Capítulo 31
{Adam}
Minha visão não podia alcançar muita coisa, mas foi fácil identificar quem estava com uma flecha cravada no coração. Tudo ao meu redor ficou lento e a única coisa que pude fazer foi observar, até seu corpo sumir do meu campo de visão limitado.
Foram incontáveis as vezes que vi a sua vida passar por diante dos meus olhos e não conseguir fazer nada a respeito, por fraqueza, principalmente, mas também por falta de tempo e oportunidade. Agora parecia que tinha acabado de vez.
Acabado a felicidade, as piadas que só a gente entendia, as risadas que apareciam em momentos inapropriados, as incertezas compartilhadas e a cumplicidade que sempre esteve presente.
A neve parecia um cobertor, quente e confortável para se deixar levar pelo encatamento do sono, que estava cada vez mais próximo. Porém, a cor vermelha a deixava lamentável, trazia uma dor e uma experiência sombria, que ninguém saberia dizer a tamanha importância na vida de quem presenciou.
Me causou repulsa e se pudesse apagar da minha mente todos os detalhes, eu faria. No entanto, não parece um momento que se apaga nem com o passar do tempo ou que pode causar menos sofrimento. Pelo contrário, parece que já deixou sua marca em meus pensamentos, que não pode ser desfeita por uma simples felicidade ou um período de paz.
Raiva, ódio e vingança deveriam me cercar e me fazer agir, mas o meu corpo lamenta e meu coração pede desculpas por não conseguir ser um homem como os outros. Ao invés de me rebelar, me reprimi. Abracei o corpo de Capysh com cuidado, como se ela pudesse sentir se eu a apertasse com força.
A sensação de vazio me preencheu outra vez, mais forte e afiada, pois a esperança foi se esvaindo com o passar dos dias e a pouca preocupação dos soberanos já dizia qual seria o nosso destino. Agora, sem as pessoas que poderiam mudar esse caminho, a realidade ficou completamente nítida.
As responsabilidades pesaram sob os meus ombros e as lágrimas desesperadas fizeram doer a cabeça, que começou a martelar e a pulsar descontroladamente. Fechei os olhos e ao abri-los captei luzes amarelas que vinham de algo quente e que cercavam meu corpo.
O vento não incomodava com a mesma força de antes, agora deixava meus cabelos parados e não me fazia tremer de frio. Meus olhos se fixaram em um corpo imóvel, debruçado sob a cama, com um fino lençol por cima dos ombros.
Ao se mexer um pouco, percebi que era meu pai, que, provavelmente, acabou dormindo enquanto esperava que eu acordasse. A cabeça doeu um pouco, talvez pelo movimento brusco que fiz com o pescoço para vê-lo melhor e fui obrigado a fechar os olhos.
Tive medo de não conseguir abri-los quando alguém me chamasse, mas ao ouvir batidas na porta fiquei aliviado por não ter apagado completamente. Sorri ao escutar a porta se abrir e uma voz doce e meiga chegar aos meus ouvidos.
— Meu filho. - minha mãe se aconchegou ao meu lado, devagar, quase desapercebida - Meu menino.
Senti seus lábios no topo da cabeça ao mesmo tempo que algumas gotas caíram na minha bochecha. Seus braços quentes me envolveram, com uma força mínima para não me machucar. E por sentimentos que não consegui reconhecer, comecei a chorar.
— Você está conosco agora. - ela disse, sussurrando em meu ouvido - Você está comigo, finalmente.
Quando ela disse "finalmente", lembrei que fiquei sem vê-la por muito tempo desde quando chegamos e que nossos diálogos eram apenas "bom dia" e "Cuide-se", basicamente.
— Me perdoa. - pedi, sem saber com que finalidade -
— Shhh. Não se esforce, precisa ficar bem logo.
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Entre Guerras
FantasyHá muito tempo atrás, o mundo era habitado por seres mágicos, que dedicaram suas vidas para criar um lugar harmonioso e puro, até que o mal convidou o bem para guerrear pela primeira vez. Os seres malignos e ambiciosos venceram e governaram um mundo...