Eu estava caindo, e não fazia ideia de quanto tempo. Sentia minha pele congelar. A escuridão ao meu redor e o silêncio, era o que eu tinha. Eu ia morrer, tinha certeza disso. Evan tinha ficado com Soldar. E eu não conseguira me despedir. Um flash de memórias, como num filme, passava pela minha cabeça. Todos os momentos. A fome que tínhamos enfrentado quando crianças, sobrevivendo com os restos que encontrávamos nas ruas. E toda a solidão. Eu tinha apenas meu irmão e ele tinha a mim. Éramos excluídos. Sem um lar. Sem ter onde morar, alguém para recorrer. E assim eu me encontrava. Sozinha e morrendo.
Quando pensei que era meu fim, eu parei de cair, e minha cara acertou em cheio na... grama?
Me levantei, estava toda suja. Olhei ao redor para me situar, e percebi que era um bosque. E, mancando vindo em minha direção, vinha uma velhinha, com capuz e uma capa cinza, que se apoiava numa madeira comprida e fina.
- Olá? - chamei.
A velha parou de caminhar e me convidou para ir até ela.
Eu fui, mesmo com um pouco de medo. Mas, o que poderia uma velha fazer comigo?
Cheguei perto dela e pude ver o quanto ela era horrorosa. Seus cabelos tinha um tom acinzentado e desarrumados, os dentes amarelos, muito sujos, e as unhas das mãos eram escuras de sujeira. Ela parecia uma mendiga que vivia nas ruas há muito tempo.
- Olá, minha cara. - disse ela, com os olhos fixos em mim. Como se me conhecesse.
- Onde estou? - perguntei, tentando não transparecer que eu estava ficando com medo de ficar sozinha com aquela velha.
- Em Staunt. - disse a velha - E como é seu nome, garotinha?
- Mira. - respondi- Mira Montbeller.
- Você é uma Mont? - indagou a velha, um pouco surpresa.
- Sim, e a senhora como se chama?
A velha sorriu, mostrando os dentes podres e sujos, um sorriso muito falso.
-Me chamo Meregalda. - respondeu - Estamos perdendo tempo, e tempo é algo que não podemos perder, pois ele é valioso demais!
Olhei para trás, eu não sabia para onde ir, não tinha escolha para mim.
- Me acompanhe, garotinha!
Eu detestava ser chamada assim. Eu tinha quatorze anos, não era uma criança. Quem aquela velha estava chamando de "garotinha".
Meregalda virou-se e seguiu pela trilha do bosque, comigo indo atrás, olhando ao redor. De vez em quando eu me distraía. Eu gostava da natureza e as vezes me sentia conectada a ela. Minha mão do nada começou a queimar. Era aquela maldita marca que eu recebi da bruxa. Ela queimava de vez em quando. Eu não contei ao Evan. Ele ia ficar preocupado, e não queria que se preocupasse comigo. Não que eu não quisesse ser protegida, mas as vezes eu me sentia impotente de alguma maneira. Dependente é a palavra correta. Parece que eu sou uma ingrata pensando assim, mas eu era grata e muito. Evan sempre me ajudou. Ele era a minha força e eu era a dele. Mas, na caverna, Ônix prestou atenção em mim e, disse que eu iria para as Trevas. E, a partir disso não parei de pensar, no ódio que eu sentia por dentro por aqueles que baniram Evan e eu sem que tivéssemos a chance de nos redimirmos, e nos mandarem para Margholia por medo. Eu sonhava com aqueles que nos condenaram. Eu os torturava de maneiras que é impossível imaginar. Imaginava ouvi-los gritar de dor. Fazia com que pagassem por cada coisa que Evan e eu sofremos. Parte de mim queria isso. E era o que mais temia .
E se fosse esse meu destino?
- Estamos quase chegando. - avisou Meregalda.
Nem tinha reparado quanto tempo estava andando, divagando em meus pensamentos.
Lá na frente, havia um portão gigantesco de ferro com entalhes de cobras entrelaçadas no ferro. Eu reconheci de primeira. A velha estava me levando para a bruxa.
- Não! - eu falei - Não vou!
Meregalda veio até mim e sussurrou, sua boca tão perto da minha orelha, que senti seu hálito fedorento, como mil corpos apodrecidos.
- Você vai ser uma garota boazinha, - ela falou, arrumando meu cabelo, como se fosse uma avó cuidando da netinha querida - E vai me obedecer, você não quer me conhecer de verdade, quer?
Balancei a cabeça negando, me tremendo toda.
- Ótimo, então, me siga!
Mesmo sem querer, eu segui aquela velha, sem ter certeza do que me aconteceria se eu não a seguisse. Eu tinha meus poderes, mas estava claro, que Meregalda não era só uma velha qualquer.
Quando chegamos perto do portão, ele se abriu sozinho. E depois do portão havia uma imensa mansão estilo gótico, com árvores com galhos retorcidos, e um imenso jardim. Era uma construção trabaljada em mármore. Uma mansão negra, com uma torre, e algumas figuras, como gárgulas, leões, e claro, cobras enfeitando as janelas, na parte de cima e em outros lugares. Senti um arrepio vendo aquele lugar. Havia uma escadaria enorme que levava até a porta. Meregalda subiu com dificuldade. Quando subimos no topo, a velha puxou a aldrava da porta, que tinha o formato de um crânio. E a porta se abriu.
Entrei bem quietinha. E fiquei maravilhada com a beleza daquela mansão. Havia um candelabro enorme no teto, com cristais. Um tapete vermelho estendido e duas escadas em espiral que se interligavam da esquerda para a direita. Havia muitas salas. E, estava fazendo muito silêncio.
- Vou deixá-la aqui. - avisou Meregalda.
E ela entrou por uma porta e não voltou mais.
Fiquei olhando para as penteadeiras, umas mesinhas num canto. Havia alguns quadros também. Um homem e uma mulher já velhos. Tinham uma aparência assustadora. E guardado num vidro estava o colar que a mulher estava usando no quadro.
-Minha mãe, Onissa. - disse, aquela que eu temia desde que a libertamos - Esse colar é de família, assim como, o colar que seu irmão usou pra me libertar.
- Não foi intenção dele. - revidei.
- Mas, ele o fez. - ela respondeu - E sou muito grata a ele.
- Porque estou aqui? - perguntei, um pouco nervosa, medo de saber a resposta.
- Eu disse que você é poderosa, e se não é agora, um dia vai ser, acredite em mim.
Ela começou a se aproximar, usava um salto alto e seu vestido era escuro, e uma cobra estava enrolada no seu pescoço. Ela estava muito bela. Demonstrava seu grande poder. E seus olhos tinham ódio quando me encaravam. Dava para sentir fluir dela.
- Você é capaz de sentir, não é? - perguntou Ônix, como se fosse capaz de ler minha mente.
- O quê? - perguntei, como se não soubesse do que ela estava falando.
- As Trevas.
- Sim... Eu...
Ônix me interrompeu.
- E você as teme. - disse.
Assenti.
- Você não deve temer as Trevas, você deve aceitá-la.
- E eu vou me transformar em você?
Ônix riu.
- Poderá ser ainda mais forte que eu! - responde Ônix - Você e eu poderemos ser grandiosas juntas! Se vingar de toda essa escória humana!
Vingança? A Marca na minha mão começou a queimar. Vingança era o que eu mais queria. Vingança para Evan e eu. Mas, eu não podia. Eu teria que abandonar Evan. Traí-lo. Eu não podia fazer isso.
- Eu não sou assim.
- Não? - indagou Ônix, rindo com sarcasmo - Nunca quis se vingar do que fizeram contra você e seu irmão? De serem abandonados, de passarem fome, viverem como mendigos? Mentir para mim não importa, mas de que adianta mentir para si mesma?
Aquelas palavras ecoaram na minha mente, me atingindo como um turbilhão.
Lembrei de quando não tínhamos nada para comer, aqueles que conseguiam se dar bem em Margholia, viviam bem. Mas nós, nós tínhamos que caçar. Evan e eu estávamos com muita fome, e resolvemos sair para caçar algo para comermos. Evan foi até um pequeno rio e nadou á procura de algum peixe, nem que fosse pequeno, e ele conseguiu. Mas, quando retornou, uns imbecis queriam que ele desse nossa comida. Evan negou. E então, eles bateram nele. Bateram tanto nele que ele ficou dias sem poder levantar. Os olhos inchados e vários hematomas pelo corpo, mas não deu a nossa comida para eles. E nós comemos aquele único peixe. As vezes não tínhamos nada. Passávamos dias sem comer.
Lágrimas brotaram dos meus olhos.
Ônix vendo aquilo, esbofeteou meu rosto. Senti a ardência. Fiquei paralisada.
- Nunca demonstre fraqueza, não vou me comover está me ouvindo, garota? - disse ela - Nunca derrame uma lágrima sequer! POR NINGUÉM!
E esbofeteou novamente. Várias e várias vezes. Eu queria gritar. Estava doendo. Mas, se eu chorasse, talvez ela faria pior. Então, apenas as lágrimas saiam. E isso a irritava ainda mais.
Eu estava com o rosto doendo. Sangue começou a sair da minha boca, devido á sua força.
Depois que ela se cansou, ela gritou:
- Meregalda!
E novamente a velha apareceu, e olhou para mim, eu devia estar péssima porque ela me olhou com pena. Ou era o que eu pensava.
- Ela está horrível! - disse Meregalda, me encarando, seu rosto indecifrável.
- Ainda é muito fraca. - disse ela com desdém - Vai precisar de umas modificações.
Aquela palavra me assustou. O que ela queria dizer com "modificar"?
- Leve-a para a prisão. - ordenou Ônix - Faça com que ela aprenda, aquilo você adora fazer.
Meregalda olhou pra mim e sorriu. E foi aí, que eu senti medo de verdade.
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NASCIDO DAS SOMBRAS
Ficção Adolescente"Houve uma época em que bruxos e bruxas viviam em liberdade. Realizavam curas, e sempre ajudavam uns aos outros com sua magia. Mas, tudo mudou quando uma bruxa muito poderosa se rebelou, alegando que os humanos não eram dignos de sua ajuda, pois era...