de merda que nunca se importou comigo - ele bufou, reunindo a própria raiva para proferir as palavras - e ainda diz que vou me matar. Eu tenho certeza que é isso que ela quer, e se for, contribui todos os dias pra que isso aconteça.

  Continuamos escutando ele com toda a atenção. Kurt se soltou do abraço e continuou com a mesma expressão.

- Eu queria saber como seria ter uma família de verdade. É tudo o que eu mais quero.

  Ele falava como se gritasse tudo o que eu também sinto. Todos os dias, toda hora. Ele expressava um buraco dentro de tantos corações, que por coincidência incluem os nossos.

- Eu entendo - falei com o cenho franzido

Eu entendia tanto que tomava a dor dele. Eu odiava a mãe dele, e voltava a me sentir vazia quando ele também se sentia.

- Kurt, você não pode controlar isso, nem pode fazer sua mãe ser boa com você. Ela não é porque se frustrou muito na vida, é uma criança como você, e não sabe lidar com os próprio sentimentos - Dave colocou o braço sobre o ombro do amigo - pra mim, nós já somos uma família, eu, você, Krist e Amber. Nós amamos você, e vamos te apoiar sempre.

  Concordei com Dave e abracei o loiro de lado, colocando a cabeça em seu ombro. Ele chorou, já que tudo que queria era se sentir amado, e Dave era bom em fazer isso, na verdade, ele sempre sabia o que dizer.

𝐃𝐫𝐚𝐢𝐧 𝐘𝐨𝐮 | ᴋᴜʀᴛ ᴄᴏʙᴀɪɴOnde histórias criam vida. Descubra agora