41 - Você vai ouvir

437 86 26
                                    

Pov Maraisa

Marília chegou às nove da noite. Me perguntei se ela não estava mais indo trabalhar. Ela passava a noite toda, todas as noites, guardando meu prédio. Ela não conseguiria trabalhar durante o dia todo. 

Deixei-a lá por uma hora enquanto preparava as coisas e, em seguida, desci as escadas. Quando me aproximei, ela ficou em pé. 

— Tudo certo? 

— Eu... só não estava tendo uma boa noite. Se importa se eu me juntar a você um pouco? — Estendi o prato. — Fiz cookies. 

Ela procurou meu rosto, sem entender o que eu estava fazendo. Encontrando sinceridade no fato de que eu estava tendo uma noite ruim, assentiu. 

— Claro. 

Nossa conversa foi lenta no início, pois nenhuma de nós sabia o que dizer. Perguntei a ela sobre o trabalho e contei sobre minhas perspectivas de emprego. 

Dei algumas respostas vagas sobre considerar opções e, eventualmente, trouxe à tona o assunto a tratar. 

Houve uma pausa na conversa e eu respirei fundo e exalei audivelmente. 

— Não sei se tranquei a porta. 

— Hoje? 

Balancei a cabeça. 

— Não. Quando o apartamento foi arrombado. A chave ficava em uma fita longa e vermelha que eu gostava de usar ao redor do pescoço. Fui a última a sair e deveria trancar a porta. Mas não consigo me lembrar se tranquei. É por isso que sempre checo três vezes antes de sair de casa. 

— Você era criança. 

— Eu sei. E o bairro teve uma dúzia de invasões nas semanas que antecederam a nossa. Algumas não tinham sinais de arrombamento. Outros tiveram janelas e portas quebradas. Provavelmente não faria diferença. Eles ainda estariam lá dentro quando chegamos. A polícia disse que, se quisessem entrar, teriam conseguido de uma forma ou de outra. — Dei de ombros. — Mas hoje eu estava tentando lembrar novamente se eu a tinha trancado. 

Eu costumava repassar meus movimentos daquele dia várias vezes em minha cabeça. 

Marília me envolveu com o braço e me puxou para perto. 

— O que eu posso fazer? 

— Nada. Só falar com você me fez sentir melhor, na verdade. 

Ela me apertou. 

— Desça quando quiser. Estou aqui entre o pôr e o nascer do sol. 

Ouvi o sorriso em sua voz e me virei, querendo vê-la. Sentia tanta falta disso. Por um segundo, pela maneira como ela me olhou, vi que tudo o que ela sentia por mim ainda estava lá. Ela só havia enterrado bem fundo. Eu podia ver alguns lampejos antes de saírem de alcance de novo. 

Constatando que a tinha pressionado o suficiente por uma noite, me forcei a me levantar. 

— Vou para a cama. Obrigada por me ouvir, Marília. 

— Quando quiser. 

— Vou deixar o prato. Acho que, se policiais ganham donuts, o mínimo que eu poderia fazer é dar à minha guarda-costas alguns cookies. 

Segui para casa e me virei. Fiquei tão animada em pegar seus olhos em minha bunda que quase esqueci o que ia dizer. 

— Por que você não é a pessoa certa para mim, Marília? 

Algum dia, eu a faria me contar. Hoje, não.                 

[...]

Continuamos por mais uma semana. Eu levava um lanche e nós nos sentávamos e conversávamos por uma ou duas horas nos degraus de algum prédio qualquer do outro lado da rua em que eu morava. 

Minha Chefe Criativa - Malila | G!pOnde histórias criam vida. Descubra agora