— Você tem os seus motivos para não confiar em mim.
Jackeline se senta na cadeira de madeira colocada no centro de uma sala vazia, com frias paredes brancas.
Outra cadeira de madeira está posicionada na frente dela, mas Carina se mantém de pé.
— Eu tenho. Você havia dito que eu era uma paciente, e que todas as minhas palavras ficariam em segredo.
— E estão.
— Por que meu irmão está aqui, afinal de contas? Vocês sabem que ele não vai ajudar vocês. Ele não quer ajudar vocês. Tudo o que aquele ingrato quer é poder e reconhecimento.
— É o que todas as pessoas procuram. Serem vistas.
— Não é o que eu procuro. Eu jamais passaria por cima de uma humanidade pela fama.
— A fama molda as pessoas, Jackie. Seu irmão foi uma criança negada pelos pais, foi o filho que eles jamais desejaram ter. Tudo o que ele quer é ter um nome.
— Nossos pais estão mortos.
— Mas ainda existem pessoas lá fora que são capazes de olhar para ele como ninguém olhou.
— Ninguém olhou para mim. — Jackie arrumava a postura. Confiante, apesar do frio crescente.
Carina senta na cadeira, encara os olhos vermelhos. Aqueles olhos que carregam o peso de serem a razão pela qual o mundo tem uma chance. De olhar demais, Carina sente um desejo incontrolável e irracional de arranca-los.
— Jackie, você não é como seu irmão. Cresceram em realidades diferentes, em situações diferentes, e não enxergam o mundo da mesma forma. Se estivesse tão disposta a salvar o mundo, você estaria morta. Mas está aqui, bem na minha frente, questionando o caráter do seu irmão.
— Por que você defende tanto ele, afinal? — Ela cerra os olhos, entreabertos. — É porque ele vai garantir o seu futuro, não é? Porque ele é o incrível estudante químico que vai salvar a pátria. O grande herói.
— Você faz tudo ser mais difícil.
— Ele fez com que fosse. Se não fosse a brincadeira imbecil de aplicar o vírus no meu braço, eu não seria uma cobaia. O mundo não tem chances enquanto ele for a salvação.
Carina relaxa o rosto, suavizando sua expressão e sua voz.
— Você é a salvação. O futuro de todos nós sempre esteve na sua mão.
— Sempre, não.
— Você acha que se você tivesse se rendido desde o início, o Pedro não teria conseguido achar uma cura? Com diversas amostras, levaria muito menos tempo. O Pedro agora estaria vivo, e a Marina não estaria se escondendo debaixo das cobertas para chorar pela manhã.
O sangue de Jackie ferve. Ela se levanta da cadeira, olhando para a terapeuta de cima a baixo.
— Tira o nome dela da sua boca.
Carina ainda está calma. Ela apoia a prancheta no colo, com um sorriso de lábios.
— Esse é o sentimento de culpa.
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Até que Sobre Só Nós Duas
RomansaMarina é uma cientista laboratorial durante um cenário pós explosão de usina nuclear, onde grande parte da população está se transformando em zumbi por radiação contagiosa. Porém, o laboratório descobre que uma garota em potencial possui um sangue c...